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As baleias encontram boa companhia

Trabalhadores começam a desmembrar uma baleia de nadadeira em Hvalfjordur, a cerca de 45 quilômetros ao norte de Reikjavik. Foto: Lowana Veal/IPS
Trabalhadores começam a desmembrar uma baleia de nadadeira em Hvalfjordur, a cerca de 45 quilômetros ao norte de Reikjavik. Foto: Lowana Veal/IPS

 

Reykjavik, Islândia, 16/4/2014 – “Sabe quem capturou seus mariscos?”. Cartazes com esta frase começaram a aparecer em ônibus, trens e outros meios de transportes na cidade norte-americana de Boston. São parte de uma campanha organizada pela coalizão de organizações ambientalistas dos Estados Unidos Whales Need Us (As Baleias Precisam de Nós), destinada a chamar atenção para os vínculos entre os baleeiros islandeses e os produtos do mar vendidos no mercado norte-americano. O cartaz inclui a foto de uma baleia e o nome do site onde os interessados podem obter mais informações.

As organizações ambientalistas decidiram se concentrar em Boston porque o lançamento da campanha em meados de março coincidiu com a abertura da Exposição Norte-Americana de Produtos do Mar, no Centro de Convenções da cidade. Ativistas fizeram um protesto diante do estande da HB Grandi, uma das maiores companhias pesqueiras da Islândia, pedindo aos presentes para não fazerem negócios com a empresa devido aos seus vínculos com a caça de baleias. A exposição é o maior encontro comercial na América do Norte sobre produtos do mar.

Os ativistas também exortaram os consumidores a exigirem dos restaurantes e comerciantes locais comprovantes de que os produtos marítimos que oferecem não estão relacionados com a indústria baleeira islandesa. “A campanha fez contato com varejistas, atacadistas e a indústria alimentícia em todos os Estados Unidos para informar-lhes que os consumidores não querem comprar produtos do mar dos baleeiros, e pedindo sua ajuda”, disse Susan Millward, diretora-executiva da Animal Welfare Institute, uma das organizações por trás da campanha.

No dia 18 de março, último dia da exposição – que durou três dias – a companhia canadense-norte-americana High Liner Foods (HLF) anunciou que suspenderia o comércio com a HB Grandi devido às suas ligações com a indústria baleeira. A empresa mantinha contatos com a firma islandesa desde outubro de 2013. Desde que terminou a exposição, as firmas norte-americanas Trade Joe’s e Whole Foods Market romperam relações com a Legacy Seafoods, outra companhia que importava grande quantidade de produtos do mar da HB Grandi.

A HLF assegurou que não tinha nenhum contrato em curso com a HB Grandi e que se comprometera a não assinar um novo acordo até comprovar que a firma islandesa não esteja vinculada com a caça de baleias. “Ainda que a política da HLF seja rígida em não negociar com fornecedores diretamente envolvidos na caça de baleias, não se aplica a indivíduos ou donos de ações da HB Grandi. Não temos forma de controle sobre a propriedade pública ou anônima de empresas na base de fornecedores da HLF”, declarou à IPS Elvar Einarsson, da Divisão de Compras da companhia.

No final de 2011, a HLF adquiriu as operações nos Estados Unidos e na Ásia do Icelandic Group, com o qual também assinou um acordo que lhe permite usar a marca Icelandic Seafood (produto do mar islandês) na América do Norte até 2018. “Para a HLF, a comercialização e venda de produtos do mar da Islândia sob a marca Icelandic Seafood é uma parte importante de nosso negócio”, pontuou Einarsson. “Não haverá mudanças nas aquisições que a HLF faz de seus fornecedores islandeses, e esperamos que as circunstâncias da HG Grandi mudem para que possam se converter em fornecedores da HLF novamente”, acrescentou.

Em setembro do ano passado, Kristjan Loftsson, da companhia baleeira Hvalur, aumentou as ações de sua família na HB Grandi, passando de 10,2% para 14,9%. No site da HB Grandi, Loftsson aparece como presidente da junta diretora. No começo houve preocupação pelas repercussões que isso poderia causar. O site sobre pesca Undercurrent citou “um ator da indústria islandesa” dizendo: “A Hvalur é a única companhia baleeira da Islândia, e suas atividades são cada vez mais polêmicas. Obviamente, é perigoso para uma companhia que vende pescado selvagem ter proprietários estreitamente ligados à caça de baleias”.

O diretor-executivo da HB Grandi, Vilhjalmur Vilhjalmsson, afirmou em um curto comunicado à imprensa que “concordamos com a política do governo sobre a utilização de recursos naturais sensíveis, e nada temos a ver com as operações que os acionistas individuais decidem ou não praticar”. Millward esclareceu que sua intenção não é afetar toda a indústria pesqueira da Islândia. “A campanha de modo algum procura atacar a economia da Islândia, mas está dirigida apenas àquelas companhias vinculadas com a baleeira Hvalur”, afirmou.

Em 2011, o presidente Barack Obama adotou sanções diplomáticas contra a Islândia como parte de Emenda Pelly. A coalizão Whales Need Us voltou a apelar para esse recurso. A emenda autoriza o presidente norte-americano a adotar sanções comerciais contra um país que não respeite acordos de conservação como os da Comissão Baleeira Internacional (CBI), que proíbem a caça comercial de baleias.

“A campanha também exorta o público a contatar Obama e pedir-lhe que adote ações contra empresas islandesas relacionadas com a caça de baleias, invocando a Emenda Pelly”, destacou Millward à IPS. Trata-se de “uma ferramenta promulgada pelo Congresso dos Estados Unidos como forma de obrigar ao cumprimento dos tratados internacionais de conservação”, acrescentou. Até certo grau, essa política funcionou. Obama disse que invocaria a Emenda Pelly para pressionar a Islândia. Mas, uma vez mais, essas medidas parecem ser mais diplomáticas do que efetivas sanções comerciais.

Coincidentemente, o parlamentar social-democrata islandês Sigridur Ingibjorg Ingadottir apresentou uma proposta para investigar as repercussões econômicas e comerciais da caça de baleias em seu país. “A investigação levará em conta tanto as baleias minke quanto as de nadadeiras. Estamos preparados para sacrificar mais por menos, quando há uma crescente oposição à caça de baleias e a Islândia captura mais baleias do que o considerado sustentável pela CBI?”, questionou.

A CBI calcula que a captura anual de baleias de nadadeira no Atlântico norte não deve superar 46 animais, mas a Islândia tem uma cota fixa de 154. Enquanto isso, Lotfsson e outros empregados da Hvalur parecem estar cada vez mais sensíveis às críticas, e retiraram seus telefones na companhia do guia telefônico cibernético islandês Ja.is. Envolverde/IPS