Arquivo

Cientistas dos Estados Unidos disparam o alarme sobre a mudança climática

Soldados da Guarda Nacional erguem uma barreira para proteger um gerador elétrico das inundações em Hills, Iowa, no dia 14 de junho de 2008. Foto: Guarda Nacional/cc by 2.0
Soldados da Guarda Nacional erguem uma barreira para proteger um gerador elétrico das inundações em Hills, Iowa, no dia 14 de junho de 2008. Foto: Guarda Nacional/cc by 2.0

 

Washington, Estados Unidos, 21/3/2014 – Em uma incomum intervenção nos debates públicos, a Associação Norte-Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) alertou que a humanidade corre o risco de causar “mudanças abruptas, imprevisíveis e potencialmente irreversíveis” no sistema climático, “com impactos altamente danosos”.

“As pesquisas mostram que muitos norte-americanos ainda acreditam que a mudança climática é um tema de significativo desacordo científico”, diz a entidade em um informe divulgado no dia 18. “Portanto, é importante e cada vez mais urgente que o público saiba que existe um alto grau de acordo entre os cientistas de que a mudança causada pelo homem é real”, acrescenta o documento.

“Aproximadamente 97%” dos cientistas climáticos concluíram que o aquecimento global é causado por atividades humanas e já está ocorrendo, assinala o estudo, claramente escrito para uma ampla audiência. O documento diz que, “embora o público seja cada vez mais consciente de que a mudança climática eleva a probabilidade de desastres locais, muitos ainda não entendem que há uma pequena, mas real, chance de mudanças abruptas, imprevisíveis e com impactos potencialmente irreversíveis e altamente danosos para as populações dos Estados Unidos e do mundo”.

O estudo também inclui vídeos para explicar o fenômeno, e utiliza comparações de fácil entendimento sobre o grau de consenso científico em torno das causas humanas do aquecimento global, bem como de seus efeitos e suas implicações. Por exemplo, assinala que “o conhecimento científico que vincula as atividades humanas com a mudança climática é análogo ao que relaciona o ato de fumar com as doenças pulmonares e cardiovasculares”.

O texto destaca que a maioria dos norte-americanos hoje reconhece esse vínculo, e até certo grau mudaram seu comportamento. O informe é divulgado quando o governo do presidente Barack Obama tenta reduzir as emissões de gases-estufa, responsáveis pelo aquecimento global, e estimular o investimento e o desenvolvimento de fontes de energias renováveis.

Uma sólida oposição de legisladores do Partido Republicano impediu que importantes iniciativas contra a mudança climática se convertessem em lei, sobretudo desde 2010, quando essa força política obteve a maioria na Câmara de Representantes.

Pesquisa da consultoria Gallup, divulgada também no dia 18, mostra que 57% dos adultos norte-americanos estão convencidos de que o aquecimento global tem causas humanas, enquanto 40% disseram acreditar que se deve a fatores naturais. O número dos que identificam uma responsabilidade humana no fenômeno aumentou em relação a 201 0 (quando eram 50%), mas continua sendo menor do que o de 2007 (61%).

O informe, elaborado por um painel de 13 cientistas de importantes universidades norte-americanas, esclarece que não se propõe a explicar “o motivo de ter ocorrido essa desconexão entre o conhecimento científico e a percepção pública”.

Mas a maioria dos analistas que estudaram o assunto responsabiliza a poderosa indústria dos combustíveis fósseis que, como fez a do tabaco durante a última parte do século 20, financiou estudos, campanhas publicitárias e na mídia para plantar dúvidas sobre a metodologia e as descobertas da grande maioria da comunidade científica.

Na semana passada, 28 senadores do governante Partido Democrata realizaram um debate no Senado sobre a mudança climática, em um esforço para destacar o consenso científico que existe sobre suas consequências potencialmente catastróficas se não se agir para detê-la ou revertê-la. Apesar desses esforços, o público em geral não considera que o aquecimento seja um tema de grande relevância em suas vidas, segundo a Gallup, que divulgou uma série de pesquisas sobre o assunto na última semana.

