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Assembleia da OEA não passa das boas intenções quanto às drogas

Antigua, Guatemala, 6/6/2013 – A problemática das drogas não deve ser abordada como um tema de segurança, mas de saúde pública, com ações de “prevenção, tratamento e reabilitação” das pessoas afetadas, segundo as delegações dos 34 países participantes da 43ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). O encontro começou no dia 4, na colonial cidade guatemalteca de Antigua, e terminará amanhã com uma declaração final que, se espera, abrigará uma postura consensual sobre as estratégias mais viáveis para combater o narcotráfico no continente americano.

Entretanto, e apesar de existir acordo quanto a esta situação ser abordada sob o ponto de vista da saúde e não com enfoque de segurança como ocorre agora na maioria dos países, o rascunho da Declaração de Antigua da Assembleia Geral da OEA não contempla ações concretas e nem mesmo um mapa do caminho mínimo a ser seguido. A questão que continua sendo contenciosa, e que os chanceleres deverão resolver antes do encerramento do encontro, é o mecanismo de acompanhamento que deverá ser implementado.

Atualmente, 14 países propõem que o Conselho Permanente da OEA convoque um período extraordinário de sessões da Assembleia, que aconteceriam em 2014 também na Guatemala, com o objetivo de avançar no debate sobre novas estratégias de combate ao tráfico de estupefacientes e desenhar um plano de ações concretas a ser desenvolvido entre 2016 e 2020. Por esta proposta a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (Cicad) cuidaria dos trabalhos preparativos da reunião.

No entanto, o restantes 20 países (Cuba está suspensa como membro ativo desde começo da década de 1960) rejeitam a proposta, entre eles os Estados Unidos, que estão a favor de continuar debatendo a questão das drogas mas se opõem à realização de uma assembleia extraordinária e que a Cicad intervenha. O Canadá propõe concretamente que o Conselho Permanente da OEA, em lugar da Cicad, determine como acompanhar a questão.

Outra novidade é a incorporação de “uma perspectiva transversal de direitos humanos” e de um enfoque de gênero às políticas públicas que forem desenhadas em consequência da cúpula, com a intenção de reduzir a demanda e a oferta de drogas ilegais.

Sandino Asturias, diretor do Centro de Estudos da Guatemala (CEG), disse à IPS que o consenso sobre a necessidade de tratar o tema do narcotráfico como um problema de saúde e não de segurança pública reflete uma mudança na abordagem deste flagelo, inclusive por parte dos Estados Unidos, já que leva implícita a admissão de que o combate armado fracassou.

No México, durante a presidência do conservador Felipe Calderón (2006-2012), foram registrados mais de 83 mil assassinatos relacionados com o crime organizado, segundo dados oficiais, sem que a demanda de drogas por parte dos países consumidores, como os Estados Unidos, tenha diminuído, motivo pelo qual existe um crescente consenso entre os governos latino-americanos de que é hora de pensar em novas estratégias.

“Alguns países da América Latina fazem pressão e a ideia de que Washington só exige e a região deve cumprir começa a mudar. Parece que houve uma evolução a partir da chegada de Barack Obama ao governo no sentido de ser mais autocrítico”, observou Asturias.

O especialista do Estado mexicano de Sinaloa, David Martínez-Amador, do Projeto Criminova México, destacou que “foi colocado na mesa de debate” o enfoque da saúde, mas criticou o fato de não terem sido acordadas políticas concretas nem sancionado o uso dos exércitos na luta antidrogas. “Como a maioria destes fóruns, a conclusão é motivar e esperar que a discussão continue à espera da reunião extraordinária e, com isso, se perde tempo”, afirmou à IPS.

Vários países estão dando passos para a implantação de marcos regulatórios para a produção legal da maconha, entre eles Argentina, Espanha, Portugal e, em particular, Uruguai, onde o parlamento, impulsionado pelo governo esquerdista da Frente Ampla, analisa um projeto de despenalização. “Este fórum é isso, um fórum, mas, quando as luzes se apagarem, cada país estará obrigado a construir seus próprios caminhos”, pontuou o especialista mexicano.

Quando o presidente anfitrião da assembleia da OEA, Otto Pérez Molina, propôs, no começo do ano passado, legalizar as drogas, a surpresa foi enorme. É que na campanha eleitoral se colocara contra essa ideia e dias depois de assumir o governo, em 14 de janeiro de 2012, criou um órgão especial de luta contra o narcotráfico, uma espécie de czar antidrogas, e confirmou à frente do combate o Comando Kaibil, a unidade de elite do exército acusada das piores violações dos direitos humanos no passado.

Por isso ninguém, nem mesmo seu próprio gabinete ministerial, podia prever que um mês depois este general da reserva, que chegou à Presidência da Guatemala com a promessa de combater a criminalidade com “mão dura”, afirmasse que chegou a hora de considerar a despenalização como uma possível solução para a crescente onda de violência associada ao tráfico.

Posteriormente, em abril do ano passado, voltou a colocar o tema sobre a mesa durante a Cúpula das Américas, na cidade colombiana de Cartagena, quando os Estados Unidos responderam com uma previsível negativa. Surgiram diversas hipóteses sobre quais poderiam ser as motivações de Molina ao levantar a bandeira da despenalização das drogas.

Pouco depois de conhecida essa sua ideia, a revista britânica The Economist publicou que o presidente guatemalteco tentava obter mais dinheiro dos Estados Unidos, enquanto Natalie Kitroeff, pesquisadora do Council on Foreign Relations, de Nova York, afirmou que o mandatário buscava pressionar para conseguir o fim do embargo de armas, que existe desde 1978 sobre este país, por causa das violações dos direitos humanos cometidas durante o conflito armado interno (1960-1996).

“Para o presidente vale a imagem. Molina quer ser visto em nível internacional como alguém comprometido com a democracia e não com seu passado”, opinou Asturias. Esta cúpula permite que ele “vire a página”, após o polêmico julgamento do ex-ditador Efraín Ríos Montt, durante o qual uma testemunha acusou diretamente Molina de ter participado de massacres no departamento de Quiché, quando comandava a Força-Tarefa Gumarcaj, acrescentou. Envolverde/IPS