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Arrancada brasileira para um rio de eletricidade

A represa e o dique no Rio Kwanza, que será elevado em 30 metros. Foto: Mario Osava/IPS

Cambambe, Angola, 10/12/2012 – O Rio Kwanza será o coração de Angola e um emblema da presença brasileira no desenvolvimento africano quando estiverem operando plenamente os projetos de infraestrutura previstos ao longo do principal recurso hídrico deste país. Nove centrais hidrelétricas e estações de captação e tratamento de água procurarão saciar as carências mais sentidas na região metropolitana de Luanda, e estender a energia pelo menos ao centro-norte angolano. Será um processo que demorará mais de uma década.

O fornecimento de água tratada, por exemplo, alcançará 90% dos moradores de Luanda apenas em 2025, segundo o plano diretor. A dificuldade é acompanhar o aumento da população, que as projeções indicam ser de 13,2 milhões de habitantes este ano, quase o dobro dos atuais. O complexo hidrelétrico de Cambambe reflete a sorte de contar com o Rio Kwanza, no centro e norte do país, mas também as infelicidades de Angola. Só agora, cinco décadas após a construção de sua primeira etapa, caminha-se para atingir sua conclusão, saindo de um atraso em boa parte devido à guerra civil que afetou o país desde sua independência, em 1975, até 2002.

Finalmente foi colocada em marcha uma ampliação da central que quintuplicará sua potência, elevando seu dique em 30 metros. Este projeto já havia sido planejado por autoridades da época colonial portuguesa, afirmou Fabrício Andrade, gerente administrativo local da empresa brasileira Odebrecht, que lidera o conglomerado encarregado das obras. Mais água e mais altura permitirão aumentar a capacidade das quatro velhas turbinas, de 45 a 65 megawatts (MW) cada uma, e instalar outra central de 700 MW. Se não houver imprevistos, tudo estará pronto em 2015 para gerar 960 MW e atenuar os apagões em Luanda.

Protagonistas da guerra persistiram nesta fase. A construção do vertedouro necessário para a ampliação só pôde ser iniciado depois da limpeza de uma área minada, trabalho que demorou seis meses, informou Andrade. A Odebrecht foi contratada pela estatal angolana Empresa Nacional de Eletricidade para realizar três obras em Cambambe. A primeira, iniciada em 2009, é reabilitar as quatro turbinas originais que, muito deterioradas, já não conseguem gerar nem mesmo metade de sua capacidade nominal de 45 MW. Também falta reformar uma última, agregando-lhe painéis de controle eletrônicos que oferecem “maior segurança com menos trabalhadores”, explicou Andrade.

As outras duas obras são elevar o dique, com o vertedouro, e construir a nova central geradora, cuja conclusão está prevista para 2015. Em toda a megaobra, trabalham 2.100 pessoas, 89% das quais angolanas que, em geral, vivem no povoado local ou na vizinha cidade de Dondo, noroeste do país. Além disso, há 238 “expatriados” que compõem uma Babel de nacionalidades, os quais convivem no isolamento da própria obra. Provêm de 15 países e há desde latino-americanos até europeus orientais, detalhou Andrade.

Aos empregados estrangeiros da própria Odebrecht se somam os das empresas associadas no projeto, a também brasileira Engevix, a francesa Alstom e a alemã Voith Hydro. O peruano Rufino Álvarez Ortiz é um típico operário errante das grandes obras. Começou em seu país em 1981, trabalhando em outras transnacionais brasileiras da construção antes de entrar para a Odebrecht, há 25 anos. Assim, andou por vários países até chegar a Angola, em 2009, junto com seu chefe, o brasileiro gerente de equipamentos Roberval Fonseca, e trabalhou em vários projetos de infraestrutura em Luanda.

Antes de se instalar este ano em Cambambe, voltou por um tempo ao Peru e depois esteve na Colômbia. “Faço um trabalho duplo, um na obra e outro ensinando os angolanos, para que este país continue crescendo”, contou Ortiz, explicando que ainda não trouxe a família porque seus filhos “já são grandes”. Fonseca, por sua vez, é um entusiasta de empregar mulheres e capacitá-las para trabalhos em soldagem, aparelhos elétricos e motores, ofícios que antes eram considerados de homens. “Elas aprendem mais rápido, fazem tudo com mais cuidado e disciplina, são mais eficientes”, afirmou, contente com as seis operárias qualificadas que contratou.

Cambambe tem uma estrutura pequena em comparação com outras hidrelétricas de capacidade semelhante. É que sua sala de máquinas é subterrânea, instalada em um túnel capaz de receber até um caminhão grande. Assim também será a segunda, com água passando por dentro do morro para mover as turbinas. Além disso, a represa é reduzida. O trecho médio do Kwanza, com forte declive de 940 metros em apenas 205 quilômetros de extensão, leito em vales profundos e gargantas em curva, favorece os nove aproveitamentos hidrelétricos.

Por isto, Cambambe provocará impactos mínimos em sua ampliação. Sua represa aumentará apenas seis quilômetros quadrados, disse Vladimir Russo, diretor da Holísticos, empresa que fez o estudo de impacto ambiental do projeto. Além  disso, não haverá população afetada, porque nunca foi permitida a presença humana nos arredores da hidrelétrica e foi protegida durante a guerra, explicou Russo, que foi diretor de Gestão do Ministério do Meio Ambiente e fundador da Juventude Ecológica Angolana.

Laúca, a central mais potente a ser construída no Rio Kwanza, terá uma represa de apenas 16,6 quilômetros quadrados, segundo um estudo de viabilidade da consultoria brasileira Intertechne. Quase nada para uma capacidade de 2.067 MW. A Odebrecht é a marca brasileira nesse represamento do Rio Kwanza, cujo nome é o da moeda nacional desde 1977, um reconhecimento do valor simbólico do rio para os angolanos.

Além de ampliar Cambambe, a transnacional Odebrecht já havia vencido o desafio de construir a represa de Capanda, 140 quilômetros rio acima, uma obra histórica, contratada em 1984 mas finalizada apenas em 2007, após interrupções, destruições e mortes causadas pela guerra civil. Este ano, a companhia se encarregou do desvio do Kwanza, como fase preparatória para a construção, ainda não licitada, do complexo hidrelétrico de Laúca, entre Capanda e Cambambe. A própria Odebrecht responde pelo projeto Águas de Luanda, cujo componente central é a capacitação de águas do Rio Kwanza para tratamento e distribuição na região metropolitana.

No interior do país, perto da hidrelétrica de Capanda, a empresa se comprometeu a desenvolver um polo agroindustrial para produzir açúcar, etanol e eletricidade a partir do bagaço da cana, milho e outros alimentos. Este projeto será desenvolvido na fazenda Pundo Adongo, onde está previsto promover a agricultura familiar. Tudo isso é apenas parte dos negócios e projetos em Angola da Odebrecht, o consórcio que mais empregados concentra no setor privado, ao totalizar 20 mil. Envolverde/IPS