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Aumentam os sequestros de meninas e adolescentes cristãs no Egito

Centenas de meninas e adolescentes cristãs desaparecem misteriosamente no Egito. Foto: Cam McGrath/IPS

 

Cairo, Egito, 18/4/2013 – Quando desaparece uma menina cristã na cidade portuária egípcia de Alexandria, a família da vítima costuma chamar determinado xeque muçulmano da vizinha localidade de El Ameriya. O líder local salafista, cuja posição ultraconservadora aprova o casamento de meninas inclusive de nove anos, tem antecedentes de sequestrar menores de famílias cristãs coptas, obrigá-las a se converterem ao Islã e casá-las com muçulmanos, segundo denúncias de ativistas pelos direitos humanos.

Naturalmente, é por aí que começa qualquer investigação sobre o desaparecimento de meninas cristãs, e, segundo os ativistas, é onde são encontradas. “Quando desaparece uma menina na área, todos os caminhos levam a esse xeque”, contou Mamduh Najla, presidente da Organização de Direitos Humanos Al Kalema.

O último caso de repercussão foi o de uma menina de 13 anos, em um povoado vizinho de Alexandria, que, aparentemente, ficou sequestrada por mais de uma semana enquanto seus captores tentavam fazer com que renunciasse à sua religião. Segundo seu testemunho, foi sequestrada em um táxi à saída da escola e lhe deram algo para adormecer. Acordou em uma casa escondida com dois xeques salafistas e uma mulher mais velha.

Seus captores a obrigaram a vestir um niqab, tradicional vestimenta islâmica que cobre a mulher dos pés à cabeça, e bateram na menina por negar-se a se converter ao Islã. Segundo contou, foi solta nove dias depois, quando os xeques ficaram nervosos porque a família organizou grandes manifestações pedindo sua volta.

Os salafistas a entregaram à polícia, que, temendo que a declaração da menina avivasse tensões sectárias, tentou convencê-la a dizer que havia ido por vontade própria em busca de um xeque que a convertesse ao Islã. “A única coisa estranha neste caso é que a menina foi devolvida”, observou Najla. “Em um caso que investiguei, a menor sequestrada pôde telefonar para seus pais, mas em todos os outros nunca se soube mais nada” da vítima, acrescentou.

Organizações cristãs denunciam que os sequestros e as conversões forçadas de meninas coptas ocorrem há décadas diante dos narizes das autoridades. Mas a frequência destes casos aumentou em proporções alarmantes desde 2011, quando foi derrubado o presidente Hosni Mubarak (1981-2011), que foi sucedido por Mohammad Morsi, de tendência islâmica.

Mais de 500 meninas cristãs foram raptadas nos últimos dois anos, segundo a Associação de Vítimas de Sequestros e Desaparecimentos Forçados, que possui um registro dos casos. Cada vez há mais e envolvem adolescentes de 13 a 17 anos. O diretor da organização, Abram Luis, disse que as adolescentes são levadas para casas “seguras”, onde acabam manipuladas ou chantageadas para se converterem ao Islã e são obrigadas a se casar com homens muçulmanos, em geral como segunda esposa. “Se denunciamos à polícia onde está a menina, eles informam os salafistas, que a levam para outra casa e a perdemos de vista”, disse Luis em uma entrevista.

“O Egito tem leis que protegem as menores de 18 anos, mas os salafistas não as aceitam”, disse Amal Abdel Hadi, diretora da Fundação Nova Mulher. “Para eles, uma menina é menor até sua primeira menstruação”, afirmou. Porém, os líderes salafistas negam de forma categórica sua participação nos sequestros de adolescentes cristãs ou em conversões forçadas. Alegam que as meninas se convertem ao Islã por vontade própria, em alguns casos apaixonadas por homens muçulmanos.

O investigador de temas sobre direitos religiosos, Ishaak Ibrahim, da Iniciativa Egípcia pelos Direitos Pessoais, observou que as relações interconfessionais e as conversões são um assunto perigosamente provocativo neste país. Boatos desse tipo levam a enfrentamentos sectários. Muitos supostos sequestros envolvem adolescentes cristãs que parecem ter se convertido ao Islã para fugir das más relações familiares ou após terem mantido relações sexuais antes do casamento – o que é severamente condenado na conservadora cultura egípcia – com homens muçulmanos.

“As jovens parecem ter mudado de religião”, apontou Ibrahim à IPS. “Mas, por vergonha e como a polícia não investiga, a família escolhe a solução mais fácil, que é dizer que foi sequestrada por extremistas muçulmanos”, explicou. Os casos representam um problema somente quando se trata de uma menor de idade, explicou Ibrahim, pois a legislação egípcia penaliza o casamento das menores de 18 anos, ainda que casem por vontade própria. Mas Najla, que representa famílias de 20 meninas coptas desaparecidas, disse que há claros sinais de que as jovens foram pressionadas a mudar de religião e se casarem.

Em referência a um conhecido caso, Najla afirma não fazer sentido uma adolescente cristã de 15 anos decidir repentinamente se converter ao Islã e ser a segunda esposa, sem nenhum direito legal, de um xeque salafista com mais de 40 anos. A jovem nunca falou nem escreveu aos seus pais desde seu desaparecimento, um comportamento incomum em um país onde os laços familiares são fortes. “No Egito é crime casar com uma menor de idade, e não se pode mudar legalmente de religião até os 18 anos, mas as autoridades se negam a investigar estes casos e a prender os responsáveis”, ressaltou.

Ibrahim defendeu o direito de as pessoas mudarem de religião a qualquer momento, mas disse que as autoridades também têm a responsabilidade de garantir que as mulheres, especialmente as menores de idade, estejam protegidas da coerção e da exploração. “A família deveria poder se reunir com sua filha para que ela explicasse o que quer na presença de um representante legal”, afirmou. Envolverde/IPS