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Além do boom das matérias-primas

Buenos Aires, Argentina, 25/8/2011 – O auge das exportações dos quatros países que formam o Mercosul não se nutre apenas das matérias-primas enviadas à China e para outras grandes economias emergentes, mas também dos bens industriais destinados ao mercado da América Latina e do Caribe. Esta é uma das conclusões do trabalho “Salto exportador do Mercosul em 2003-2008. Além do boom das matérias-primas”, elaborado por Romina Gayá e Kathia Michalczewsky, do Instituto para a Integração da América Latina e do Caribe (Intal), unidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

A investigação aprofunda os aspectos menos sobressalentes do aumento das vendas externas que se destaca pela quantidade de produtos primários colocados em países emergentes, sobretudo China, Índia e Rússia. “Em contraste com o que habitualmente se acredita, o bom desempenho das vendas externas do Mercosul foi além do boom das matérias-primas”, afirmou o estudo.

“Também os produtos de conteúdo tecnológico médio foram responsáveis pelo salto nas vendas ao exterior”, segundo as autoras, as quais acrescentam que o mercado do próprio bloco, formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, e do resto da região foram chaves para entender o dinamismo destas exportações. “O mercado latino-americano converteu os produtos de conteúdo tecnológico médio do Mercosul em protagonistas do salto exportador recente no bloco”, afirmaram as autoras, mesmo com diferenças entre os sócios.

A Argentina foi o país onde a participação da indústria em suas exportações foi proporcionalmente maior, enquanto Paraguai foi o mais atrasado nesse item. Em entrevista à IPS, explicaram que, apesar de as matérias-primas serem “muito dinâmicas” no bloco, algumas manufaturas também se destacaram, como motor das vendas externas e inclusive contribuíram com um grande volume. Gayá afirmou “que os produtos de conteúdo tecnológico médio foram o item que mais contribuiu proporcionalmente para o aumento do volume exportado por Argentina e Brasil, com 55,3% e 35,5%, respectivamente”.

Este item, no caso destes que são os dois maiores sócios do bloco, inclui principalmente toda a indústria de automotores, inclusive veículos e peças de reposição, bem como outros produtos como tubulações, plásticos, fibras sintéticas, pinturas ou fertilizantes. No caso do Uruguai, Gayá explicou que um quinto das exportações totais desse país entre 2003 e 2008 se explica pelo aumento dos produtos tecnológicos, sobretudo plásticos e fibras.

Para as autoras, o crescimento das exportações de maior valor agregado e conteúdo tecnológico respondeu ao aumento da demanda do próprio Mercosul e dos demais países da região. “A América Latina e o Caribe explicam mais de 40% do aumento no volume de vendas externas de Argentina, Brasil e Uruguai, enquanto no Paraguai a contribuição da região chegou a quase dois terços”, afirmaram.

O estudo observa que entre 2003 e 2008 as exportações do bloco cresceram 21%, em média, ao ano, o que representa alta muito superior à do próprio Mercosul na fase 1960-2002, que foi de 8,7%. Este auge é atribuído pelas autoras ao crescimento da demanda mundial, à melhoria dos preços e também ao dinamismo dos envios.

Mas, este salto não se limitou à soja ou ao petróleo. “A espetacular alta de preços fez com que o salto exportador se associasse ao boom das matérias-primas, mas o cenário é mais rico do que aquele que implicaria uma ‘primarização’”, disse Michalczewsky. Ela também destacou que aumentaram as exportações de manufaturas “e o relevante neste caso, mais do que o preço, foi a expansão das quantidades”, que chegaram inclusive a ficar entre os itens mais dinâmicos.

As pesquisadoras do Intal alertam que para o caso do Brasil este fenômeno não foi constante ao longo de todo o período analisado. O salto do setor industrial no país se concentrou entre 2003 e 2005 e depois a expansão diminuiu. Michalczewsky disse que desde 2006, devido à valorização do real em relação ao dólar, e a outros fatores, registra-se um impacto negativo nas vendas externas de manufaturas, que baixaram o ritmo de expansão.

A valorização do real tirou competitividade externa da indústria brasileira em itens intensivos em mão de obra, em particular pela competição da China e de outros países onde os salários em dólares são menores. Apesar disso, a autora também disse que a “primarização” do comércio externo brasileiro se explica por fortes investimentos produtivos no setor agropecuário, de combustíveis e petróleo e pela expansão do mercado doméstico.

A maior demanda interna, devido ao aumento no poder aquisitivo da população, absorveu boa parte dos produtos manufaturados e isso redundou em uma queda da oferta exportável, segundo as pesquisadoras. Neste ponto ambas concordam que o novo Plano Brasil Maior, que acaba de ser lançado pela presidente Dilma Rousseff, pode remediar a falta de estímulos à exportação e gera uma nova oportunidade externa para a indústria do gigante sul-americano.

Finalmente, as autoras apontam desafios e riscos. Embora destaquem como a região se sobrepôs ao impacto da crise financeira global nascida em 2008 nos Estados Unidos, com queda de preços incluída, há novos desafios. Alertam que a política de substituição de importações chinesas pode significar uma redução das compras e que os acordos de livre comércio de países da região também podem afetar mercados para bens industriais. Envolverde/IPS