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Crise na Ucrânia afeta luta contra a aids

Um trabalhador social entrega seringas esterilizadas a viciados em Dnipropetrovsk, leste da Ucrânia. Foto: Pavol Stracansky/IPS
Um trabalhador social entrega seringas esterilizadas a viciados em Dnipropetrovsk, leste da Ucrânia. Foto: Pavol Stracansky/IPS

 

Kiev, Ucrânia, 29/1/2014 – Organizações que lutam contra a aids alertam que as novas leis propostas na Ucrânia em meio à crise política podem ser “catastróficas” para seu trabalho. No pacote de projetos de lei apresentados na semana passada (qualificado de “carta de opressão” por ativistas pelos direitos humanos) se destaca uma lei que obrigaria as organizações não governamentais que recebem fundos do exterior a se registrarem como “agentes estrangeiros”, sob ameaça de sofrerem multas ou serem fechadas.

Esse projeto de lei, quase cópia de um aprovado recentemente na Rússia, não só estigmatiza esses grupos da sociedade civil como os obriga a pagar impostos pelo dinheiro que recebem. Para as organizações que estão na primeira fila da luta contra o HIV (vírus causador da aids ), isto pode ser calamitoso.

A crise na Ucrânia começou em novembro do ano passado, quando o governo de Viktor Yanukovich rejeitou um acordo de associação de longo prazo com a União Europeia, após vários anos de negociações com o bloco, apostando, por outro lado, em uma aproximação com a Rússia. Isto gerou protestos de milhares de ucranianos europeístas, que se agravaram diante da forte repressão das autoridades. Por sua vez, uma série de novas leis limitando o direito de manifestação aumentou o mal-estar popular.

Pavel Skala, gerente de políticas da Aliança Internacional Contra o HIV/aids, a maior organização da Ucrânia que luta contra a enfermidade, disse à IPS que as novas disposições serão “catastróficas para as ONGs”. Em particular, “dificultarão as coisas para as que trabalham com doentes de HIV/aids e lhes proporcionam serviços. A epidemia na Ucrânia somente se agravará”, alertou.

Por muitos anos a Ucrânia foi um dos países onde a epidemia se propagou mais rapidamente, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), e atualmente apresenta a maior prevalência de infecções na Europa. Sucessivos governos ucranianos foram criticados por seu enfoque contra a doença. Grupos locais e internacionais dizem que as políticas contra a aids neste país carecem de financiamento, e denunciam que a corrupção e a incompetência estão causando uma escassez de medicamentos antirretrovirais.

Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV e Aids (Onusida), menos de 40% da população infectada neste país recebe antirretrovirais. Em comparação, a prevalência em países da África subsaariana gira em torno de 80%. Embora historicamente a epidemia tenha se propagado especialmente pelo consumo de drogas intravenosas (estima-se que existam 290 mil viciados), as autoridades se mostram reticentes em adotar práticas para a redução de danos que demonstraram ser eficazes na luta contra o HIV/aids no Ocidente.

Quando em 2004 se descobriu que o governo ucraniano pagara mais de 25 vezes o valor de mercado por antirretrovirais, o Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária começou a canalizar grande parte de seus recursos para as ONGs. Essas organizações se focaram em programas de prevenção, com especial atenção a viciados e trabalhadores e trabalhadoras sexuais.

Os serviços parecem ter conseguido algum êxito. Em 2012, pela primeira vez diminuiu a taxa de novas infecções. Isto devido à propagada implantação de programas de redução de danos. Mas a provisão desses serviços agora está em xeque. Segundo as atuais disposições, o Fundo Mundial pode canalizar fundos livres de impostos, mas há dúvidas se isso continuará dessa forma, caso seja aprovada a lei para os “agentes estrangeiros”.

A Aliança Internacional Contra o HIV/Aids implanta o maior programa de prevenção do vírus na região da Europa oriental e Ásia central, ajudando 170 mil dependentes químicos em mais de 300 cidades com seus próprios serviços e os de mais de 170 organizações afiliadas em todo o país. A Aliança está registrada como organização sem fins lucrativos e, portanto, o dinheiro que recebe do Fundo Mundial deve estar isento de impostos.

No entanto, muitas de suas organizações filiadas, que recebem parte desse dinheiro, serão obrigadas a se registrar como “agentes estrangeiros”. A Aliança explicou à IPS que, segundo o projeto de lei, não poderá canalizar o dinheiro que recebe do Fundo Mundial e que os impostos a obrigarão a encerrar suas atividades.

O coordenador da Onusida na Ucrânia, Jacek Tyszko, disse à IPS que “estamos muito preocupados com o projeto. É potencialmente muito negativo para a situação no país, pois grande parte da resposta ao HIV/aids está a cargo da sociedade civil”. E acrescentou que “o problema é que o dinheiro do Fundo Mundial deve estar livre de impostos, mas a lei não é clara, e, assim, isso está em xeque. Conversamos com o pessoal do Ministério da Saúde e há todo tipo de opinião”.

Desde setembro do ano passado a Aliança trava uma batalha contra as autoridades fazendárias e de aduanas ucranianas, que procuram taxar a importação de seringas. A organização argumenta que estas devem ser isentas por estarem amparadas como parte do financiamento do Fundo Mundial e no contexto de atividades de serviços de saúde. Enquanto a disputa continua, milhões de seringas permanecem apreendidas e armazenadas em uma instalação especial, com despesa correndo por conta da Aliança.

“Já houve problemas com as autoridades por taxação da importação de seringas, e parece que as autoridades ucranianas não estão dispostas a fazer exceções. Agora temos medo de que haja mais problemas” com o dinheiro enviado pelo Fundo Mundial, pontuou Tyszko.

Mesmo se as ONGs se ajeitarem para seguir com suas atividades sem dinheiro do exterior, a nova lei poderá ser obstáculo para seu trabalho, advertiu Skala. “As organizações serão rotuladas como ‘agentes estrangeiros’, vistas como espiãs, e a legislação dará às autoridades a oportunidade de supervisionar esses grupos quando quiserem e tentar mudar o que fazem”, ressaltou.

“Os trabalhadores sociais serão alvo das autoridades, haverá um clima hostil para seu trabalho e os que integram essas organizações terão medo. Tudo será mais difícil para eles”, acrescentou Skala. E isso parece já estar ocorrendo. Fontes da Aliança disseram à IPS que alguns membros de suas organizações filiadas já estão preocupados, depois que agentes de segurança do Estado os interrogaram sobre a origem de seu financiamento. Envolverde/IPS