Arquivo

Cristãos são os intocáveis do Paquistão

Homem carrega uma cristã ferida até uma ambulância depois do ataque a uma igreja de Peshawar, que deixou 85 mortos e 140 feridos. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Homem carrega uma cristã ferida até uma ambulância depois do ataque a uma igreja de Peshawar, que deixou 85 mortos e 140 feridos. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 25/10/2013 – Como a maioria dos cristãos do Paquistão, Johar Maseeh vivia de fazer limpeza: era varredor em uma fábrica de Peshawar. E, como muitos outros cristãos, morreu no mês passado no atentado contra uma igreja nesta cidade. Também era um das centenas de milhares de cristãos paquistaneses que um grande número de muçulmanos (maioria no país) considera sujos por trabalharem como limpadores.

“Ninguém está disposto a cumprimentar com a mão um cristão”, afirmou à IPS o alfaiate Rafiq Maseeh. “Literalmente, somos tratados como uma comunidade intocável”, acrescentou. Maseeh tem muitos clientes muçulmanos, mas a maioria deles não demonstra vontade de falar com ele. Ele explicou que “a maior parte da população cristã se concentra em Peshawar porque tem medo de viver em áreas rurais, devido às represálias da população local”.

Grande quantidade de cristãos vive na pobreza extrema, em assentamentos sem água, saneamento e atenção à saúde. “Vivemos em uma casa de barro e tijolo de dois cômodos, com pouco espaço para nossa família de dez membros”, contou à IPS Javid Pyara, varredor na Universidade de Peshawar. Frequentemente são considerados agentes do Ocidente.

“Cada vez que há um fato de blasfêmia em qualquer parte do mundo, os cristãos do Paquistão sofrem a pior parte”, contou à IPS o ativista Shamshad Jan. No ano passado, uma igreja foi incendiada na localidade próxima de Mardan, em meio aos distúrbios contra a produção de um filme considerado blasfemo, feito por um cineasta norte-americano. “As pessoas veem os cristãos como não muçulmanos, e não gostam”, disse Jan.

A Constituição paquistanesa proíbe os cristãos de se candidatarem à Presidência e ao cargo de primeiro-ministro. “A eles foi destinado 1% das cadeiras nas assembleias legislativas provinciais e nacional, mas isso não significa que estejam integrados à vida política do país”, disse Jan. “Muitos evitam um aperto de mãos com um cristão. Ninguém no Paquistão gostaria de compartilhar sua refeição com eles”, acrescentou.

Para muitos cristãos a única esperança é que as novas gerações tenham uma vida melhor. “Há uma tendência a se educar e obter bons empregos entre os jovens cristãos. Não estão dispostos a aceitar trabalhos de limpeza”, apontou à IPS o varredor Bhuta Maseeh, de 60 anos, que trabalha em um órgão do governo. Seu filho, Akram Maseeh, disse que se formou “em uma faculdade local e agora sou caixa em um banco. Cerca de uma dezena dos meus amigos também encontraram trabalhos bons e bem remunerados, por terem curso universitário”.

Uma parte da juventude cristã prevê um futuro melhor do que o conhecido por seus pais. “Temos amigos muçulmanos. Nos sentamos juntos, comemos juntos e discutimos sobre política e outros assuntos. Nos respeitamos”, afirmou à IPS Mujtiar Maseeh, filho de um varredor e estudante da Faculdade Islâmica em Peshawar.

Com relação às mulheres jovens, “a maioria se dedica à enfermagem, porque as outras não o fazem. Também trabalham como professoras em escolas particulares e do governo”, segundo Jalal Maseeh, também de Peshawar. Contudo, esse avanço para melhores condições de vida levou muitos ao precipício. O devastador ataque suicida contra a Igreja de Todos os Santos em Peshawar, cidade açoitada pela insurgência, causou 85 mortes e deixou 140 feridos, reavivando o medo da comunidade cristã pobre.

Cerca de cem mil cristãos de Peshawar, capital da província Jyber Pajtunjwa, depois de batalharem pela aceitação e por uma vida decente, agora precisam lidar também com a ameaça terrorista. “Não temos nenhuma proteção. Os terroristas apontam suas armas para nós. Precisamos de boas medidas de segurança”, disse à IPS o jovem Jamil Maseeh, de 29 anos, ferido no ataque de 22 de setembro.

Mohammad Karim, erudito religioso que vive em Peshawar, acredita que esse ataque buscou dividir muçulmanos e cristãos. “Deveríamos estar agradecidos aos cristãos porque estão limpando nossos hospitais, escritórios e mercados. Não devemos prejudicá-los, pois servem à nossa gente. Nossa religião, o Islã, também promove a convivência pacífica com os que não são muçulmanos”, ressaltou.

Maulana Tahir Ashrafi, presidente do Conselho Ulema, disse à IPS que “é muito vergonhoso não sermos capazes de proteger as minorias. Segundo o santo profeta Maomé, a paz esteja com ele, é responsabilidade do Estado proteger os lugares de culto dos não muçulmanos”. Porém, os atritos com os muçulmanos ortodoxos são um risco constante. “As relações entre igrejas e mesquitas não são tão cordiais como deveriam ser”, disse à IPS outro erudito islâmico, Maulana Zafar Gul.

A maioria dos clérigos muçulmanos é contra as igrejas, mas não se expressam assim por pressão do governo e do exterior, acrescentou Gul. “Já levamos vidas miseráveis no Paquistão”, disse à IPS o presidente do Movimento de Minorias do Paquistão, Saleem Grabble. “Nossa gente faz limpeza por salários magros. Agora, os atentados terroristas procuram nos eliminar fisicamente”, pontuou.

O último ataque contra os cristãos chamou a atenção internacional, em um momento em que o governo está decidido a dialogar com o movimento fundamentalista Talibã, enfatizou Sawar Shah, professor de ciência política radicado em Lahore. “Os terroristas escolhem como alvos as mesquitas, a comunidade xiita, cerimônias fúnebres, escolas, mercados e prédios do governo para expressarem sua indignação pelo papel do Paquistão na guerra contra o terrorismo”, acrescentou. Envolverde/IPS