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Brics formaliza instrumentos de democratização financeira

Os cinco governantes do Brics posam sorridentes durante a Sexta Cúpula anual do grupo em Fortaleza. Foto: Agência Brasil/EBC
Os cinco governantes do Brics posam sorridentes durante a Sexta Cúpula anual do grupo em Fortaleza. Foto: Agência Brasil/EBC

 

Fortaleza, Brasil, 17/7/2014 – A aliança do grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) foi consolidada no dia 15, com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Acordo de Reservas de Contingência (ARC), durante sua Sexta Cúpula, o que institucionaliza uma nova arquitetura financeira das potências emergentes. Outros dois acordos, um de Cooperação Técnica entre Agências de Crédito e Garantias às Exportações, e outro de Cooperação em Inovação dos Bancos Nacionais de Desenvolvimento, completaram a estrutura estabelecida pelos cinco mandatários na cidade brasileira de Fortaleza, no Estado do Ceará.

A cúpula do Brics terminou ontem com um encontro entres os cinco mandatários e os da União Sul-Americana (Unasul), em Brasília, onde também aconteceram diversos encontros bilaterais. Não se está criando o NBD e o ARC “contra ninguém”, mas como “resposta às nossas dificuldades”, afirmou a presidente Dilma Rousseff, em entrevista coletiva após reunião com Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Xi Jinping (China) e Jacob Zuma (África do Sul).

Os governantes do Brics se esmeram em rechaçar interpretações de que os novos mecanismos nascem como contraposição ou alternativas ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a arquitetura criada pelos acordos de Bretton Woods, na década de 1940. O NBD complementará as atuais instituições financeiras multilaterais e regionais, cuja insuficiência de recursos dificulta o financiamento dos projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento, segundo a declaração final da Cúpula, assinada pelos chefes de governo e de Estado participantes.

O ARC, um mecanismo em que os cinco países colocam à disposição um total de US$ 100 bilhões de suas reservas, soma recursos para a segurança financeira dos sócios, sem se afastar do FMI, conforme destacado durante o encontro. Se um dos Brics quiser retirar mais de 30% da quantia a que tem direito, para enfrentar ameaças à sua balança de pagamentos, terá que se submeter a uma consulta ao FMI sobre suas condições de pagamento, informou o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega.

Brasil, Rússia e Índia poderão sacar o equivalente às suas contribuições, de US$ 18 bilhões cada um, enquanto a África do Sul terá direito ao dobro dos US$ 5 bilhões que comprometerá no mecanismo e a China somente metade de seus US$ 41 bilhões. As novas instituições “consolidam” a aliança dos Brics, comemorou Mantega, destacando que, antes de entrarem em operação, deverão ser ratificadas pelos parlamentos nacionais.

O banco e o fundo de reserva nascem vacinados contra ambições hegemônicas, afirmou Dilma Rousseff. O NBD terá participação igualitária, que inicialmente será de US$ 10 bilhões por país, e idêntico poder de voto. A quantidade duplicará posteriormente. Além disso, as presidências do banco e de seus conselhos de governadores e de administração serão rotativas.

No ARC, a China entrará com 41% dos fundos, mas as decisões exigirão maiorias mais amplas, chegando até ao consenso, na medida em que aumentam os empréstimos negociados, explicou Mantega. Mas, como a sede do NBD será na cidade chinesa de Xangai, é difícil evitar que o poder econômico e monetário da potência asiática não se traduza em maior peso de Pequim nas decisões.

A composição do NBD evita desigualdades no início, mas a participação igualitária é formal, “na prática a tendência futura é de maior influência da China”, segundo Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central do Brasil e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas. Para ser eficaz, o banco terá que multiplicar seu capital inicial de US$ 50 bilhões, captando novos recursos para operar financiamentos, e nisso, assim com nas crises, intervém o “papel dominante” do país que oferece mais capital e garantias, acrescentou.

Além disso, a China está interessada em diversificar seus investimentos, tanto em instituições multilaterais e regionais quanto de forma bilateral. Já é nos últimos anos o maior investidor na América Latina. Já está presente em vários mecanismos financeiros regionais, como a Iniciativa Chiang Mai, um mecanismo dos países da Associação de Nações do Sudeste Asiático com semelhanças com o ARC, e procura criar o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura, como alternativa ao Banco de Desenvolvimento da Ásia, com decisiva influência do Japão.

