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Atendimento hospitalar gratuito não convence grávidas no Quênia

Beatrice Mudachi não gosta de dar à luz no hospital porque, segundo disse, não foi bem atendida quando teve seu primeiro filho. Foto: Miriam Gathigah
Beatrice Mudachi não gosta de dar à luz no hospital porque, segundo disse, não foi bem atendida quando teve seu primeiro filho. Foto: Miriam Gathigah

 

Nairóbi, Quênia, 11/7/2013 – Há um mês, o governo do Quênia eliminou a cobrança pelos serviços de atendimento materno em centros de saúde e hospitais públicos, mas Millicent Awino é uma das muitas grávidas que preferem continuar dando à luz em casa. “Durante o parto, meu útero sai, e uma parteira sabe como recolocá-lo na posição certa, ao contrário do hospital”, contou Awino à IPS. Alice Anyango, uma parteira do assentamento irregular de Mathare, em Nairóbi, capital do país, disse à IPS que “não se deve tocar o útero com as mãos, com fazem no hospital, para não danificá-lo. Deve-se jogar uma jarra de água fria sobre ele para que volte à posição normal”.

Entretanto, o tratamento tradicional não tem sustento médico, segundo o professor Joseph Karanja, ginecologista e obstetra. “Há, de fato, casos em que o útero sai do lugar, e é uma situação muito séria. Do ponto de vista médico, o útero simplesmente deve ser empurrado para sua posição com as mãos”, explicou. Até há pouco tempo, as mulheres grávidas tinham de pagar entre o equivalente a US$ 12 nas clínicas rurais até US$ 90 nos hospitais. Em caso de cesariana, o custo subia para US$ 150.

As tarifas foram eliminadas a partir de 1º de junho, e o atendimento médico materno nos hospitais, centros de saúde e clínicas do país passou a ser gratuito. Porém, segundo Teresia Wangai, parteira diplomada de um hospital regional, o fim da tarifa não levou a um aumento de partos em hospitais. “Pensávamos ter mais grávidas, mas recebi menos bebês este mês. Muitas mulheres parecem ter evitado os hospitais, temendo que o fim do pagamento piore o atendimento”, explicou à IPS.

Médicos como Joachim Osur acreditam que não cobrar o atendimento materno é um passo na direção correta. Mitos e ideias errôneas arraigadas continuam influindo na decisão das mães de recorrer às parteiras e parir em casa. “A Organização Mundial da Saúde não recomenda que parteiras tradicionais façam os partos. Na verdade, uma mulher tem maior risco de morrer em suas mãos do que se derem à luz sozinhas”, argumentou Osur, especialista em saúde reprodutiva, em entrevista à IPS.

Em torno de 92% das grávidas recebem assistência pré-natal, indicou Osur, porém, mais da metade delas não dá à luz em hospitais. “Enquanto apenas 46% das grávidas procurarem um hospital para parir, o risco de morte por gravidez e parto permanecerá alto”, destacou o médico. “Em algumas regiões, como as províncias de Nyanza e Ocidental, cerca de 75% das mulheres grávidas não dão à luz em hospitais”, acrescentou.

Karanja, por sua vez, ressaltou que todos os países que conseguiram reduzir a mortalidade materna o fizeram, principalmente, garantindo que as grávidas dessem à luz com a assistência de pessoal médico capacitado. “A mortalidade materna parece aumentar. A Pesquisa de Saúde e Demografia do Quênia 2008-2009 mostra que aumentou de 414 mortes para cada cem mil nascidos vivos para 448”, apontou.

O diretor de serviços médicos do Ministério da Saúde, Simon Mueke, afirmou que a mortalidade materna está atualmente em torno de 500 mortes para cada cem mil nascidos vivos. Na verdade, o indicador é maior no Quênia e no Afeganistão, um dos países mais problemáticos do mundo. Segundo o Banco Mundial, o Afeganistão registrou 460 mortes por cem mil nascidos vivos em 2010.

“Agora o atendimento materno é gratuito, mas o Quênia reduziu para 2,5% o orçamento nacional da saúde. Isto está bem abaixo dos 15% recomendados na declaração de Abuja, da União Africana”, disse Mueke. Em 2001, chefes de Estado africanos se reuniram nessa cidade da Nigéria, onde se comprometeram a destinar 15% do orçamento nacional à saúde.

O Quênia tampouco conseguiu reduzir pela metade as novas infecções do vírus da deficiência imunológica humana (HIV) em menores desde 2009, segundo relatório divulgado em junho pelo norte-americano Plano de Emergência do Presidente para Alívio da Aids, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids. Estatísticas oficiais mostram que no Quênia pelo menos um em cada cinco bebês que nascem de mães com HIV/aids é portador do vírus.

“Parir em hospitais é muito significativo, pode-se tomar precauções para evitar a transmissão do HIV de mãe para filho”, destacou Karanja. As parteiras também se expõem a riscos, acrescentou o obstetra, “pois não costumam ter os implementos necessários para o parto, nem mesmo luvas”. Porém, a parteira tradicional Angelas Munani não ignora o risco. “Usamos sacos de polietileno e amarramos uma corda ao redor do pulso para evitar o contato com o sangue da mãe durante o parto”, contou à IPS.

No entanto, mitos e ideias errôneas, bem como o prestígio que as parteiras têm nas comunidades, não são as únicas razões pelas quais as mulheres preferem parir em casa. “Costumamos ter três bebês na mesma cama na maternidade. As mães os colocam em suas camas e elas se sentam ou dormem no chão. É um pesadelo para a mulher que acaba de dar à luz”, explicou Wangai.

A mãe Evelyn Bosibori acrescentou que as enfermeiras descuidam das mulheres ou as deixam em mãos de pessoal não qualificado. “Com 5,4 quilos, meu bebê era muito grande para um parto normal, e também estava virado”, contou à IPS. “Pari em um hospital assistida por um aprendiz que era incapaz de se dar conta de que o bebê não estava na posição correta para o parto. Tive que fazer cesariana, meu bebê era quase o dobro de um recém-nascido”, acrescentou.

Também há inúmeras denúncias de abuso e até de agressão física das enfermeiras nas grávidas. Osur confirmou que houve casos de mães que sofreram maus tratos e até golpes em centros de saúde. “Todo o sistema de saúde precisa de reforma. Há numerosas greves dos trabalhadores da saúde reclamando melhores salários e condições de trabalho”, afirmou. “Os centros de saúde costumam carecer de pessoal e em algumas áreas, especialmente as rurais, pode-se encontrar três ou quatro enfermeiras atendendo os bebês e o público, enquanto ajudam no parto”, ressaltou Osur. Envolverde/IPS