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Cristãos e muçulmanos “vítimas dos terroristas”

Igrejas e santuários são alvos dos terroristas. Foto: Reprodução/Internet

Mopti, Mali, 13/2/2013 – Na entrada da igreja evangélica de Mopti, no centro de Mali, soldados se postaram ao lado de cada porta, enquanto o pastor Luc Sagara saudava os fiéis que chegavam para a oração dominical. A presença dos soldados foi uma dura lembrança de que, há menos de três semanas, o povoado estava ocupado por extremistas islâmicos que queriam impor a shariá nesta nação do ocidente africano. “Agora nos sentimos seguros. Com a intervenção da França, esperamos que eles não nos ataquem mais”, disse Sagara à IPS.

A França iniciou, em 11 de janeiro, sua intervenção militar no Mali, a pedido do presidente interino do país, Dioncounda Traoré, depois que extremistas avançaram sobre a localidade de Konna, 60 quilômetros a nordeste de Mopti. Enquanto os islâmicos ocupavam povoado após povoado, tentando capturar a capital Bamaco, impondo a shariá, e os cristãos e muçulmanos moderados eram perseguidos.

Desde abril de 2012, o norte do Mali foi hostilizado por uma coalizão de grupos armados integrados pela Al Qaeda no Magreb Islâmico, o Movimento pela Unidade e a Jihad na África Ocidental, e a organização islâmica Ansar Dine, com raízes entre os tuaregues do sudeste do país. Os rebeldes destruíram santuários e igrejas e impuseram a shariá à força, realizando flagelos em público, execuções e amputações.

A organização internacional Human Rights Watch disse que os rebeldes também realizaram saques, bem como o recrutamento de crianças-soldados, e violentaram mulheres e meninas. Segundo o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o recente conflito causou o deslocamento de 250 mil pessoas. Mopti foi um dos povoados em que os habitantes do norte buscaram refúgio, até ser também ocupado.

Muitos integrantes da minoria cristã, que constitui 5% dos 15,8 milhões de habitantes do país, fugiram de Mopti, e os que ficaram viveram com medo durante a ocupação. Um imã do lugar, Abdoulaye Maiga, contou à IPS que ninguém estava a salvo dos extremistas, independente de sua filiação religiosa.

“Todos somos vítimas destes terroristas. Todos somos malineses e todos fugimos juntos”, disse Maiga. Alguns de seus familiares haviam tomado o voo que partia de Gao, a maior cidade do norte do Mali. “Quando minha família chegou aqui, trouxe consigo uma família cristã, e lhes emprestamos algumas de nossas roupas tradicionais, para que os terroristas a deixassem viajar sem problemas”, contou.

Em Diabaly, outra localidade central libertada, o pastor Daniel Konaté se preparou para seu primeiro serviço cristão desde que os islâmicos foram vencidos. O grafite em uma parede da igreja dizendo “Alá é o único” e as balas espalhadas pelo chão eram uma lembrança da ocupação islâmica.

“Converteram minha igreja em uma base militar”, afirmou Konaté à IPS. Durante a ocupação, ele e sua família fugiram para uma aldeia que fica a 20 quilômetros, voltando somente depois que as forças de Mali e da França repeliram com sucesso os islâmicos em Mopti, no dia 21 de janeiro. Contudo, Konaté ainda se pergunta como os extremistas souberam que este simples edifício era uma igreja, pois nada indicava que se tratava de um templo.

“Pensamos que algumas pessoas podem ter falado que isto é uma igreja”, comentou Konaté, enquanto 30 fiéis se reuniam no serviço religioso que começava com o cântico “Não é Deus quem nos trai. São os homens que traem Deus”. Desde que habitantes do lugar reconheceram entre as forças islâmicas dois ex-soldados de alta patente do exército de Mali que costumavam servir em Diabaly, os membros da comunidade acreditam que os combatentes islâmicos contaram com apoio local. Moradores que antes conviviam pacificamente agora suspeitam um do outro.

Durante a ocupação do povoado, a pequena casa de quatro dormitórios de Pascal Touré, nos arredores de Diabaly, escondeu 27 refugiados cristãos, que tinham medo de serem perseguidos pelos ocupantes islâmicos. “Parece óbvio que alguns moradores do lugar informaram onde os cristãos estavam. Entre os moradores, todos se conhecem”, explicou à IPS.

Mas Touré, um cristão que também ensina catecismo, está convencido de que buscar vingança não é a solução. Os refugiados se foram de sua casa e voltaram para seus lares em Diabaly, “mas a vida no povoado não será a mesma para os cristãos”.

Entretanto, alguns aqui ainda lembram de um passado de paz, acreditando com otimismo que a vida voltará a ser como antes do conflito. O muçulmano Bakary Traoré, professor aposentado, é um deles. “Os cristãos foram tomados por alvo. Mas toda Diabaly foi vítima. Os islâmicos não tiveram tempo de impor a shariá, mas se o tivessem feito todos sofreriam. Não tiveram êxito, e agora todos podemos viver em harmonia, como antes, como um só povo”, enfatizou. Envolverde/IPS