Sociedade

Cólera revela problemas de desenvolvimento no norte de Camarões

Lara Adama cava um poço em busca de água no leito seco de um rio em Dumai, norte de Camarões. A seca já dura nove meses na região, que sofre recorrentes focos de cólera. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS
Lara Adama cava um poço em busca de água no leito seco de um rio em Dumai, norte de Camarões. A seca já dura nove meses na região, que sofre recorrentes focos de cólera. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS

 

Dumai/Iaundé, Camarões, 28/8/2014 – Sob um sol abrasador, com temperaturas que chegam a 40 graus centígrados, a família de Lara Adama não tem outra opção a não ser cavar poços em busca de água no leito seco de um rio em Dumai, norte de Camarões. O rio costumava correr até o lago Chade, mas agora não tem muita água, porque a seca já dura nove meses na região.

“Dependemos desta água para tudo em casa”, contou Adama à IPS. Ela vive em Mokolo, na região de Extremo-Norte, onde foi declarado um foco de cólera. Mas ela e outros membros de sua comunidade não têm opção a não ser recorrer ao rio para se abastecer. O único poço da aldeia, de 1.500 habitantes, tem falhas técnicas e não funciona.

“As famílias vêm aqui buscar água. Nossos animais também dependem dessa fonte para subsistir. Quando chegamos depois que os animais contaminaram o poço, simplesmente cavamos outro para evitar problemas de saúde”, explicou Adama. A região está ameaçada pela extrema escassez de água e pela variabilidade climática. Os solos estéreis ocupam entre 25% e 30% da superfície de Extremo-Norte. O lago Chade diminui rapidamente, enquanto o lago Fianga está seco desde dezembro de 1984.

Gregor Binkert, diretor do Banco Mundial em Camarões, disse à IPS que há uma importante crise relacionada com a falta de água no norte e uma crescente necessidade de proteger a população das inundações e das secas que sofrem com maior frequência. “O norte de Camarões se caracteriza por grandes níveis de pobreza e também por uma vulnerabilidade aos desastres naturais e ao impacto de variabilidades climáticas, como inundações e secas frequentes”, detalhou.

As secas prolongadas na região de Extremo-Norte propiciaram um forte aumento dos casos de cólera. O foco se concentra principalmente na zona de Mayo-Tsanaga, cujos seis distritos registraram pessoas com esta enfermidade infecciosa. O foco já causou a morte de mais de 200 pessoas dos 1.500 casos registrados desde junho.

Segundo o ministro da Saúde Pública, Andre Mama Fouda, “as más condições de saneamento e o limitado acesso a água potável são as principais causas dos recorrentes focos de cólera no Extremo-Norte. A maioria dos casos ocorre em crianças menores de cinco anos e em mulheres”.

“O cólera na região não é só um problema de escassez de água, mas se agrava pela falta de práticas de higiene. A água é escassa e considerada um bem apreciado, mas não há um manejo higiênico”, explicou Félicité Tchibindat, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Camarões. As pessoas costumam compartilhar publicamente copos de água onde todos bebem.

“Essa e muitas outras práticas deixam as pessoas em uma situação vulnerável às doenças transmitidas por um vetor. Por isso o cólera se propaga para outras comunidades. Os focos da enfermidade são consequência do mau fornecimento de água e saneamento, da falta de segurança alimentar e das más práticas de higiene”, destacou Tchibindat à IPS.

Também é comum defecar ao ar livre. Segundo o Atlas Global de Infecções de Helminth, entre 50% e 75% da população rural do Extremo-Norte defeca ao ar livre, enquanto em zonas urbanas o fazem entre 25% e 50%.

O acesso a água potável e saneamento é muito limitado. Duas em cada três pessoas não têm saneamento nem condições de higiene adequadas, enquanto apenas 40% da população tem acesso a água potável nas cidades e muito menos nas zonas rurais. No campo, aproximadamente 18% das pessoas têm acesso a fontes melhoradas de água potável, que ficam, em média, a 30 minutos de caminhada.

Água potável, saneamento e boa saúde (Wash, em inglês) são vitais para o desenvolvimento, mas a região Extremo-Norte tem condições muito limitadas de infraestrutura, ao que se somam os problemas de segurança pela ameaça que representa o grupo extremista Boko Haram. É uma região muito pobre, apontou Tchibindat. E o problema da segurança nos países vizinhos não ajuda Camarões a oferecer serviços médicos na região.

Entre os desafios que o Unicef enfrenta estão a má coordenação de Wash em todos os níveis e a falta de liderança institucional em matéria de saneamento. A descentralização do setor Wash significa que não há um apoio adequado, além de uma distribuição desigual dos recursos humanos nas regiões.

“O governo e muitos sócios ofereceram perfurações em diferentes comunidades e a região tem mais de mil poços de água atualmente”, declarou Parfait Ndeme, do Ministério de Mineração, Recursos Hídricos e Energia. Mas cerca de 30% não funcionam e necessitam de reparos, segundo o Unicef.

“O custo de levar água potável para a região do Sahel é quase três vezes maior do que no sul. A distância é um fator importante, além do clima árido que dificulta o acesso à água subterrânea”, explicou Ndeme. Um poço de água nessa região custa pelo menos oito milhões de francos (US$ 16.300), muito mais do que os dois milhões de francos (U$ 4 mil) em outras regiões.

A falta de infraestrutura básica e de equipamentos nos centros de saúde dificulta a área de atenção em Camarões e faz com que muitos profissionais abandonem as zonas rurais, afirmou Tchibindat. Do pessoal de saúde, 59,75% se concentra nas regiões mais ricas: Centro, Litoral e Noroeste, onde atendem 42,14% dos 21 milhões de habitantes do país.

“A falta de equipamentos nos hospitais atrasa em duas horas o início do tratamento, o que aumenta a probabilidade de propagação da doença”, pontuou à IPS o especialista Peter Tambe, em Maroua, capital de Extremo-Norte. “Muitos casos de cólera surgiram em aldeias isoladas e os esforços do governo e de seus sócios não bastam para atender e controlar a prevalência da doença”, acrescentou.

Desde que foi detectado o atual foco, governo, Unicef e outros sócios duplicaram seus serviços para fortalecer os centros de saúde e oferecer à população assistência em matéria de higiene básica, tabletes para deixar a água potável e atendimento gratuito aos pacientes na fronteira com o Chade e a Nigéria, independente de sua nacionalidade.

“Apesar dos problemas de segurança na região, o governo e seus sócios trocam informações com Níger, Chade e Nigéria para evitar mais casos transfronteiriços”, enfatizou Fouda à IPS.

Desde 2010 foram declarados três focos de cólera na região Extremo-Norte:

* Naquele ano o foco da doença se propagou para oito das 20 regiões de Camarões. Morreram 657 pessoas, 87% delas de Extremo-Norte;

* Em 2011, foram registrados 17.121 possíveis casos em Camarões, 636 dos quais foram fatais. Novamente, a maioria dos mortos procedia de Extremo-Norte;

* O último caso de cólera em Extremo-Norte foi registrado em 26 de abril, quando uma família nigeriana cruzou a fronteira para Camarões para receber tratamento. A vizinha Nigéria registrou 24.683 casos da doença entre janeiro e a primeira semana de julho.

Situação dos centros de saúde em camarões, segundo a Organização Mundial da Saúde:

* 30,9% não têm laboratórios para exames médicos;

* 83% não têm salas para intervenções cirúrgicas menores;

* 45,7% não têm eletricidade;

* 70% não têm água corrente.

Envolverde/IPS