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Birmânia decide enfrentar a mudança climática

O corte comercial e a extração de lenha para uso doméstico aceleraram o desmatamento na Birmânia nas últimas décadas. Foto: Amantha Perera/IPS
O corte comercial e a extração de lenha para uso doméstico aceleraram o desmatamento na Birmânia nas últimas décadas. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Rangun, Birmânia, 23/5/2014 – Enquanto a Birmânia esteve bastante isolada do resto do mundo, entre 2008 e 2013, sofreu grandes perdas por causas naturais, uma situação que permaneceu praticamente desconhecida fora de suas fronteiras. Nesses cinco anos, esse país de 60 milhões de habitantes sofreu pelo menos oito desastres naturais que mataram mais de 141 mil pessoas e afetaram outros 3,2 milhões.

O ciclone Nargis, em maio de 2008, é o maior responsável, pois deixou mais de 130 mil mortos e mais 2,4 milhões de vítimas. Esse país é vulnerável aos eventos climáticos como muitos de seus vizinhos. Mas o Grupo de Trabalho para a Redução de Riscos de Desastres de Myanmar (nome oficial da Birmânia) diz em uma extensa análise sobre sua preparação para enfrentar desastres que os riscos aumentaram porque as autoridades não tomaram medidas contra as consequências da mudança climática.

A localização desse país em 167º lugar, entre 176 estudados pelo Instituto para a Adaptação Global, “é tanto um reflexo da exposição da Birmânia à mudança climática como de sua baixa capacidade para gerir os riscos climáticos”, destaca o informe. A falta de preparação tem um custo terrível. O mesmo documento afirma que 2,6 milhões de pessoas vivem em áreas propensas a sofrer desastres naturais, desde ciclones no sul até terremotos no norte.

Desde que assumiu o governo o reformista Thein Sein, em maio de 2011, existe a vontade de instrumentar medidas que permitam ao país enfrentar os desafios da mudança climática. “Penso que o governo leva a sério a questão de tomar medidas a esse respeito, sabem como é importante”, disse à IPS a coordenadora de redução de desastres do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) na Birmânia, Helena Mazarro.

Em junho de 2013, o governo divulgou a nova Lei sobre Gestão de Desastres e criou o Comitê Nacional de Trabalho para a Preparação de Desastres Naturais, vinculado ao Escritório do Presidente. Também se trabalha na redação de um novo código que regule a construção para garantir que o atual auge do setor não afete os padrões na matéria nem coloque mais gente em risco.

No dia 1º de abril, foi estabelecida a proibição total da exportação de madeira sem processar como forma de controlar o desmatamento. “A preparação diante de desastres melhorou claramente desde o ciclone Nargis. Em meados de 2013, a Birmânia estava em condições significativamente melhores para responder ao ciclone Mahasen que se aproximava”, disse Maciej Peczkowski, gerente de programa da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

O Mahasen causou menos danos materiais, mas deixou 200 mortos, e mais de 120 mil pessoas foram evacuadas da região de Rakhine antes que a tempestade causasse estragos. Pieczkowski disse que depois do ciclone o governo realizou uma avaliação do grau de preparação para enfrentar eventos climáticos extremos.

Apesar da nova lei de gestão de desastres, ainda é preciso racionalizar a coordenação entre o governo e as diferentes organizações não governamentais. As agências internacionais costumam ordenar o trabalho por áreas temáticas, como abrigos de emergência, água ou saneamento, mas as autoridades nacionais não têm esse enfoque estruturado, explicou Mazarro, do Ocha.

O responsável por coordenar a assistência é o Ministério de Bem-Estar, Alívio e Reassentamento. “Tentamos melhorar a coordenação e as leis de gestão de desastres. É um trabalho em curso”, diz um comunicado dessa pasta. Jaiganesh Murugesan, especialista em risco de desastres da UN-Habitat, apontou à IPS que a preparação em escala nacional melhorou, mas que as zonas rurais estão ficando atrasadas. “Deve-se focar na redução de riscos no longo prazo, enquanto a preparação é essencial para o trabalho imediato”, explicou.

Peeranan Towashiraporn, diretor do Centro de Preparação de Desastres da Ásia, assegurou à IPS que a falta de recursos é uma das principais preocupações devido à grande quantidade de áreas vulneráveis que esse país possui. “As diferentes regiões geográficas da Birmânia correm diferentes riscos. A região do Delta, como já vimos com o Nargis, pode sofrer o impacto de um ciclone e das inundações costeiras. O Estado de Rakhine, no oeste, está exposto a ciclones, ao transbordamento fluvial, à elevação do nível do mar e aos terremotos. E na planície central, ao longo do rio Irawadi, pode haver, além de inundações, terremotos”, acrescentou.

Towashiraporn ressaltou que o novo código da construção, que leva em conta a ameaça de terremotos e tempestades, deverá ser implantado com rigor para que seja efetivo. A Birmânia ainda goza de uma das selvas mais intatas do sudeste da Ásia, mas o grau de desmatamento é alarmante. Essa vegetação cobre quase metade do país, mas pode estar perdendo cerca de 466 mil hectares por ano, ou mais, segundo a iniciativa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Entre 1990 e 2005, a selva diminuiu 18%. Muitos especialistas afirmam que o desmatamento foi acelerado pelo corte comercial e pela extração de lenha para uso doméstico. A proibição da exportação de madeira desde abril pretende, em parte, controlar o corte ilegal. Nos 12 meses anteriores à sua entrada em vigor, a renda deixada pela venda ao exterior desse produto passou de US$ 1 bilhão, acima da média anual de US$ 600 milhões e US$ 800 milhões, segundo a Associação de Comerciantes de Madeira da Birmânia.

Kevin Woods, autor do estudo Timber Trade Flows and Actors in Myanmar: The Political Economy of Myanmar’s Timber Trade (Atores e Fluxo Comercial da Madeira em Myanmar: a Economia Política do Comércio Madeireiro), afirmou à IPS que o governo tem um discurso adequado, mas precisa melhorar a implantação. “O governo também prevê reduzir drasticamente a cota para cortar madeira. Até onde sei, nada foi implementado, mas existe uma maior vontade política a respeito”, ressaltou. Envolverde/IPS