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Brasil perto da paralisia às vésperas do Mundial da Fifa

Professores e funcionários da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em uma mobilização durante a greve que mantêm desde março. Natal, capital do Estado, é uma das 12 sedes da Copa do Mundo da Fifa. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
Professores e funcionários da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em uma mobilização durante a greve que mantêm desde março. Natal, capital do Estado, é uma das 12 sedes da Copa do Mundo da Fifa. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 26/5/2014 – Na medida em que a abertura da Copa do Mundo da Fifa se aproxima, no Brasil as ruas esquentam com greves e manifestações que fazem pensar que a agitação social pode aumentar até os níveis da onda de protestos de junho de 2013. Funcionários públicos e alguns privados vêm paralisando seus trabalhos por vários dias ou decretaram greves indefinidas, com um ritmo crescente e o pano de fundo de 12 de junho, data da abertura do mundial.

Em São Paulo, no dia 23, aconteceu o terceiro dia de greve no transporte público, que durante a jornada se estendeu para outras cidades do país e 11 municípios da região metropolitana da capital paulista. No dia 21, cerca de oito mil policiais fizeram uma marcha até a esplanada dos ministérios em Brasília, em um protesto apoiado pela Polícia Federal e pela Polícia Militar. Nas 12 cidades que serão sede do mundial estão programados mais de 15 protestos para o dia do primeiro jogo da Copa.

Os sindicatos aproveitam que as atenções estarão voltadas para o Brasil a fim de pressionar o governo com suas reivindicações. Inclusive, se somaram funcionários de consulados do Brasil nos continentes americano e europeu, responsáveis por expedir os vistos para quem desejar assistir os jogos do Mundial.

Pessoal do setor de transporte aéreo e em particular do grupo Latam Airlines (fusão das companhias Tam, do Brasil, e Lan, do Chile) ameaçam não trabalhar ou fazer operação tartaruga, o que afetaria as operações aéreas nesse país de quase 200 milhões de habitantes. Professores de 90% das universidades federais e estaduais e professores de escolas primárias dos Estados e Municípios já pararam, enquanto no setor cultural muitas fundações públicas e museus fecharam suas portas.

“Não está descartada uma greve geral”, admitiu à IPS o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sergio Ronaldo da Silva. “Tudo isso não acontece por conta da Copa. Há tempos discutimos sobre realizar uma greve. Nossa demanda é extracopa e se arrasta há anos”, assegurou. Se a situação não mudar, o Brasil sofrerá uma paralisia durante o Mundial, admitiu o dirigente sindical, após indicar que as autoridades envolvidas não apresentam datas para as negociações.

Assim, na medida em que se aproxima a abertura do torneio as relações podem ficar ainda mais tensas, apontou Silva. “Esse cenário já teria que estar previsto pelo governo federal. Querem mostrar a imagem de que o Brasil é um país de primeiro mundo, mas nosso sistema de saúde está perto da falência, por falta de assistência adequada, e o mesmo acontece na educação e no transporte público”, criticou o sindicalista.

No Brasil há 1,3 milhão de funcionários federais e a Confederação dos Trabalhadores representa cerca de 80% do total. Segundo Silva, “no dia 30 de maio vamos discutir uma greve geral em nossa confederação. A mensagem já foi dada desde os protestos de junho do ano passado”. No final de 2013, o governo assinou com diversos sindicatos mais de 140 acordos trabalhistas, que estabelecem compromissos como aumento salarial de 15,8%, em três cotas anuais.

Mas na época a taxa de inflação prevista era muito inferior ao nível atual, de 26% interanual, reclamam os sindicatos. “Dos acordos assinados, 70% não são cumpridos”, destacou Silva. Segundo a Condsef, outro problema que afeta o setor público é o êxodo de funcionários. Em 2011, durante o último concurso, entraram cerca de 240 mil funcionários, e quase a metade já deixou seus postos.

Desde fevereiro de 2012 os legisladores discutem no Congresso várias propostas para estabelecer barreiras para as greves durante a Copa.

Atualmente, tramita no Senado o projeto de lei 728/2011 que propõe limitar as greves antes e durante o Mundial. Segundo a proposta, os sindicatos que convocarem uma paralisação deverão avisar com 15 dias de antecipação e manter em atividade 70% dos trabalhadores. O projeto do governo para pôr controles nas manifestações públicas, greves e atividades trabalhistas reinvidicatórias estão no Congresso desde fevereiro, mas duvida-se que seja aprovado nos próximos dias.

Para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, as reivindicações não podem gerar transtornos à população, danos econômicos e nem violência social. “Os policiais que servem à Constituição sabem que a greve está proibida por decisões do Supremo Tribunal Federal. Podemos utilizar a Força Nacional de Segurança e as Forças Armadas para garantir a lei e a ordem”, tranquilizou Cardozo.

Além disso, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, afirmou, no dia 13, que sua previsão para o Mundial é de um clima de festa e celebração. Para ele, os protestos violentos serão muito isolados. “Manifestações, caso ocorram, serão atos isolados. Creio que o país está preparado porque a legislação nacional protege as manifestações pacíficas e freia as violentas. Penso que estamos preparados, que a segurança pública vai funcionar. A integridade dos visitantes e convidados estará assegurada. Não há risco”, destacou.

Entretanto, Pedro Trengrouse, integrante do Instituto dos Advogados do Brasil e especialista em direito esportivo, alertou que há um clima de frustração, muito diferente do entusiasmo com que em 2009 foi recebido o anúncio de que o Brasil seria sede do Mundial. “A expectativa exagerada que o governo gerou na população não foi correspondida. Prometeu muito e entregou pouco. O panorama mudou e os protestos são reflexo dessas mudanças”, pontuou à IPS.

Quando o país foi escolhido para receber o Mundial, os protestos não estavam na cabeça de ninguém, recordou o advogado, porque, na época, 80% da população apoiava a iniciativa, segundo as pesquisas. Atualmente, porém, 55% dos entrevistados apontam que provavelmente a Copa trará mais problemas do que benefícios ao país.

Durante 2008 e 2009, Trengrouse trabalhou como consultor das Nações Unidas a serviço do governo brasileiro para assuntos legislativos vinculados ao esporte, especialmente os da Copa. Para o advogado, o governo associou o Mundial com as grandes transformações estruturais que o Brasil necessitava, mas que precisavam ser feitas com ou sem o megaevento esportivo.

Dentro de dois anos o Rio de Janeiro também será sede dos Jogos Olímpicos de verão. “É preciso encontrar um ponto de equilíbrio. O direito à greve é inalienável do trabalhador para lutar por melhores condições. Mas as greves não podem prejudicar a população. Há oportunismos em alguns setores. Não se pode aceitar que os protestos derivem em delitos, vandalismo e atos fascistas”, ressaltou Trengrouse. Envolverde/IPS