Sociedade

Críticas a apoio militar dos Estados Unidos à luta contra o ebola na África

Um dos epicentros do ebola, o distrito de Kailahun, na fronteira oriental de Serra Leoa com a Guiné, está em quarentena desde o começo de agosto. Foto: ©EC/ECHO/Cyprien Fabre
Um dos epicentros do ebola, o distrito de Kailahun, na fronteira oriental de Serra Leoa com a Guiné, está em quarentena desde o começo de agosto. Foto: ©EC/ECHO/Cyprien Fabre

 

Washington, Estados Unidos, 10/9/2014 – As forças armadas dos Estados Unidos se somaram à ofensiva internacional contra o foco de ebola na África ocidental, mas no momento sua intervenção se limita a um hospital de campanha com 25 leitos na Libéria, um dos cinco países afetados pela enfermidade. Ontem a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou para 2.296 o número de mortos de um total de 4.293 pessoas infectadas pelo vírus, principalmente em Guiné, Libéria, Serra Leoa e, em menor grau, Nigéria e Senegal.

Os defensores da intervenção militar, entre eles vozes destacadas do setor da saúde mundial, elogiaram a sólida capacidade logística do Pentágono (Departamento de Defesa) dos Estados Unidos que, segundo quase todos os observadores, é absolutamente necessária para combater a epidemia que começou em março na Guiné. Mas já existem críticas pela magnitude da missão. Alguns questionam se tem a força necessária e outros se pode chegar a ser muito ampla no futuro.

A África ocidental tem capacidade de 570 leitos para os pacientes com ebola, mas a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) calcula que a região precisa de pelo menos mil leitos hospitalares, com isolamento completo.

O presidente Barack Obama fez o primeiro anúncio público sobre o tema no dia 7, quando declarou que o foco de ebola é um perigo para a segurança nacional dos Estados Unidos. “Temos de conseguir recursos militares norte-americanos apenas para instalar” na África ocidental “unidades de isolamento e equipamentos que deem segurança aos trabalhadores da saúde pública procedentes de todo o mundo”, declarou Obama em entrevista na televisão. “Se não fizermos esse esforço já poderá ser um grave perigo para os Estados Unidos”, acrescentou.

Washington gastou mais de US$ 20 milhões na África ocidental este ano para combater a doença, mas nos últimos meses recebeu críticas por não fazer o suficiente. Espera-se que Obama solicite fundos adicionais ao Congresso no final deste mês. Mas a intervenção militar já começou, embora em uma escala muito pequena e, no momento, só na Libéria.

Um porta-voz do Pentágono disse à IPS que, ao longo do final de semana passada, o secretário da Defesa, Chuck Hagel, aprovou o envio de “um centro hospitalar com 25 leitos, equipamento e apoio necessário para estabelecer a instalação” na Libéria. O governo tem planos adicionais, mas o Pentágono responde apenas às solicitações de outros órgãos federais norte-americanos e não tem um papel de liderança no assunto. Além disso, sua presença no hospital da Libéria, o país mais afetado pelo ebola, é limitada, acrescentou.

O Pentágono “não terá uma presença permanente na instalação nem dará atendimento direto aos pacientes, mas garantirá que o hospital esteja abastecido e dará apoio periódico” para seu funcionamento por até 180 dias, explicou o porta-voz. “Uma vez o centro hospitalar esteja instalado, será transferido ao governo da Libéria”, pontuou.

No dia 8, o ministro da Defesa da Libéria, Brownie Samukai, disse que seu governo está “extremamente agradecido” pelo anúncio. Nesse dia, a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou para o “aumento exponencial” dos casos de ebola nas próximas semanas. Mas até agora a resposta internacional diante da epidemia é considerada perigosamente insuficiente. Entretanto, a declaração de Obama criou dúvidas, inclusive entre os que apoiaram o anúncio.

A MSF, embora historicamente contrária à intervenção militar diante dos focos epidêmicos, rompeu essa tradição neste caso. A organização afirmou que a comunidade mundial está “falhando” em sua resposta à epidemia e, em uma conferência especial da ONU, exortou os países com “capacidade médica civil e militar a enviarem recursos e pessoal para a África ocidental imediatamente”.

A MSF recebeu com satisfação o anúncio de Obama, mas também expressou grande preocupação pela referência do presidente a que os militares dos Estados Unidos dariam “segurança aos trabalhadores da saúde pública”. O grupo “reitera a necessidade de que este apoio seja de caráter médico unicamente”, destacou à IPS o encarregado de imprensa da organização, Tim Shenk. “Os trabalhadores humanitários não precisam de apoio adicional de segurança na região afetada”, afirmou.

A organização ainda exortou que o pessoal militar presente na África ocidental não seja usado para “medidas de quarentena, de contenção ou de controle de massas”. O porta-voz do Pentágono informou à IPS que as forças armadas norte-americanas ainda não receberam pedido para fornecer segurança aos trabalhadores de saúde.

Os Estados Unidos não são o único país que recorre às suas forças militares para reforçar a resposta humanitária na África ocidental. O governo britânico anunciou, nos últimos dias, que o pessoal humanitário e militar instalará e administrará 68 leitos para pacientes com ebola em um centro médico em Serra Leoa.

A preocupação da MSF pelo envio militar norte-americano destaca o fato de que há pouca orientação formal sobre a participação de militares estrangeiros na resposta internacional diante de problemas sanitários. A OMS, por exemplo, não tem uma posição sobre o tema, afirmou um dos seus porta-vozes, Daniel Epstein, à IPS. Como se trata de um órgão intergovernamental, cabe aos países afetados tomar as decisões e realizar solicitações, explicou.

Epstein pontuou que “cada país cuida de sua própria situação de segurança. Assim, se os governos aceitam a participação militar de outros países é um assunto seu”. Outra porta-voz, Margaret Harris, disse à IPS que a OMS agradece “as habilidades que grupos bem treinados, disciplinados e extremamente organizados como as forças armadas dos Estados Unidos podem dar à campanha para acabar com o ebola”.

Mas a contribuição militar dos Estados Unidos poderia ser menor do que a necessária. Shenk, da MSF, disse que o seu plano militar deveria incluir tanto a construção como a gestão de centros contra o ebola. Mas, até agora, o Pentágono assegura que não se encarregará dos mesmos.

Laurie Garret, destacada especialista em saúde mundial e integrante do Conselho de Relações Exteriores, um centro de pesquisas com sede em Washington, expressou seu alarme pelo fato de a intervenção dos Estados Unidos contra o ebola parecer ser “diminuta” diante do que falta para conter a epidemia. Envolverde/IPS