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Chave climática está na agricultura de conservação

Impostos sobre a importação de fertilizantes não podem ser maiores do que os de hortaliças e alimentos importados, afirma Friedrich. Foto: Ana María Navarro/IPS

 

Havana, Cuba, 20/2/2013 – A agricultura de conservação é uma resposta à mudança climática que se encaixa muito bem com as necessidades caribenhas: aumenta a capacidade de captar água e de suportar secas e excessos de chuva, afirma o especialista Theodor Friedrich, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em Cuba.

No Caribe insular é necessário desenvolver e promover técnicas que possam dar resposta à necessidade de cultivar alimentos apesar das ameaças da mudança climática. “Não vejo motivo para essas ilhas não poderem produzir o suficiente para seu próprio consumo”, afirmou Friedrich em entrevista à IPS. “Temos que produzir mais com menos, e a agricultura de conservação é a base da estratégia recomendada pela FAO”, destacou.

IPS: Quais desafios a mudança climática impõe para a segurança alimentar na região caribenha, especialmente a insular?

Theodor Friedrich: O impacto que já se sente é uma variabilidade maior do tempo. Os eventos meteorológicos se tornam mais extremos. As épocas secas ou as chuvosas são mais acentuadas e os furacões, que passam com frequência e regularidade pela região, são mais fortes e menos previsíveis em intensidade e impacto. Estas condições, obviamente, têm impacto na agricultura, um setor produtivo lento e que exige certa estabilidade ambiental. Muitas das ilhas caribenhas são montanhosas e o manejo errado da terra, a erosão e os furacões provocam desastres naturais que afetam não apenas as áreas rurais, mas toda a população.

IPS: Diria que a carência de uma agricultura sustentável aumenta a vulnerabilidade?

TF: Esses são problemas estruturais da economia em muitos destes países, que vão além da mudança climática. Embora em Cuba, devido ao embarco econômico norte-americano, exista uma situação adicional. No geral, os problemas das outras ilhas são quase iguais. Não há produção nacional de insumos nem de materiais para trabalhar a agricultura. Sai mais barato para os países importar os produtos agrícolas de uma só vez do que produzir com base em insumos como fertilizantes e máquinas, que também devem importar. Também pode ser que a política tenha um papel mais importante nestes assuntos.

IPS: Como obter frutos da terra em meio a fatores climáticos adversos?

TF: Teoricamente, em todos os terrenos é possível, se colocarmos em prática uma agricultura adequada, que respeite o meio ambiente e considere as ameaças da mudança climática. Hoje em dia este tipo de agricultura existe. Não vejo motivo para estas ilhas não produzirem o suficiente para consumo próprio. As capacidades existem e exigem um apoio político que incentive e crie condições adequadas para o setor produtivo. Nisso influi também a política fiscal e tributária. Muitas vezes há impostos sobre a importação de fertilizantes e máquinas maiores do que os tributos para compras externas de hortaliças e produtos alimentícios, o que não tem sentido se a intenção é melhorar a produção local.

IPS: É necessário que a mudança climática e as variabilidades meteorológicas sejam levadas em conta nos planos de desenvolvimento?

TF: Sim, definitivamente. Falta uma visão política e instrumentos políticos, mas também tecnologias. Este é um dos temas nos quais a FAO entra muito fortemente: desenvolver e promover técnicas que deem resposta à necessidade de produzir, apesar das ameaças da mudança climática e também nas condições específicas do Caribe insular, onde muitas áreas agrícolas se degradam pela chuva e a erosão.

IPS: Quais procedimentos são mais recomendáveis nestes casos?

TF: Um tema no qual trabalhei muito é a agricultura sem remoção do solo, sem arar, que responde à necessidade de melhorar as condições econômicas do agricultor, poupando custos em combustíveis ou no número de bois. Também se adapta à mudança climática, porque ao não remover a terra esta aumenta a capacidade de captar água, de suportar secas com menos problemas para os cultivos. Além de absorver um excesso de água em casos de furacões, por exemplo.

IPS: Que tecnologia é esta?

TF: Chama-se agricultura de conservação. Se baseia em três fundamentos: um é não trabalhar o solo, o segundo é manejar uma cobertura permanente com mato e restos vegetais, e o terceiro é diversificar a semeadura, em rotação, em frequência e também em associações de cultivos. A chave é não trabalhar mecanicamente o solo, pois o que se necessita é uma ferramenta que abra um buraco ou um sulco para colocar a semente na terra e fechar. Nada mais. Um terreno trabalhado dessa forma pode facilmente absorver mais de cem milímetros de chuva por hora. Não há razão para inundações em tempo de furacões, porque essa água passa para áreas subterrâneas e permanece muito mais tempo na terra.

IPS: A FAO recomenda esta forma de cultivar para áreas pequenas ou também é válida na agricultura extensiva?

TF: É uma mudança do sistema agrícola geral. Pode-se aplicar em extensões grandes ou pequenas e em países de climas diversos. Começou no sul do Brasil e em países como Canadá e Austrália. Ali os agricultores, por situações como erosão eólica e de água, ou pela seca, foram forçados a adotar este tipo de agricultura. Cerca de 10% da agricultura mundial está sob este sistema. Entretanto, no Caribe é praticamente desconhecido. Temos de produzir mais com menos e a agricultura de conservação é a base dessa estratégia recomendada pela FAO. Esta forma de cultivar ajuda a mitigar a mudança climática porque capta carbono no solo e reduz emissões de metano, quando a aplicamos, por exemplo, ao arroz.

IPS: A FAO tem planos especiais para o Haiti? O que recomenda?

TF: Como este tipo de agricultura podemos dar resposta à situação do Haiti, que é o maior exemplo de problemas de degradação e mau manejo dos sistemas de irrigação. Trataremos de impulsionar junto à agricultura de conservação o que aqui em Cuba se conhece como Sistemas de Intensificação do Cultivo de Arroz, e que em inglês se chama Systems of Rice Intensification. Nesta técnica não se inunda o cultivo, evita-se o lodo, planta-se o arroz em grão individual em uma distância muito folgada e se transplanta do viveiro após oito a 15 dias em plantas muito pequenas, antes das quatro folhas. Há uma significativa economia de semente e água. Os rendimentos podem facilmente passar das dez toneladas por hectare. Essas são respostas muito aceitáveis para situações como a do Haiti. Vamos ver se podemos iniciar alguma mudança, algum tipo de desenvolvimento agrícola nesse país, e passar para um manejo diferente. Envolverde/IPS