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Crianças do Rio, 20 anos depois

Projeto Multimídia Reframing Rio. Foto: IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 22/6/2012 (TerraViva) – É 1992. O pequeno Vusumzi vive com sua mãe, Mavis, no distrito sul-africano de Thornhill, um dos lugares para onde tiveram que se mudar os negros durante o apartheid, o regime de segregação racial que discriminava a maioria negra e vigorou até dois anos mais tarde. Seu pai acaba de morrer de pneumonia e o trabalho de Mavis, fazendo limpeza, é tudo o que têm para sobreviver.

Doze anos depois do apartheid, na nova África do Sul, cerca de 40 pessoas são assassinadas diariamente em lugares como este. “As pessoas estão bem até que chega o dia do pagamento, que desata a violência”, conta Vusumzi, então com dez anos. “Frequentemente se embebedam e têm o salário roubado. Alguns pobres roubam porque estão muito famintos”, contou. Diante da pergunta de como ele melhoraria as coisas, respondeu que “impediria que os adultos violassem as crianças”.

Vusumzi é uma das crianças que a tve acompanhou desde 1992. Durante 20 anos esta organização britânica sem fins lucrativos filmou as vidas de 11 meninos, nascidos em dez países no momento da Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, para ver se as promessas de um mundo mais limpo, mais sadio, melhor educado e menos perigoso seriam cumpridas ao longo de suas vidas.

O resultado é o documentário Zero Ten Twenty (Zero Dez Vinte), divulgado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no Rio de Janeiro, duas décadas depois daquela Cúpula da Terra. “Agora há uma nova cúpula no Rio e regressamos a cada um desses meninos para descobrir o que aconteceu com eles”, explicou ao TerraViva o diretor Bruno Sorrentino.

A meia hora de carro desde a casa de Vusumzi, Sorrentino encontra outro mundo. Trata-se de uma terra baixa fértil que abriga fazendas pertencentes a brancos. Foi ali que nasceu Justin, em uma época de levantes na província sul-africana de Cabo Oriental. O apartheid acaba de terminar e agricultores brancos, vistos como colonos por movimentos radicais negros, são atacados. O pai de Justin e sua mulher Amanda dormem com um revólver debaixo do colchão, e com o aparelho de rádio para chamar a polícia caso haja problemas.

Quando o apartheid chega ao fim muitas coisas começam a mudar. Por exemplo, mudam as atitudes das pessoas, conta a família de Justin. “As pessoas querem se reunir e fazer o país funcionar, e que a situação política melhore, em lugar de antagonizar entre si”, afirmam. “Trabalham juntos para tentar fazer um lugar melhor”, acrescentam. Quando Justin nasceu, em 1992, apenas as crianças brancas iam à escola. Mas isso pertence ao passado. “Um amigo não tem necessariamente que ter sua cor. Pode ter qualquer uma, desde que seja um verdadeiro amigo, que sempre te ajude e brinque com você. Não me importa a cor da sua pele”, declara.

Vusumzi e Justin cresceram em uma África do Sul marcada por um desenvolvimento díspar, onde a divisão não tinha tanto a ver com a raça, mas com a riqueza. Já na universidade, aos 19 anos, Justin sente que tem o futuro em suas mãos. Ao deixar Queenstown para trás “deixei todas as inseguranças que tinha, todas as coisas de mim mesmo em que não confiava. Agora sinto que me encontrei. Ainda aprendo e cresço, e em termos gerais sei quem sou. E sei onde quero estar. E sei o que preciso fazer para me desenvolver, para crescer. Sou um jovem adulto ambicioso”, resume.

Vusumzi não foi suficientemente feliz para tentar ter uma vida diferente. Quanto tinha 17 anos, sua mãe teve que sair de casa para procurar emprego em outro povoado. Enquanto ela estava longe, ele foi apunhalado por um rapaz bêbado em um ataque na rua. Três anos depois, Mavis está diante do assassino de seu filho. Quer perdoá-lo. “Durante 20 anos acompanhamos as vidas destes 11 meninos nascidos quando pela primeira vez os líderes mundiais se reuniram para prometer um mundo melhor às futuras gerações. Foi uma aventura incrível”, descreveu Sorrentino ao TerraViva.

A educação é o denominador comum nas histórias de todos eles. “Quando comecei não tinha ideia de quais histórias encontraria. Escolhemos os pais, não os bebês. Mas a educação se converteu em um tema realmente forte, ao ser vista como a via universal de saída. Isto não é nada novo, mas é interessante ver o quanto é forte”, observou Sorrentino. O filme, que se divide em três episódios, é parte do projeto multimídia Reframing Rio, e foi apresentado no dia 18 deste mês no Rio de Janeiro. Mais informações sobre o filme podem ser encontradas no site da tve: http://tve.org. Envolverde/IPS