Arquivo

Cooperativas agrícolas confirmam seu fracasso na Tanzânia

agriculturacooperativistatanzania640 (1)
John Daffi em sua propriedade, parte de uma cooperativa que começou em 1963 em Kitete Superior, Tanzânia. As últimas tentativas oficiais de reviver o cooperativismo agrícola fracassaram. Foto: Adam Bemma/IPS

Arusha, Tanzânia, 8/4/2014 – John Daffi sobe até o alto de uma colina que dá para o Vale do Rift e para a floresta de Ngorongoro, onde os animais migram entre a famosa cratera de mesmo nome e o lago de Manyara, na Tanzânia. Ao olhar para baixo, este homem de 59 anos vê as terras de sua família e recorda quando seu pai o trouxe pela primeira vez para esse pitoresco lugar.

“Kitete Superior era uma aldeia agrícola modelo criada pelo governo da Tanzânia. Estando em Arusha, meu pai recebeu um chamado de seu irmão, que estava em Karatu, dizendo-lhe para se candidatar. Nos escolheram como uma das primeiras cem famílias”, contou Daffi à IPS. Em 1962, chegou à Tanzânia o agricultor britânico Antony Ellman, que, entre 1963 e 1966, ajudou a estabelecer a Sociedade Cooperativa de Kitete Superior com 2.630 hectares do distrito de Karatu, norte do país, a cerca de 160 quilômetros de Arusha.

“Era uma época emocionante, pois a Tanzânia acabava de ficar independente e era uma oportunidade real para que os aspirantes a agricultores tivessem acesso a terras grandiosas”, acrescentou Ellman à IPS. O pai de Daffi, Lucas, se mudou com a família da aldeia de Mbulu, na região de Manyara, para Kitete. Os selecionados iniciaram um experimento social e se distinguiram de outras aldeias próximas com o nome de Kitete Superior.

O movimento cooperativo é anterior à independência. O professor Amon Z. Mattee, da Universidade Sokoine de Agricultura da Tanzânia disse à IPS que a prosperidade das cooperativas dos anos 1960 levou o governo a querer expandir seu alcance. “As cooperativas começaram nos anos 1930 com alguns cultivos comerciais como café e algodão, e por muitos anos, até a independência em 1961. Se focavam em seus membros e ofereciam serviços excelentes de pesquisa, extensão, insumo, mercados e inclusive educação para os filhos dos cooperativistas”, explicou.

O presidente e herói da independência do país, Mwalimu (mestre) Julius Nyerere, iniciou o programa de assentamento e trabalho cooperativo com a esperança de que prosperassem. Dezoito meses depois da independência, em 1963, nasceu a Sociedade Cooperativa de Kitete Superior, que continua até hoje. “O solo era tão fértil… Começávamos a cultivar cereais como trigo e cevada. Agora estamos em uma escala muito menor e cultivamos principalmente milho e feijão, nossos alimentos básicos”, pontuou Daffi.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Tanzânia é principalmente um país rural com uma economia de base agrícola que emprega a maior parte da força de trabalho nacional. Há uma grande dependência da agricultura seca, que contribui com 30% do produto interno bruto e 64% da renda com exportações. Seus cultivos tradicionais de exportação são café, castanha de caju, algodão, açúcar, tabaco, chá, sisal e especiarias do arquipélago de Zanzíbar. O milho é o principal cultivo alimentar, junto com o sorgo, milho, arroz, trigo, feijões, mandioca, banana e batata, segundo a FAO.

“Durante os primeiros dez anos, Kikete Superior esteve em crescimento. As pessoas trabalhavam juntas, com entusiasmo, e a vida melhorava para todos. Continuamente melhoravam os rendimentos, construíam-se casas maiores e melhoravam os serviços”, disse Ellman. Em 1974 o sonho acabou, quando Nyerere obrigou os reticentes de áreas rurais e urbanas a se mudarem para as aldeias cooperativistas como Kikete Superior, causando nelas tensão ambiental e organizacional. Naquele momento, sua população disparou de 210 para 1.200 habitantes.

O estudo Um Perfil da Mudança Climática na Bacia do Lago Manyara, Tanzânia, realizado em 2001 pelos acadêmicos Rock Rohde e Thea Hilhorst, examina as tensões agrárias que essas políticas do governo geraram. “Ujamaa (o socialismo de Nyerere) pretendia instalar toda a população rural tanzaniana em aldeias cooperativistas, e o conseguiu com a Operação Vijijini, quando a terra foi redistribuída e vários milhões de camponeses se assentaram em novas e mais compactas aldeias, frequentemente sob coação”, diz o estudo.

Isto “teve um profundo efeito social e econômico, especialmente nas terras altas de Karatu, onde os agricultores comerciais ricos foram privados de suas terras”, acrescenta o trabalho. Desde então, Daffi viu como a terra de Kitete Superior escasseava, parcelada para dar lugar a uma população em crescimento. Essa aldeia, que em 1963 tinha 500 habitantes, conta hoje com quase cinco mil e produz muito menos do que antes, porque tem menos terras. “Cada polegada de terra está cultivada”, ressaltou Daffi.

O professor Mattee investiga as formas de organização dos agricultores na Tanzânia. Segundo ele, as recentes tentativas do governo para reviver as cooperativas, como a Política de Desenvolvimento de Cooperativas de 1997, foram um fracasso. “Desde a década de 1990, o governo tenta reviver o setor cooperativo introduzindo novas políticas, mas as cooperativas já eram demasiadamente fracas, e os agricultores haviam perdido completamente a fé nelas”, observou.

Ellman fala sobre sua fase em Kikete Superior com grande nostalgia. Mas se dá conta de que enfrenta o mesmo problema que todas as cooperativas agrícolas que restam na Tanzânia: falta de unidade e recursos insuficientes para apoiar a população em rápido crescimento. “Estou em contato com muitas pessoas em Kikete Superior e fui visitá-la novamente em 2012. Me pediram para registrar sua história. É difícil. Com uma população tão densa são necessárias formas mais intensivas de uso da terra, e inclusive diversificar a agricultura. Os tanzanianos têm recursos. Eles podem fazê-lo”, enfatizou. Envolverde/IPS