Arquivo

Crise acentua o cinza inverno de Teerã

A produção nacional quase desapareceu no Irã e as importações escasseiam devido às sanções. Foto: Kamshots/CC By 2.0

Teerã, Irã, 15/2/2012 – A deterioração da economia iraniana e o temor de um ataque militar se somam à triste paisagem de inverno em Teerã, onde os dias curtos escurecem ainda mais devido a uma grossa camada de gases e fumaça que envolve a cidade. Com as montanhas em volta, os ventos fracos e o sol de inverno, a poluição se mantém por vários dias, e o governo divulga alertas regulares para que permaneçam em casa idosos, grávidas e quem sofre de doenças cardíacas.

Contudo, a saúde em queda não é o que mais preocupa os moradores da capital iraniana. O que mais afeta a deterioração de suas condições de vida é a sensação de que o mundo conspira contra eles. Com a dupla ameaça de um ataque militar dos Estados Unidos, de Israel ou de ambos, e a crescente instabilidade da economia nacional, já não se encontra a esperança que reinava nos dias anteriores às eleições de 2009 e mesmo nas semanas seguintes. No entanto, a situação não é tão ruim.

A maioria dos sinais indicam um bem-estar financeiro em seus níveis mais baixos para o cidadão comum desde a guerra com o Iraque (1980-1988), quando a escassez era a norma. Embora os iranianos se queixem de sua sorte há anos, as estatísticas simplesmente não refletem o grau de descontentamento econômico reinante. Ao que parece, o combustível e os serviços públicos fortemente subsidiados, a satisfação das necessidades básicas e uma educação decente ficam fora do registro de uma população que deseja muito mais. Até o ano passado, Teerã era classificada como uma das grandes cidades mais baratas do mundo para seus habitantes.

Algumas dessas características continuam vigentes, mas em queda, e pela primeira vez parece crescer a consciência de que tudo pode piorar drasticamente de uma hora para outra. A crise da moeda é o sinal mais recente do que pode ocorrer, e afeta gravemente a vida de milhões de iranianos, pois esta sociedade se tornou muito consumidora e não pode seguir o ritmo de suas próprias demandas. A produção interna praticamente desapareceu, e as importações ficaram complicadas, já que as potências ocidentais impõem fortes sanções comerciais ao Irã.

Isto afeta todos os aspectos da vida diária. Segundo algumas mães jovens, é quase impossível encontrar fraldas descartáveis Pampers, ou de qualquer outra marca estrangeira. E, quando existem, o preço de um dólar por fralda é proibitivo para uma sociedade onde a renda mensal média gira em torno de US$ 500. Entretanto, “as fraldas produzidas no país causam alergia em meu bebê cujo tratamento é ainda mais caro do que comprar as Pampers”, disse Samaneh, de 26 anos.

Perto de um importante hospital no bairro de Tavanir, em Teerã, as paredes dos prédios de apartamentos estão empapeladas com uma mensagem fotocopiada: “URGENTE: devido à situação financeira desesperadora vendo um dos meus rins. Grupo sanguíneo O+. Por favor, me ligue”. A venda privada de órgãos é legal há tempos, e o Ministério da Saúde aplaude o fato de não haver lista de espera para os transplantes de rim no país. E hoje a oferta parece ser muito maior do que a demanda.

De todo modo, em Teerã há alguns que vivem outra realidade. No norte da cidade, considerado o bairro ocidentalizado do dinheiro e do liberalismo, para muitos habitantes a situação parece estar melhor do que nunca. Frequentemente são identificados erroneamente como o motor principal da oposição interna ao regime, mas com o acesso a carros de luxo e bolsas caríssimas, é evidente que este setor da sociedade prospera no atual contexto da crise monetária e de especulação imobiliária. Ainda que não sejam fervorosos partidários do regime, são silenciosos cúmplices, sempre e quando seus interesses permaneçam intocáveis.

Não muito distante, na maioria das praças principais do norte e centro da capital iraniana, a polícia da moralidade se faz presente. Suas agentes femininas, convenientemente vestindo o chador (roupa que cobre todo o corpo menos o rosto), e suas caminhonetes verde e branca, esperam pacientes para deter quem infringir o código de vestimenta islâmica. Embora as prisões tenham diminuído nos últimos tempos e os castigos ficado menos severos, as pessoas à pé rechaçam mais do que nunca as opressivas normas. “Como se já não tivéssemos problemas suficientes”, disse Taraneh, de 28 anos. Ela, sua mãe e sua filha de cinco anos foram detidas por usarem jaquetas consideradas muito curtas.

Enquanto observava as detenções, Hassan, de 35 anos, disse: “Creio que enviam estas pessoas para as ruas para mantê-las empregadas. Mas não se dão conta de que todos que veem este assédio, religioso ou não, simplesmente maldizem o sistema. Até o presidente Mahmoud Ahmadinejad disse que não é assunto do governo controlar como as iranianas se vestem. No entanto, é evidente que há no poder funcionários que ainda consideram que esta é uma questão de segurança nacional.

Alguns moradores começam a ver poucas diferenças entre esses defensores do sistema e os que, no norte de Teerã, dirigem Porsches que custam US$ 300 mil. “Todos eles representam a hipocrisia com que vivemos durante séculos.

Lamentavelmente, isto é parte desta cultura de 2.500 anos da qual todos estamos tão orgulhosos”, disse Nima, professora de história. Este orgulho está sendo corroído e em qualquer parte da capital que se percorra pode-se ouvir planos para fugir da atual situação. A fuga de cérebros é tamanha que anualmente abandonam o país entre 50 mil e 80 mil cidadãos, e são inúmeras as histórias de sucesso que os jovens tentam imitar.

Entretanto, partir é realmente cada vez mais difícil. Não que o Irã retenha quem deseja emigrar, mas o passaporte iraniano parecer ser um dos menos valorizados sobre a Terra. Para os iranianos é complicado inclusive obter visto de turista, pois muitos países do Ocidente temem que simplesmente fiquem, se for permitida sua entrada.

As rígidas sanções que os Estados Unidos continuam implementando, bem como o embargo da União Europeia ao petróleo do Irã, são outras lembranças dos poucos amigos que os iranianos têm no mundo. “Nunca tive nada de ruim para falar sobre Barack Obama, até que assinou essa lei (do orçamento da defesa que inclui sanções ao Irã). Agora estou realmente enojado dele. Muitas pessoas sentem o mesmo aqui”, disse o pequeno empresário Majid.

Enquanto isso, as autoridades seguem desafiadoras, ignorando o crescente coro de preocupações da população. “As sanções não terão nenhum impacto sobre nossa atividade nuclear, e eles (Ocidente) não conseguirão seus objetivos”, disse o porta-voz da chancelaria iraniana, Ramin Mehmanparast, em sua entrevista coletiva semanal de terça-feira. “Nossa história mostra que as sanções, que são totalmente ilógicas, aceleraram o avanço de nossa nação”, destacou.  Envolverde/IPS