Quando se pediu aos entrevistados para escolherem entre 15 assuntos os que mais os preocupava, a mudança climática ficou em 14º lugar, pouco acima das relações entre raças. Apenas 24% dos entrevistados disseram dar “muita” importância ao tema, contra 59% que se mostraram mais preocupados pela economia (que ficou em primeiro lugar), 39% que mencionaram a possibilidade de um ataque terrorista e 37% que apontaram a disponibilidade e o acesso a fontes de energia.

Não surpreende que a mesma pesquisa tenha encontrado uma brecha de opinião entre os simpatizantes dos dois principais partidos do país. Apenas 10% dos que se identificaram como republicanos disseram estar preocupados com a mudança climática. Enquanto 36% dos democratas responderam que se trata de uma grande preocupação, embora entre eles o fenômeno tenha ficado em 11º lugar entre suas preocupações.

A Gallup identificou uma brecha similar quando lhes perguntou quais eram as causas do aquecimento: quase quatro em cada cinco democratas (79%) disseram que eram humanas, enquanto apenas quatro em cada dez republicanos (41%) responderam o mesmo.

Os autores do informe esclarecem que não consideram seu dever “dizer às pessoas em que se deveria ou se deve acreditar sobre a crescente ameaça da mudança climática”. E acrescentaram: “mas consideramos que é nossa responsabilidade como profissionais garantirmos o melhor que pudermos que as pessoas entendam o que sabemos”. Também alertaram que “não apreciar o consenso científico reduz o apoio a uma reação da sociedade frente aos desafios e riscos que supõe” o fenômeno.

Os cientistas insistem que o aquecimento “já está ocorrendo”, e citam como exemplo os eventos extremos que açoitam os Estados Unidos ultimamente, como a elevação das temperaturas, as secas, o aumento do nível do mar e as inundações.

Como analogia de fácil compreensão para o grande público, os cientistas comparam a forma como os “gases-estufa sobrecarregam o clima” com a maneira como “os esteroides sobrecarregam os batedores na liga principal de beisebol”. Também afirmam que assim como um aumento de apenas 0,8 grau (a média que a temperatura mundial aumentou desde o final do século 19) “seria significativo no corpo de uma criança”, também é para o planeta Terra.

Os cientistas enfatizam que essas mudanças não têm precedentes na história, e garantem que sofrerão acelerações. “A taxa projetada de mudanças na temperatura para este século é maior do que em qualquer outro período de aquecimento global nos últimos 65 milhões de anos”, diz o informe.

Entre os impactos alertados se destaca uma drástica redução do gelo no Ártico, o derretimento de grande parte da Groenlândia e da Antártida, a acidificação dos oceanos, as migrações de plantas e animais para os polos, a aceleração da extinção de espécies, o aumento do nível do mar e a frequência e intensidade dos novos eventos meteorológicos extremos.

Embora todos esses fenômenos estejam previstos para as próximas décadas, o informe também cita os piores cenários – ou “riscos extremos”, como se diz no mundo financeiro – que são possíveis, quando não prováveis, em um futuro mais próximo. Por exemplo, ondas de calor extremo que hoje acorrem a cada 20 anos poderiam passar a serem anuais. O aumento do nível do mar poderia chegar aos dois metros até 2100, devido ao incremento das tempestades que causariam inundações mais graves do que as da “supertempestade” Sandy, em 2012.

Uma mudança abrupta do clima pode causar a morte imediata de ecossistemas inteiros ou retroalimentar ciclos que intensificariam ou acelerariam tendências destrutivas, alerta o informe. Os cientistas comparam a situação atual com a crise financeira de 2008, quando apenas poucos especialistas reconheceram os riscos dos mercados hipotecários devido à falta de precedentes. Como nas bolhas financeiras, “as coisas parecem estáveis, mas surpreendentemente já não são”, afirmam. Envolverde/IPS