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Bulgária não é país para refugiados sírios

Posto fronteiriço entre Turquia e Bulgária. Foto: Graneits, CC 2.0
Posto fronteiriço entre Turquia e Bulgária. Foto: Graneits, CC 2.0

 

Varsóvia, Polônia, 16/5/2010 – Desde novembro do ano passado, a Bulgária praticamente fechou suas fronteiras aos solicitantes de asilo da Síria e para demais imigrantes que tentam entrar nesse país vindos da Turquia, ao que parece de acordo com as instituições da União Europeia (UE). Diante do grande aumento das demandas por asilo, 11 mil em 2013 contra, em média, mil nos anos anteriores, a Bulgária implantou no último outono boreal um plano “para gerir a crise derivada da pressão migratória”.

O programa inclui a construção de um obstáculo de 33 quilômetros de extensão na fronteira com a Turquia e a incorporação de 1.500 agentes ao contingente policial que patrulha a fronteira com esse país. Aparentemente, o plano funcionou. Este ano, apenas pouco mais de cem solicitantes de asilo conseguiram entrar na Bulgária a cada mês, enquanto, quando começou sua implantação, as autoridades chegaram a impedir a entrada de até cem por dia, segundo o Ministério do Interior.

O secretário-geral do Ministério, Svetozar Lazarov, informou em abril que 2.367 pessoas foram impedidas de cruzar a fronteira desde o começo de 2014. A afluência do ano passado, que assustou as autoridades búlgaras, ocorreu no contexto do endurecimento das fronteiras da Grécia e do consequente deslocamento para o norte das rotas migratórias procedentes da Turquia por via terrestre. Mais da metade dos que pediram asilo na Bulgária em 2013 procediam da Síria.

Atualmente, mais de dois milhões de sírios buscam proteção fora de suas fronteiras, metade deles crianças. A Turquia abriga neste momento mais de 700 mil cidadãos desse país em guerra há três anos. Em 29 do mês passado, a organização Human Rights Watch (HRW) divulgou um informe que documenta como, no contexto da aplicação do plano búlgaro, se envia de volta, sumariamente, as pessoas que cruzam a fronteira da Turquia para a Bulgária, sem lhes dar oportunidade de apresentarem os pedidos de asilo e às vezes são vítimas de abusos dos agentes fronteiriços.

A evidência das expulsões vem de 177 entrevistas que a HRW fez com migrantes na Bulgária, Turquia e Síria, nas quais foram reconstruídos 44 casos de devoluções sumárias envolvendo 519 pessoas. “A partir da situação nos países de origem da maioria dos que cruzam a fronteira de forma irregular – Síria e Afeganistão – é razoável crer que muitos buscam proteção. Mas as pessoas entrevistadas que foram rechaçadas na fronteira, ou dentro do território búlgaro, não tiveram a oportunidade de apresentar os pedidos de asilo no momento de sua detenção”, afirmou à IPS o diretor do programa de refugiados da HRW, Bill Frelick.

“A HRW acredita que o governo búlgaro, desde 6 de novembro de 2013, empreende uma prática sistemática para evitar que os solicitantes de asilo ilegais cruzem para a Bulgária para apresentar um pedido de proteção internacional”, diz o informe. Essa organização, com sede em Nova York, assegura que essa estratégia por parte do governo búlgaro viola o princípio de não devolução, pelo qual não se pode expulsar pessoas para lugares onde suas vidas e liberdades possam ser ameaçadas, incluindo a Convenção de Refugiados, vigente desde 1951 e ratificada pela Bulgária.

O princípio também faz parte de normas da União Europeia que Sofia está obrigada a cumprir, como a diretriz de retorno, o código de fronteiras de Schengen e a Carta de Direitos Fundamentais. “As expulsões da fronteira documentadas nesse informe não seguem nenhum procedimento adequado e mantêm a suposição negativa de que os que cruzam a fronteira de forma irregular não buscam asilo, quando se deveria supor, pelos menos no tocante às pessoas que fogem da Síria e do Afeganistão”, diz o documento.

