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Aldeões convertidos em “perfuradores de água” no Zimbábue

 

Há mais de dez anos que os moradores do distrito de Mwenezi, no Zimbábue não têm água corrente devido ao rompimento dos poços na área. Fotos: Jeffrey Moyo/IPS

Mwenezi, Zimbábue, 30/4/2013 – Há 13 anos, Trynos Mbweku, chefe do distrito de Mwenezi, sudeste do Zimbábue, usa uma carretilha para buscar água no único poço que resta na área, a dez quilômetros de sua casa. Para os moradores do distrito de Mwenezi, 160 quilômetros a sudoeste de Masvingo, capital da província de mesmo nome, a crise hídrica não parece ter um final à vista. “Fomos obrigados a nos converter em perfuradores de água e depender de perfurações que se romperam há dez anos”, explicou à IPS.

Funcionários do Conselho do Distrito Rural de Mwenezi, que pediram para não serem identificados, disseram à IPS que, das 46 perfurações, 26 se quebraram e não foram reparadas nos últimos 13 anos. A população local responsabiliza o Fundo de Desenvolvimento de Distritos (DDF) e o Conselho do Distrito Rural de Mwenezi, responsáveis por reparar e manter os poços. Funcionários do Conselho disseram que são necessários US$ 12 mil para reparar as instalações danificadas e que o DDE não tem dinheiro.

O Zimbábue não se recuperou da crise econômica. Entre 2003 e 2009, este país sofreu uma das piores hiperinflações do mundo. A inflação anualizada foi estimada em 231%. Os economistas deste país da África austral atribuem o agravamento dos problemas hídricos à saída forçada de investidores agrícolas na pior parte do controvertido programa de reforma agrária, frequentemente violento.

O programa foi uma iniciativa governamental que objetivava recuperar as terras pertencentes a cerca de 4.500 agricultores brancos e que foi realizada por veteranos de guerra descontentes. “A crise hídrica é um problema nacional. Piorou após o caótico programa de reforma agrária de 2000, que derivou em uma recessão econômica. O país perdeu fundos para manter as perfurações comunitárias quando os agricultores comerciais foram expulsos de suas terras”, disse o economista Kingston Nyakurukwa à IPS. Com 70% da população em zonas rurais, é fundamental melhorar o acesso à água, ao saneamento e à higiene.

Apesar de o Departamento de Desenvolvimento Internacional da Grã-Bretanha ter financiado um programa rural de saneamento e água no valor de US$ 50 milhões em 2012, concentrado em áreas propensas à seca, a maioria das zonas rurais do Zimbábue tem dificuldades de acesso à água potável.

“Temos que lidar com a escassez de água porque vários poços comunitários se romperam e há anos estão sem uso devido à má situação econômica do país”, disse à IPS Dereck Siyaya, do Departamento de Agricultura do distrito rural de Guruve, na província de Mashonalandia Central. De acordo com o estudo Proteção Social Adequada para a Infância no Zimbábue, publicado em 2010 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), quase metade da população vive com menos de US$ 1,25 por dia.

Um alto funcionário do Ministério de Gestão e Desenvolvimento de Recursos Hídricos disse à IPS que cerca de 60% das 2.714 bombas de água das zonas rurais estão quebradas. Aproximadamente 2,5 milhões de pessoas, dos 12,5 milhões de habitantes do país, não têm acesso à água. Funcionários do Escritório Nacional de Estatísticas do Zimbábue disseram à IPS que 56% da população não tem acesso a instalações sanitárias.

“Se não foram tomadas medidas diante da crise hídrica se desatará no país uma luta por esse recurso. Devemos nos comprometer para que o setor seja sustentável”, disse o ministro de Gestão e Desenvolvimento de Recursos Hídricos, Samuel Sipepa Nkomo, em uma cúpula sobre o tema, realizada dia 20 de março na cidade de Bulawayo. Um funcionário do Ministério de Educação, Esportes e Cultura, que pediu para não ser identificado, disse à IPS que os alunos de escolas rurais também são afetados, porque dedicam um tempo considerável na busca por água ao invés de ir à escola.

O Zimbábue assinou, em 2009, um acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, o Fundo Mundial para a Natureza e o Instituto para o Desenvolvimento de Água e Saneamento, para fornecer água potável. Mas o tratado ainda não foi implementado. Para que o país possa alcançar a meta de melhorar o acesso à água potável, incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, é necessário que invista US$ 400 milhões por ano, segundo o informe do Unicef. Envolverde/IPS