Arquivo

América Latina e Caribe ajustam integração em diversidade

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, encerra a cúpula da Celac. Foto: Marianela Jarroud/IPS

 

Santiago, Chile, 30/1/2013 – Manifestando abertamente suas divergências ideológicas, econômicas e de visão geopolítica, os governantes e representantes dos 33 países-membros da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) selaram seu compromisso de integração durante sua primeira reunião de cúpula.

A Celac, “definitivamente”, dá poder à voz da região no mundo, disse, no encerramento da reunião, no dia 28, em Santiago, a secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. “Estou convencida de que este novo mecanismo transmite um forte sinal, antes de tudo, de que a América Latina e o Caribe já não são os mesmos de antes, e evidência mudanças muito importantes”, acrescentou.

Criada em 2010 no México, e implementada em novembro de 2011 em Caracas, a Celac representa quase 600 milhões de habitantes e é o primeiro bloco político continental em cinco décadas que deixa fora Estados Unidos e Canadá e inclui Cuba. Trata-se de um processo que o presidente do Chile, o direitista Sebastián Piñera, qualificou de “inclusivo, porque reafirma a convergência no mesmo espaço em comum em lugar do conhecido projetar-se com força para o exterior”.

As expressões do presidente anfitrião foram em linha com o expressado, por meio de uma carta, pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que convalesce em Havana da quarta cirurgia que sofreu para combater um câncer. A cúpula esteve marcada, precisamente, pela expectativa em torno do conteúdo dessa carta, lida pelo vice-presidente venezuelano, Nicolás Maduro. A Celac “é o projeto de união política, econômica, cultural e social mais importante de nossa história contemporânea”, afirma Chávez.

A presença “virtual” do líder venezuelano, um dos impulsionadores da Celac junto com os então presidentes Felipe Calderón (2006-2012) do México e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), do Brasil, passeou silenciosamente pelos corredores da cúpula e instalou o suspense inclusive na reunião que os mandatários da região mantiveram nos dois dias anteriores com a União Europeia.

“Temos todo o direito de nos sentirmos orgulhosos: a Nação de Repúblicas, como a chamava o libertador Simón Bolívar, começou a perfilar-se como uma bela e feliz realidade”, escreveu Chávez. Também condenou o “vergonhoso bloqueio imperial a Cuba martiana (pelo herói independentista e escritor José Martí) e revolucionária”, e “a contínua colonização e, agora, a militarização progressiva das Ilhas Malvinas”, o arquipélago em mãos britânicas localizado no sul do Atlântico e cuja soberania a Argentina reclama. Além disso, pediu apoio ao presidente de Cuba, Raúl Castro, que assumiu a presidência temporária da Celac.

Para Bárcena, no entanto, os países da América Latina e do Caribe “têm uma situação econômica melhor, são mais resilientes (capazes de resistir) do ponto de vista econômico, e também do ponto de vista social, embora ainda haja muitas dívidas pendentes”. Afirmou que a região “tem uma consciência muito clara das brechas que temos para fechar no interior e, por fim, estando melhor articulados, podemos nos relacionar com maior força com o exterior”.

Bárcena disse que a região tomou consciência da importância de promover o comércio entre os países. Ressaltou que, “se houver dinamização do regionalismo, da integração, se poderá passar a maiores cadeias de valor dentro da região e assim, mais articuladamente, se relacionar com o países Ásia-Pacífico, Europa ou com os Estados Unidos”.

Os governos presentes na cúpula apresentaram convergências em torno da soberania argentina sobre as Malvinas, do rechaço ao bloqueio dos Estados Unidos a Cuba e da necessidade de reduzir as enormes brechas de desigualdade na região. Mas, também expressaram suas divergências na hora de assumir a entrada de investimentos estrangeiros na região e de propor demandas históricas no contexto geopolítico.

Por sua vez, Raúl Castro disse que “as companhias transnacionais, fundamentalmente norte-americanas, não renunciarão ao controle dos recursos energéticos, hídricos e minerais estratégicos em vias de esgotamento”, e afirmou que sua chegada à presidência da Celac é “um reconhecimento à abnegada luta de nosso povo pela independência”.

Já o chanceler do Equador, Ricardo Patiño, exigiu a “reparação histórica” da Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação a Cuba, da qual foi suspensa em 1962. Por seu lado, o presidente da Bolívia, Evo Morales, insistiu em favor da saída soberana de seu país para o Oceano Pacífico, uma reclamação histórica que faz ao Chile, à qual Piñera replicou em um diálogo bilateral que se tornou extenso.

Morales também chamou “os irmãos” das insurgentes Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para que cheguem a um acordo de paz. Devem “entender que hoje as revoluções não são feitas com balas, mas com voz, em democracia e sem violência, com consciência e não comprando votos”, afirmou Morales, em uma menção que motivou o agradecimento de seu colega colombiano, Juan Manuel Santos.

Bárcena insistiu que a América diversa a caminho da integração é parte do novo que traz consigo a Celac, e que as três realidades, expressas por Caribe e México, América Central e América do Sul, “podem dialogar em um contexto muito mais amplo e de uma forma muito mais pragmática, cada um com seu modelo”. Para ela, “há mais convergência do que antes, e diria que o grande fio condutor de tudo isto é o combate à desigualdade, porque todos os países se deram conta de que isto conspira contra o progresso técnico, a segurança, a democracia e, sobretudo, contra a produtividade.

Por outro lado, o analista internacional Raúl Söhr expressou cautela ao afirmar que o cenário é menos otimista, pois “a integração não passa por mecanismos, mas por vontades políticas e ainda nesse plano há opiniões muito divergentes” dentro da região. Segundo o analista chileno, “continuam proliferando os mecanismos, são criadas a Aliança do Pacífico, a União de Nações Sul-Americanas, a Celac, tem a OEA, e em cúpulas como esta somente se chega a declarações muito genéricas a favor do bem e contra o mal”. A segunda Cúpula da Celac acontecerá no ano que vem em Havana, ainda sem data definida. Envolverde/IPS