O estudo recebeu fortes críticas na Bulgária, inclusive dos diretores da Agência Estatal para os Refugiados e da Cruz Vermelha Búlgara, um dos órgãos não governamentais que trabalham mais perto com as autoridades, embora ambos reconheçam que não leram a análise do HRW. As vozes críticas afirmam que a situação dos migrantes melhorou desde o ano passado, algo que o informe menciona, mas nenhuma se refere à acusação principal: de que a Bulgária praticou um plano de devolução sistemática.

O ministro do Interior, Tsvetlin Yovchev, a figura principal por trás do plano, negou que a polícia tenha sido violenta com os migrantes que entram no país. Argumentou que a presença constante nas zonas de fronteiras de especialistas da Frontex, a agência de gestão das fronteiras da UE, garante a correta conduta policial. O Ministério tende a inflar o número dos agentes europeus no país. Segundo a Frontex, apenas 40 a 50 de seus funcionários estiveram presentes na Bulgária de forma simultânea desde 2011.

Nessa tônica, essa declaração informou que “em 2013 foram feitas três operações conjuntas nas fronteiras externas da Bulgária, que também são externas para a União Europeia, com um número total de 216 especialistas e 30 tradutores da Frontex”. Quando a IPS perguntou à Frontex sobre sua participação no plano aplicado pelos búlgaros, sua porta-voz, Ewa Moncure, respondeu que a agência europeia é um órgão operacional que se limita a implantar a vigilância de fronteiras e atividades de segunda linha (como entrevistas com os migrantes) acordadas com Sofia.

Qualquer medida que o governo búlgaro tenha tomado desde novembro, embora a Frontex tenha participado de sua execução, é responsabilidade principal de Sofia, acrescentou Moncure. A porta-voz afirmou que o órgão que representa investiga as denúncias recebidas sobre violações dos direitos humanos, mas que não recebera nenhuma na Bulgária referente às citadas pelo informe da HRW.

Em novembro, o Defensor do Povo europeu rechaçou “a visão da Frontex de que as infrações dos direitos humanos são responsabilidade exclusiva dos Estados membros em questão”. Como exemplo mencionou o envio de guardas de fronteira da UE à Grécia, onde os imigrantes eram mantidos em centros de detenção em condições inaceitáveis.

Pelo fato de a devolução contrariar sua legislação, organizações de direitos humanos disseram que a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, poderia iniciar procedimentos de infração contra Sofia, que podem concluir com medidas legais junto ao Tribunal Europeu de Justiça e em sanções. Mas até o momento não houve passos decisivos nessa direção.

Michele Cercone, porta-voz de Assuntos Internos da Comissão Europeia, disse que esta “segue de perto a situação do asilo na Bulgária e está em contato habitual com as autoridades búlgaras”, em resposta a uma pergunta da IPS sobre as conclusões do informe da HRW. E acrescentou que foi enviada uma “carta-piloto” à Bulgária com um pedido de informação. Com base nela, a Comissão Europeia decidirá as próximas medidas. Mas não supõe o início de um procedimento de infração, o que exige uma “carta de aviso formal”, que só é enviada se a Comissão não concordar com o desempenho das autoridades búlgaras.

As três mil pessoas que cruzaram a fronteira da Bulgária em outubro de 2013 em comparação com 99 em janeiro de 2014 são “dados que falam por si só”, afirmou Ana Fontal, do Conselho Europeu para os Refugiados e o Exílio, uma aliança pan-europeia de 82 organizações defensoras dos direitos dos imigrantes.

“A Comissão Europeia deve examinar sem demora as práticas fronteiriças na fronteira turco/búlgara para investigar possíveis violações às disposições pertinentes da legislação da UE sobre asilo e migração, e a possibilidade de iniciar um procedimento de infração se a Bulgária não adotar medidas para remediar os descumprimentos identificados”, destacou Fontal à IPS. “Outros países da União Europeia não devem devolver os solicitantes de asilo à Bulgária até que as condições ali melhorem e as autoridades cumpram o direito internacional e o da UE”, enfatizou. Envolverde/IPS