Arquivo

Crise faz prosperar o transporte a cavalo em Cuba

Moradores da cidade de Bayamo, na província cubana de Granma, utilizam charretes puxadas por cavalos como transporte público. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Moradores da cidade de Bayamo, na província cubana de Granma, utilizam charretes puxadas por cavalos como transporte público. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 12/11/2014 – Pelas cidades e povoados de Cuba circulam carruagens tradicionais, com cobertas de couro preto e grandes rodas traseiras, puxadas por cavalos, igual a outras charretes mais rústicas, que funcionam como transporte público. Esse antigo meio prospera nos assentamentos urbanos, suburbanos e rurais desse país de 11,2 milhões de habitantes, onde o acesso ao transporte motorizado é caro e deficitário, e nas regiões afastadas é quase inexistente.

Como faz a cada manhã, há 11 anos, Bienvenido García espera por passageiros na “piquera” (ponto de embarque) do balneário de Varadero, 121 quilômetros a leste de Havana, para levá-los em uma rota fixa através da principal artéria dessa localidade turística em seu veículo a cavalo. De acordo com o lugar do país, o tipo de carro e a distância a percorrer, o custo da passagem é de dois a dez pesos por passageiro (US$ 0,10 e US$ 0,50). O passeio fica mais caro nas confortáveis e luxuosas carruagens tradicionais, cujo mercado é o turista estrangeiro que visita os destinos cubanos.

“Antes trabalhava nas ‘guaguas’ (ônibus de transporte público). Mas com a crise não havia peças de reposição nem combustível. Então me dediquei a ser cocheiro”, contou à IPS García, trabalhador por conta própria. Como a maioria dos setores, o transporte entrou em colapso em 1991, quando desapareceu o bloco socialista do leste europeu, então o principal sócio comercial e financeiro de Cuba.

Observadores dizem que as medidas para recuperar o setor são tão lentas quanto ineficientes. A população precisou lançar mão de meios que não dependessem dos hidrocarbonos, como cavalo, bicicleta e triciclo. A esses últimos, pessoas inovadoras acoplaram dois assentos e os batizaram de bicitáxi. Em resposta, as autoridades incorporaram como ofícios o trabalho de cocheiro, bicitaxista e mototaxista, dentro da abertura aos pequenos negócios privados realizada pelo governo socialista, no poder há mais de meio século.

Em 2010, ficou estabelecido que os empreendimentos privados são fundamentais para aliviar o déficit crônico do transporte público. Junto com a gastronomia e o aluguel de moradias, o transporte concentra atualmente a maioria dos 473 mil trabalhadores por conta própria. Não há dados específicos sobre o número de cocheiros, um oficio majoritariamente masculino, mas eles são muito numerosos em cidades como Bayamo, chamada de “a cidade das charretes”, Guantânamo, Cárdenas, Varadero, Santa Clara, Ciego de Ávila e Santi Spíritus.

Tampouco há dados sobre o atual parque automotivo, mas a imprensa local indicou, em julho de 2013, que os ônibus que prestavam serviços na época eram apenas 7.840, praticamente metade das 15.800 unidades de transporte público dos anos 1980. Além disso, diante da carência de novos veículos, ainda circulam pelas cidades cubanas automóveis norte-americanos da década de 1950 ou da marca Lada, do desaparecido bloco soviético.

Bienvenido García, cocheiro no balneário de Varadero. espera por passageiros. Foto: IPS
Bienvenido García, cocheiro no balneário de Varadero. espera por passageiros. Foto: IPS

“Esse trabalho de cocheiro dá apenas para viver porque os impostos são altos”, afirmou García, cuja charrete leva no máximo oito pessoas, “o peso que o cavalo pode puxar sem abuso”. “Tenho os ‘culeros’ (espécie de fralda para recolher fezes) em boa forma para não sujar as ruas e ensinei o cavalo a fazer as paradas para não atrapalhar na rua”, destacou. Mas nem todas as ruas com rotas para transporte a tração animal estão limpas em Varadero.

“A população teve que conversar com as autoridades para elevar a exigência sobre os cavalos pelas ruas. Havia dejetos por todo lado”, contou à IPS a jovem Aliuska Labrada, que mora no povoado de Cayo Ramona, 203 quilômetros a sudeste de Havana.

De fato, o retorno maciço desse antigo transporte trouxe consigo problemas relacionados com a higiene e a imagem dos assentamentos rurais e urbanos, a segurança nas ruas e também o bem-estar dos animais de tração. As autoridades locais criaram regras como pontos de embarque que devem ser mantidos limpos pelos proprietários das charretes, o acompanhamento de manejos tradicionais e a proibição do acesso aos centros urbanos. Para obter a licença é exigido um atestado veterinário da saúde do animal.

“É um meio de transporte mais natural, mas… a que preço”, opinou uma internauta que se identificou como Marina em um intercâmbio interativo com a IPS. “Os cavalos danificam as ruas asfaltadas e podem causar acidentes porque os condutores não têm domínio total sobre os animais. Também há a questão dos maus-tratos aos animais. Algumas pessoas os exploram até a exaustão para fazer dinheiro”, acrescentou.

Esse é um assunto sensível lembrado há anos por organizações dedicadas à proteção dos animais. Assim, o Conselho Científico Veterinário e a Associação Cubana de Proteção de Animais e Plantas apresentaram sem êxito desde 1988 um anteprojeto de lei de proteção animal ao Ministério da Agricultura. Por isso a comunidade científica local aposta no desenvolvimento de transporte ecológico e sustentável no país.

Em respostas por e-mail, a engenheira Lizet Rodríguez identificou algumas alternativas de curto e longo prazos para o país, embora a mudança para um sistema de transporte mais limpo exija um profundo estudo de viabilidade. A seu ver, “primeiro é preciso adotar soluções relacionadas com o fortalecimento e a reorientação do serviço de transporte público, a melhoria da infraestrutura viária e a redução das emissões dos veículos, o que implica modernizar o parque tecnológico automotivo”.

Essa pesquisadora da Universidade Central Marta Abreu, da localidade de Villa Clara, 268 quilômetros a leste de Havana, sugeriu “melhorar a comunicação pela internet, o que possibilitaria realizar uma grande quantidade de operações online que atualmente exigem o traslado das pessoas”. Hoje, poucos têm conexão eletrônica em suas casas, a maioria é por discagem e algumas sem fio. No ano passado, foram registrados 2,923 milhões de usuários online, somando contas da internet e da intranet cubana, que oferece acesso a alguns sites locais e internacionais.

Rodríguez destacou que “o emprego da bicicleta (desde que existam ciclovias) seria viável sobretudo em médias e pequenas cidades e se pode estimular a utilização de combustível mais limpo, como o gás natural ou os biocombustíveis, metanol e etanol, sempre obtidos da biomassa residual”.

No ano passado, as fontes renováveis de energia responderam por 22,4% da produção de energia primária desse país, segundo o último informe do estatal Escritório Nacional de Estatísticas e Informação. Até agora só se usa fontes renováveis em algumas indústrias. A maior parte é usada para gerar eletricidade, bombear e esquentar água e para cozinhar. Envolverde/IPS