Apesar de tudo, Langoni acredita que o Brics, com o ARC apoiado em “megaeconomias” com suas enormes reservas de divisas, poderá no longo prazo “crescer mais rapidamente e ter maior peso do que o FMI, que já enfrenta dificuldades em suas captações por causa de suas regras”. Mas, ressaltou, o FMI ainda se manterá como o organismo financeiro multilateral mais poderoso na próxima década.

O fortalecimento do Brics corresponde ao mundo multipolar, reunindo potências militares, como Rússia e China, nucleares como esses dois mais a Índia, e os “moderados” sem ambições militares como Brasil e África do Sul. Avanços na aliança poderão reduzir tensões fronteiriças, como a existente entre China e Índia, ou entre Rússia e ocidente, afirmou Langoni.

A seu ver, o que uniu o grupo foi a “frustração pela ação dos órgãos multilaterais, especialmente do FMI”, diante das crises financeiras. São instituições muito complexas, constituídas por numerosos países. Para Langoni, os países do Brics podem operar mais facilmente com instrumentos financeiros próprios, que também atendam aos seus requerimentos urgentes de investimentos em infraestrutura, principalmente Brasil e Índia.

O Brics “encontrou sua identidade” ao atuar no Grupo dos 20 (G20) países industriais e emergentes, em defesa de estímulos ao crescimento, e não de austeridade recessiva, após a crise financeira global iniciada em 2008, recordou Mantega. Depois passaram a reclamar, também, a reforma do FMI, que encabeçou a resposta às crises. Algumas reformas para que os países emergentes tivessem maior participação nas decisões do Fundo foram aprovadas no G20, mas paralisadas porque não foram ratificadas pelo Congresso norte-americano.

O FMI é considerado um organismo pouco democrático, porque os Estados Unidos mantêm ali o poder de veto e alguns países do Norte industrial têm maioria de votos, em contradição com a correlação atual de forças econômicas e o peso das potências emergentes. A ausência de reformas “impacta negativamente na legitimidade, credibilidade e eficácia do FMI”, tornando necessário “modernizar sua estrutura de governança, para refletir melhor o peso crescente das economias emergentes de mercado e países em desenvolvimento”, diz a Declaração de Fortaleza, assinada pelos cinco mandatários do Brics.

Inclusão social tem voz indiana

A Índia, impulsionadora do Novo Banco de Desenvolvimento e que designará seu primeiro presidente, foi a voz das preocupações sociais na Sexta Cúpula do Brics. Seu primeiro-ministro, Narendra Modi, afirmou em Fortaleza que o combate à pobreza deve ser o foco principal do grupo, especialmente mediante a construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que traçarão a agenda humana depois de 2015.

A segurança alimentar é outro tema que Modi designou como prioritário, assim como os empresários indianos que participaram, no dia 14, do Fórum Empresarial do Brics. Esse é um assunto muito sensível na Índia, com centenas de milhões de pessoas em situação de pobreza, em sua maioria em zonas rurais e dedicadas à agricultura de subsistência.

O Brics não deve ser uma instituição centralizada, de cúpula, mas sim dar atenção ao âmbito local das pessoas, envolver a juventude, afirmou Modi em seu discurso na Cúpula. Também sugeriu a criação de um Fórum de Jovens Cientistas e uma universidade do Brics, com uso de internet e intenso intercâmbio entre estudantes dos cinco países.

A peculiaridade do Brics, segundo Modi, é que “pela primeira vez” um grupo de nações se agrupa com base em suas potencialidades, em seu futuro, e não no presente. “O olhar está mais adiante”, acrescentou, produz novas perspectivas e mudanças nas instituições para um mundo mais estável, superando os conflitos e as turbulências econômicas atuais.

Crescimento Inclusivo: Soluções Sustentáveis foi o tema da Cúpula. O presidente da China, Xi Jinping, destacou que seu país, principal sócio comercial de 128 países, defende uma cooperação de “ganhar-ganhar”, como força de uma melhor governança econômica mundial.

A África necessita de muito fomento para um crescimento “inclusivo e dinâmico” com urgência, ressaltou Jacob Zuma, presidente da África do Sul, enquanto seu colega russo, Vladimir Putin, propôs ao Brics criar uma Associação de Energia, com um banco de reserva de combustíveis que garanta a segurança energética de seus membros. Envolverde/IPS