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Bolívia põe em órbita a área rural com satélite próprio

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El Palomar, uma localidade rural, a 40 quilômetros de La Paz, na Bolívia. Foto: Gustav Cappaert/IPS

 

El Palomar, Bolívia, 27/6/2014 – María Eugenia Calle, funcionária da comunidade agrícola de El Palomar, na Bolívia, só teve acesso à internet há pouco tempo. Mas agora tudo será diferente porque sua localidade contará com um dos cerca de 1,5 mil centros de telecomunicações rurais, que funcionarão a partir deste ano no país. O telecentro de El Palomar, a 40 quilômetros de La Paz, será atendido como os demais pelo Túpac Katari 1, o satélite que este país lançou, desde a China, no final de 2013.

O presidente Evo Morales afirma que o satélite permitirá que a totalidade dos 10,6 milhões de habitantes deste vasto país tenha acesso a internet, telefonia celular, programas de educação à distância e mais de cem canais de televisão. No futuro centro de telecomunicações de El Palomar, Calle e um pequeno grupo de curiosos observavam como um jornalista ligava um computador para testar o sinal. “Vá aos Estados Unidos. Nos mostre a Casa Branca. Procure pela Toyota, pelo Real Madrid”, sugeriam.

A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina e também é um dos menos conectados à internet. Apenas 7,4% de seus habitantes têm acesso à rede mundial de computadores em suas casas, de longe a menor quantidade do continente. A Bolívia não tem saída para o mar, por isso os cabos submarinos de fibra ótica não chegam ao país, e seus habitantes se conformam com uma das conexões de menor velocidade e mais caras do mundo. Assim, as esperanças postas no satélite são altas.

“É um sonho, verdade?”, perguntou Calle, de 40 anos e secretária de educação em El Palomar. “Estou feliz por meus filhos poderem se comunicar com os Estados Unidos, outros países, ou aqui na Bolívia com La Paz, Cochabamba”, acrescentou. Com modestas rendas anuais e com uma densidade pouco acima de nove habitantes por quilômetro quadrado, a Bolívia é um caso raro entre os 45 países que têm um satélite de comunicações próprio, já que em geral estes são ricos, densamente povoados ou ambos.

Porém, um número crescente de países em desenvolvimento está fazendo o investimento. Nos próximos dois anos Angola, Nicarágua, República Democrática do Congo, Turcomenistão e Sri Lanka lançarão satélites próprios.

Cartaz publicitário do satélite Túpac Katari, na cidade boliviana de Cochabamba. Foto: Gustav Cappaert/IPS
Cartaz publicitário do satélite Túpac Katari, na cidade boliviana de Cochabamba. Foto: Gustav Cappaert/IPS

 

O meio rural apresenta obstáculos à expansão da internet. O custo da instalação e manutenção dos equipamentos e da capacitação do pessoal encarregado da nova tecnologia é mais alto quanto maior é a distância das cidades, explicou Francisco Proenza, estudioso das tecnologias da informação e professor de ciência política na Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona.

Enquanto o uso de telefone celular aumentou espetacularmente, a internet está atrasada. No Peru rural, por exemplo, 62% das famílias têm um telefone móvel, mas apenas 7% dos habitantes fazem uso da internet. Na Bolívia, a Constituição de 2009 garante acesso a serviços básicos como água, eletricidade e telecomunicações. Além do satélite, o governo abriu mais de 30 telecentros rurais e ofereceu incentivos às empresas de telecomunicações para construírem infraestrutura nas zonas rurais.

Segundo Iván Zambrana, diretor da Agência Boliviana Espacial, um satélite nacional é a forma mais rentável de proporcionar o acesso ao diversificado meio rural boliviano, que inclui montanhas, floresta tropical e deserto. É também uma via para proteger a infraestrutura de comunicações dos fatores políticos que possam limitar esse acesso, como faz o embargo dos Estados Unidos contra Cuba.

O Ministério das Comunicações não poupou esforços para promover o satélite mediante anúncio na televisão, campanha nas redes sociais e por meio de um aplicativo para dispositivos móveis com sistema Android. Nos meses anteriores e posteriores ao lançamento do satélite, nas principais zonas urbanas havia cartazes nos quais se podia ler “Túpac Kataria, sua estrela” e “Comunicação descolonizada”.

“Quando pensamos na Bolívia, não pensamos em tecnologia, e sim na pobreza rural, mas o país mudou”, afirmou Robert Albro, antropologista da American University de Washington, nos Estados Unidos. Apesar da propaganda, os críticos do satélite argumentam que as prioridades da Bolívia estão alteradas, sobretudo com as alternativas disponíveis.

Numerosos países, inclusive o vizinho Peru, ampliaram o acesso do meio rural às comunicações mediante a subvenção de satélites existentes. As empresas Google e Facebook estão considerando o uso de uma frota de aviões não tripulados – drones – que proporcionariam conectividade à internet em todo o mundo.

Até agora a Bolívia investia US$ 10 milhões por ano para pagar pelo uso de satélite a empresas estrangeiras. Para o financiamento do Túpac Katari o país obteve empréstimo de US$ 300 milhões do Banco de Desenvolvimento da China, que, segundo o governo, será amortizado em 15 anos com a renda proporcionada pelo uso do satélite.

“Me deixa desconcertada que países como a Bolívia coloquem em órbita seus próprios satélites”, afirmou Heather Hudson, professora de política pública da Universidade do Alasca. Para ela, a cobertura por satélite existente incluiria a demanda rural. “É como há 20 ou 25 anos, quando outros países aderiram à onda de contar cm sua própria linha aérea”, acrescentou.

“Nossa prioridade é melhorar as condições de nutrição, da água e do ambiente”, afirmou Isidro Paz Nina, secretário de coordenação nacional do Movimento Sem Medo, um partido que busca vencer o presidente Morales nas eleições de novembro. “O satélite não é ruim, mas preferimos que as pessoas não precisem se preocupar pela falta de alimentos”, acrescentou.

Os atrasos e a falta de comunicação também geraram frustração. “O governo dizia que com o Túpac Katari os telefones celulares, a televisão, os canais e tudo ia melhorar. Mas, até agora, não vi isso. Espero estar enganado”, disse Víctor Canabini Quispe, de 51 anos, em El Palomar. A inauguração formal do telecentro local foi adiada pelos atrasos na formação do pessoal e divergências sobre quem pagará a cerimônia.

Mas se o satélite prosperar poderá ter grande impacto na vida rural da Bolívia. O projeto será uma “janela para o mundo” para as crianças das zonas rurais, segundo Zambrana. Muitas delas vivem em climas de alta montanha e nunca viram uma árvore em sua vida, mas poderão vê-las nas imagens via satélite. Em cinco anos a Bolívia “será mais moderna e melhor conectada, com cidadãos mais educados. Seremos um pouco mais ricos, ou um pouco menos pobres”, acrescentou. Envolverde/IPS