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Aleppo, a cidade onde todos perdem

Morador de Aleppo em meio a um prédio bombardeado pelas forças do presidente Bashar al-Assad. Foto: Zak Brophy/IPS

 

Aleppo, Síria, 25/9/2012 – “O ELS se colocou entre nós e agora o regime nos bombardeia”, protesta um homem em uma rua desta cidade do norte da Síria, enquanto observa a destruição causada por mísseis lançados por forças do governo. “Por que temos que morrer por isto? Durante um ano e meio conseguimos viver em paz, até que o ELS chegou ao nosso bairro”, lamenta, enquanto algumas pessoas ao seu lado participam de uma acalorada discussão.

Os enfrentamentos pelo controle de Aleppo entre o ELS (Exército Livre da Síria) e as forças do presidente Bashar al-Assad começaram há cerca de dois meses. Agora a oposição controla quase dois terços desta cidade. O governo não conseguiu recuperar o controle, o que afetou gravemente sua moral, e lançou uma campanha implacável de bombardeios aéreos com aviões, helicópteros e artilharia, em uma tentativa de sufocar os rebeldes.

A área é densamente povoada, por isso casas, fábricas, escolas e hospitais estão sendo destruídos. Ninguém sabe exatamente o número de mortos. Mais de 200 mil pessoas abandonaram a área. Pode ser que as bombas do regime de Assad tenham destruído a legitimidade que talvez tivesse na zona, mas também é certo que o ELS é considerado um intruso. “As pessoas começam a nos culpar”, disse Abdul Fader, erudito islâmico de Aleppo e líder de brigada de aproximadamente 150 combatentes rebeldes. “Temos muita pressão para acabar rápido com isto”, acrescentou.

No distrito vizinho de Sharaiyeh, um edifício inteiro foi destruído por ataques aéreos e reina uma calma desconcertante. Um caminhão ficou soterrado pelos escombros, uma torre de alta tensão permanece atravessada na rua e não se ouve mais do que o incessante fluir da água de uma caixa d’água arrebentada sobre um telhado. “Cheguei esta manhã e encontrei isto”, disse um comerciante enquanto recolhia lentilhas do chão de sua loja destruída. “Não posso falar mais”, acrescentou. Não percebe dois homens do ELS parados a poucos metros dele.

Khalil, combatente rebelde, assegura que a maioria das pessoas os recebe bem e os apoia, “mas é verdade que muitos não nos querem aqui. Só pensam em comer, beber e dormir. Não compreendem que lutamos contra a ditadura”, afirma. Como muitos combatentes, Khalil não é de Aleppo e se sente frustrado pelas boas-vindas pouco entusiasmadas que recebem.

A luta pela cidade, motor comercial e industrial da economia síria, tem suas raízes nos meses de enfrentamentos que ocorrem em todo o país. Os combatentes do ELS foram controlando a região desde a fronteira com a Turquia até os arredores de Aleppo, povoado a povoado, cidade por cidade. O apoio aos rebeldes nessas áreas empobrecidas e quase exclusivamente sunitas é mais evidente. Muitos combatentes são originários desses lugares. Contudo, esse apoio fica difícil de assegurar na medida em que chegam a zonas mais urbanas, prósperas e multiconfessionais.

O nome Exército Livre da Síria implica que há uma força militar unificada, mas a realidade no terreno é bem mais caótica. A coordenação das unidades de combate mais localizadas foi um êxito durante a campanha no campo, mas na cidade a situação é mais fragmentada, o que afeta a capacidade do ELS de enfrentar o regime e também gera um ambiente de caos e desordem.

“Um jovem, nosso familiar, foi detido, ou mesmo sequestrado em um posto de controle de vocês”, reclama um grupo de pessoas com o chefe de uma brigada de 200 combatentes que os recebeu em uma base do ELS. Ele se desculpa e afirma que o controle em questão não fica em uma área sob seu domínio. Os homens se despedem com um aperto de mãos, mas sua frustração, e, talvez, seu desprezo, é evidente.

Sequestros, extorsões e saques por supostos combatentes da oposição geram desprezo nas fileiras do ELS. Entretanto, na confusão em que Aleppo está afundada é muito pouco o que podem fazer, afirmam. “Existem pessoas que cometem delitos, tentamos detê-los, mas é uma revolução e o caos existe”, justifica Abu Fares, coordenador de imprensa do ELS.

O Exército Livre da Síria tenta criar uma estrutura dirigente unificada em Aleppo, unindo as maiores forças que combatem: Conselho Militar, as brigadas Al-Tawheed, Al-Fateh e Soqour Shahbaa, sob o manto de um Comando Militar Revolucionário. Porém, no terreno, a oposição é uma força de perfis e interesses muito diversos. Além disso, não se pode esquecer o aspecto sectário de alguns setores que integram a insurgência.

Um carro da polícia passa diante de um hospital levando uma bandeira da rede extremista Al Qaeda e transmitindo a todo volume versos do Alcorão (livro sagrado do Islã), o que gera algumas poucas simpatias. Mesmo dentro do ELS, a presença de pequenos grupos de mujaidines de países como a Líbia é uma realidade que divide.

O terror despejado pelos aviões do governo sírio na maior parte de Aleppo pode chegar a unificar a população em sua aversão ao regime de Assad, mas não necessariamente os reúne nas fileiras do ELS. Quanto mais durar a batalha de Aleppo, mais problemas os rebeldes terão para garantir o apoio da população local sob seu controle. Na medida em que aumenta a quantidade de mortos, que a economia de guerra se contrai e que os criminosos tomam conta da cidade, a legitimidade dos combatentes rebeldes diminui. Envolverde/IPS