Sociedade

Conferência sobre aids chora os mortos e discute retrocessos

As mensagens de condolências em uma rua de Melbourne, na Austrália. Foto: Diana Mendoza/IPS
As mensagens de condolências em uma rua de Melbourne, na Austrália. Foto: Diana Mendoza/IPS

 

Melbourne, Austrália, 28/7/2014 – A 20ª Conferência Internacional sobre Aids foi encerrada, no dia 25, na Austrália, como a primeira em sua história que não só recordou os 39 milhões de mortos pela doença como também as vítimas do voo da Malaysia Airlines derrubado na Ucrânia com seis dos conferencistas a bordo.

Cerca de 12 mil cientistas, pesquisadores e ativistas de 200 países, além de 800 jornalistas, se reuniram na semana passada em Melbourne para analisar os avanços e retrocessos na pesquisa do vírus HIV, causador da aids, e no tratamento para prolongar e melhorar a qualidade de vida das pessoas soropositivas.

A Sociedade Internacional sobre Aids (IAS) e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) indicaram que 35 milhões de pessoas viviam com o vírus em 2013, mas que 19 milhões ignoravam ser soropositivas. No ano, cerca de 2,1 milhões de pessoas se infectaram com o HIV e 1,5 milhão morreram de doenças derivadas da aids.

A boa notícia é que a transmissão do HIV diminuiu no mundo, segundo Michel Sidibé, diretor-executivo da Onusida, e que os medicamentos antirretrovirais, que inibem e reduzem a replicação do vírus, embora não o erradiquem, salvaram a vida de milhões de pessoas. Cerca de 13 milhões recebem a terapia antirretroviral, o que gerou uma queda de 20% nas mortes derivadas da aids entre 2009 e 2012. Em 2005, apenas 1,3 milhão tinham acesso à terapia.

Sidibé destacou que pelo menos 28 milhões de pessoas deveriam receber a terapia. Dados da Onusida indicam que o gasto no tratamento e na prevenção do HIV chega a US$ 19 bilhões ao ano, mas afirmou que deveria chegar, no mínimo, a US$ 22 bilhões em 2015 para ser suficiente. “Fizemos mais nos últimos três anos do que nos 25 anteriores”, assegurou.

Porém, Sidibé alertou que esses avanços enfrentam retrocessos como as leis que penalizam a conduta homossexual, o consumo de drogas intravenosas e o trabalho sexual, e deu como exemplo a Rússia e vários países africanos. Ativistas e especialistas afirmam que essas políticas fomentam a expansão do HIV porque levam homossexuais, usuários de drogas injetáveis e trabalhadores sexuais a se ocultarem e não recorrer aos serviços de prevenção.

“Não ficaremos de braços cruzados quando os governos, violando todos os princípios dos direitos humanos, aplicam leis monstruosas que só marginalizam as populações que já são as mais vulneráveis da sociedade”, afirmou Françoise Barre-Sinoussi, presidente da IAS e da conferência de Melbourne, além de coganhadora do Prêmio Nobel de Medicina em 2008 pela descoberta do vírus causador da aids.

A declaração final da conferência pede tolerância e aceitação das populações objeto dessa ofensiva homofóbica e exorta os governos a revogarem as leis repressivas e cessar as políticas que reforçam a discriminação e a estigmatização, já que aumentam a vulnerabilidade ao HIV. Os organizadores da conferência recordaram que mais de 80 países penalizam a homossexualidade, alguns com prisão perpétua e até com pena de morte.

Embora as infecções pelo HIV tenham diminuído no mundo em geral, alguns países vão em sentido contrário. Sharon Lewin, especialista australiana em doenças infecciosas que copresidiu a conferência com Barre-Sinoussi, disse que Paquistão, Indonésia e Filipinas experimentaram epidemias nas populações vulneráveis que causaram “alta preocupação” em 2013. Os homens que mantêm relações sexuais com outros homens (HSH), os trabalhadores e trabalhadoras sexuais, os usuários de drogas e as pessoas transgêneros são as populações de maior risco nesses três países, explicou.

A África subsaariana tem a maior população com HIV, com 24,7 milhões de adultos e crianças, seguida de Ásia e Pacífico com 4,8 milhões de pessoas. Calcula-se que na região houve 350 mil novas infecções em 2013, acrescentou Lewin, afirmando ainda que Tailândia e Camboja também são motivo de preocupação, além de Paquistão, Indonésia e Filipinas. Na Índia se mantêm taxas alarmantes, com 51% de todas as mortes derivadas da aids na Ásia. As infecções por HIV na Indonésia cresceram 48% desde 2005.

Mas a Onusida prevê que a aids não existirá além do ano 2030. Sidibé apresentou a “iniciativa 90-90-90” cujo objetivo é a redução em 90% das novas infecções, da estigmatização e discriminação, e das mortes derivadas da aids. “Nossa meta é conseguir que a epidemia esteja sob controle para que deixe de representar uma ameaça para a saúde pública de uma população ou um país. Ninguém deve ficar excluído”, destacou Sidibé.

Na conferência de Melbourne também se falou de soluções esperançosas apresentadas por empresas farmacêuticas, como dispositivos portáteis de exames da carga viral do HIV, e novas estratégias de apoio que inclui melhor capacitação dos conselheiros.

A Organização Mundial da Saúde divulgou pautas relativas à prevenção, ao diagnóstico, tratamento e atenção ao HIV para ajudar o pessoal e as autoridades sanitárias a desenvolverem políticas que aumentem o acesso aos exames clínicos e ao tratamento e à redução das infecções em cinco populações vulneráveis: homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas injetáveis, trabalhadores sexuais, pessoas transgênero e pessoas privadas da liberdade, que constituem 50% de todas as novas infecções por ano. Envolverde/IPS