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Conflitos privam as mulheres de serviços médicos na Índia

A crescente violência na Índia em razão de tensões étnicas e pela insurgência armada prejudicam as mulheres e impedem o acesso aos cruciais serviços de saúde reprodutiva. Foto: Stella Paul/IPS
A crescente violência na Índia em razão de tensões étnicas e pela insurgência armada prejudicam as mulheres e impedem o acesso aos cruciais serviços de saúde reprodutiva. Foto: Stella Paul/IPS

 

Bastar, Índia, 1/10/2014 – Desde 2007, Khemwanti Pradhan se dedica a promover serviços públicos de saúde entre as mulheres e as incentiva a dar à luz em hospitais e não em suas casas. Esta mitanin, de 25 anos, está capacitada e credenciada como trabalhadora comunitária da saúde no Estado indiano de Chattisgarh.

Por ironia do destino, Pradhan, que teve seu primeiro filho em 2012, não pôde chegar ao hospital porque, nesse mesmo dia, as forças de segurança do governo invadiram sua aldeia, Nagarbeda, na região de Bastar, em Chattisgarh, considerada um celeiro de insurgentes comunistas. No pânico e no caos que se seguiu à operação, a aldeia ficou isolada e ela precisou se virar sozinha.

“Os homens da segurança buscavam rebeldes maoístas casa por casa. Detiveram muitos jovens. Meu marido e meu cunhado ficaram com medo e fugiram para a selva”, contou Pradhan. Quando começaram as contrações não havia ninguém por perto. “Fervi água e pari sozinha”, acrescentou. Graças à sua capacitação como mitanin, que significa “amiga” na língua local, ela teve um parto tranquilo e seguro.

Mas nem todas têm essa sorte. A crescente violência que existe na Índia pelas tensões étnicas e pela insurgência armada afeta particularmente as mulheres e os cruciais serviços de saúde reprodutiva.

Por exemplo, em junho, Anita Reang, de 22 anos, da tribo bru, começou a perder muito sangue enquanto dava à luz em sua casa. A jovem teve uma hemorragia que causou sua morte, contou sua mãe, Malati, à IPS. Não puderam deixar sua casa no conflitante distrito de Mamit, no Estado de Mizoram, porque estavam rodeadas por vizinhos mizo, hostis aos bru.

Segundo a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), a violência de gênero, as doenças sexualmente transmissíveis, especialmente o vírus HIV, a mortalidade materna e neonatal, bem como a morbidade aumentam em tempos de conflito. Essa situação pode ter enormes consequências na Índia, onde há 31 milhões de mulheres em idade reprodutiva, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

A Índia está longe de cumprir o quinto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) dedicado à melhoria da saúde materna, que inclui a meta de “reduzir em 75% a taxa de mortalidade materna entre 1990 e 2015”. Nesse país, isso significa diminuir para 103 mulheres que morrem durante a gravidez, no parto e pós-parto para cada cem mil nascidos vivos, pois a mortalidade materna se situa em 230 para cem mil nascidos vivos.

Há uma falta de compreensão em escala nacional do impacto dos conflitos sobre a saúde materna, apesar de os especialistas coincidirem que dificulta o acesso aos postos e outras instituições de saúde. O coordenador do MSF no país, Simon Jones, disse à IPS que na Índia “as causas mais comuns de morte neonatal são prematuridade e baixo peso ao nascer, além das infecções neonatais e da asfixia ou trauma durante o parto”.

O governo tem programas de saúde materna e infantil em nível nacional, como os chamados Janani Suraksha Yojana e Janani Shishu Suraksha Karykram, que oferecem atenção médica sem custo, além de medicamentos, suplementos nutricionais e incentivos econômicos para as mulheres parirem nos hospitais estatais.

Mas, segundo Waliullah Ahmed Laskar, defensor da Alta Corte de Guwahati, no Estado de Assam, as mulheres que querem participar do programa do governo devem se deslocar até um centro de saúde, uma tarefa árdua para as que moram em zonas de conflito. No centro e leste da Índia isso representa cerca de 22 milhões de mulheres. Além disso, nas zonas em conflito desconfiam dos trabalhadores da saúde, explicou o defensor. “As mulheres têm medo deles, por acreditarem que são contra elas e que poderão tratá-las mal”, afirmou.

Para Jomila Bibi, muçulmana de 31 anos do distrito de Kokrajhar, em Assam, os temores tinham fundamentos. Sua bebê recém-nascida morreu no final de outubro, quando os médicos pertencentes a um grupo étnico rival se negaram a atendê-la. Bibi fugia dos enfrentamentos entre muçulmanos e bengalis e membros da tribo bodo, em Assam, que deixaram quase meio milhão de refugiados na região.

Daniel Mate, jovem ativista da localidade de Tengnoupal, na atribulada fronteira com a Birmânia, relatou vários casos de mulheres que se negavam a buscar ajuda profissional, apesar de terem várias complicações pós-parto, devido à comprometedora situação da segurança. “Quando existe mais de um grupo armado (como acontece em Tengnoupal e seus arredores, no Estado de Manipur) é difícil saber quem é amigo e quem é inimigo”, afirmou à IPS.

“Vi mulheres recorrendo a remédios caseiros como cataplasma para curar septicemia só por não quererem ir nem com um combatente do exército nem com um rebelde”, explicou Mate, que trabalha para conseguir suprimentos médicos para as aldeias mais afastadas, onde perambulam numerosos homens armados.

A solução, segundo Jones, é melhorar a atenção à saúde materna com serviços que incluam profissionais capazes de praticar cesarianas e transfusões de sangue. Igualmente importante é a sensibilização dos trabalhadores da saúde e do pessoal da segurança, que podem convencer as mulheres a buscar ajuda médica, mesmo em tempos difíceis e contexto complicado.

Outros especialistas sugerem serviços móveis de saúde com parteiras capacitadas para atender as mulheres em áreas remotas e sensíveis. Para o médico Kaushalendra Kukku, que trabalha em um hospital estatal em Bastar, “quando estoura a violência, todos os sistemas colapsam. A melhor forma de minimizar o risco de mortalidade materna nesses contextos é levar o atendimento às mulheres, e não esperar que elas o busquem”.

Pradhan, que continua atuando como trabalhadora de saúde comunitária concorda. “Tive um parto seguro porque estava capacitada. Se outras mulheres tivessem a mesma formação, isso também poderia ajudá-las”, ressaltou. Envolverde/IPS

* Este artigo foi publicado originariamente na edição especial do TerraViva: ICPD@: Acompanhamento e Potencial para Depois de 2015, publicado com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). O conteúdo é autoria independente dos jornalistas da IPS.