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Agricultura nativa da Índia ganha status

Plantação de arroz. Foto: Reprodução

Koraput, Índia, 5/2/2013 – Na última temporada de monções, Sunadhar Ramaparia plantou variedades autóctones de arroz, milho e oleaginosas em sua área nas terras altas do Estado indiano de Orissa e suportou as inclemências do clima. Depois vieram as chuvas e ficou 23 dias sem trabalhar. Com o calor abrasador, até os brotos de arroz híbrido dos agricultores das terras baixas queimaram. Mas Ramaparia, um homem de 65 anos da tribo bhumia, colheu tudo o que plantou.

O desmatamento e a mudança climática estão provocando chuvas erráticas, que reduzem os corpos de água e degradam o solo na localidade de Ramaparia em Tentulipar, na região dos Ghats orientais, província de Koraput, em Orissa. Muitos agricultores correm risco de passar fome. Contudo, a tribo bhumia recorre à sabedoria de seu sistema agrícola de três mil anos de antiguidade para garantir alimentos de qualidade o ano todo.

Estes nativos usam sementes originárias dos Ghats orientais, uma cadeia montanhosa descontínua de grande diversidade biológica, que corre paralela à Baía de Bengala no leste da Índia, com cerca de 900 metros de altitude. O sistema agrícola dos bhumias se adaptou ao terreno áspero, se tornou resiliente às mudanças ambientais e desenvolveu um mecanismo natural de controle de pragas. Os agricultores semeiam variedades resistentes nas terras altas, e aquelas que exigem mais água, nas de média e baixa altitude.

O governo lhes ofereceu arroz híbrido, com rendimentos entre 3,7 e 4,8 toneladas por hectare, enquanto as sementes tradicionais rendem entre 2,4 e 3,3 toneladas. Porém, Ramaparia e sua família de 20 membros não têm intenções de abandonar o sistema ancestral. “O arroz do governo não tem gosto nem aroma, e exige um cuidado muito caro (pesticidas e fertilizantes químicos), e deixa doente quem o come”, afirmou Ramaparia à IPS. “Toda uma vida comendo nossos grãos faz com que uma pessoa idosa como eu esteja forte; desafio qualquer jovem a lutar comigo”, disse, divertido, enquanto olhava as pessoas reunidas ao seu redor.

Segundo a Pesquisa Nacional da Índia, sobre a qual se baseia a Política Nacional para os Agricultores (de 2007) e os programas agrícolas do 11º Programa Quinquenal, 69% dos 1,2 bilhão de habitantes deste país vivem em zonas rurais. As comunidades tribais constituem 10% da população rural, e destas 8% recorrem a métodos agrícolas tradicionais. Além disso, 46% dos agricultores utilizam as sementes híbridas oferecidas pelo Estado e 47% usam as conservadas de suas próprias colheitas.

“O cultivo múltiplo, no qual se mesclam seis produtos diferentes, oferece uma dieta variável”, disse à IPS o pai da Revolução Verde na Índia, Saujanendra Swain, cientista principal e presidente emérito da Fundação de Pesquisa M. S. Swaminathan, com sede na cidade de Jeypore, a mais importante de Koraput. “São produzidos mais alimentos em uma terra limitada e com menor trabalho, e a colheita escalonada reduz em grande parte o risco de perder tudo, porque os diferentes cultivos amadurecem em momentos distintos”, ressaltou.

Um estudo da Fundação Swaminathan, realizado em sete aldeias tribais em 2009, concluiu que 80% dos entrevistados preferiam combinar cultivos de milho e legumes resistentes que prometiam alto grau de segurança alimentar. A colheita começa em setembro, com a maturação do primeiro milho de dedo (ou milho africano), e termina em janeiro, com a do guandu ou feijão de pau. Não é necessário trabalho intensivo. No começo da temporada de monções são plantadas as sementes em sulcos pouco fundos que são cobertas com esterco de vaca e deixadas para que se desenvolvam sozinhas.

Nas parcelas, as mulheres são as que sustentam essa prática. Segundo Chandra Pradhani, agricultor de 46 anos da aldeia de Nuaguda, as três palavras-chave que definem o sistema agrícola tradicional são: orgânico, reciclável e sustentável. O cultivo para alimento e combustível é feito em seu ambiente natural, sem insumos artificiais e depois é colhido à mão. Os desperdícios agrícolas são usados para tratar os cultivos e controlar as pragas, e as sementes são conservadas em bancos genéticos para a próxima geração.

Enquanto caem as chuvas de monções, em julho e agosto (os mais pobres quanto à disponibilidade de alimentos), os agricultores colhem “verduras e cogumelos” na floresta, disse à IPS a camponesa Gari Mathabaria enquanto prepara arroz inflado que depois troca no mercado semanal por uma medida de arroz com casca. “Frutas e bagas da estação fazem parte da nossa deita, embora sua quantidade diminua com a redução das florestas”, lamentou.

Os legumes, que são uma pequena porção na mesa local, são cultivados para a venda. As verduras são plantadas nas hortas familiares, onde os feijões são o sustento de muitas comunidades agrícolas. Estas práticas não têm motivo para serem excluídas dos Ghats orientais. Segundo a Pesquisa Nacional da Índia, 60% dos 140 milhões de hectares cultivados são regados com chuva, por isso esses métodos ou outros semelhantes podem ser ampliados.

Os Ghats orientais têm uma longa história de zona de grande biodiversidade. Numerosas variedades de arroz se originaram no Vale de Jeypore, em Koraput, há cerca de três mil anos. No entanto, a interferência humana neste delicado ecossistema e a industrialização da agricultura destruíram grande parte dessa riqueza biológica. Uma pesquisa feita em 1950, pelo Instituto Central de Pesquisas do Arroz, constatou 1.750 variedades locais. Em 1990, apenas 40 anos depois, a Fundação de Pesquisa M. S. Swaminathan registrou apenas 324.

“Uma estimativa informada é que, talvez, haja cem variedades disponíveis”, destacou Swain. A Fundação também registrou oito espécies de milhos menores, nove de legumes, cinco de oleaginosas, três de plantas fibrosas e sete de verduras. Entretanto, os especialistas temem que essas variedades desapareçam. “Há apenas 15 anos, registramos 25 variedades de feijões locais, chamados simba, e hoje são apenas quatro”, pontuou Swain. Entretanto, a situação poderia melhorar.

Em janeiro a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) concedeu ao método agrícola tradicional de Koraput o status de Sistema Engenhoso do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam). Este status permite aos agricultores receberem ajuda para manter e adaptar suas práticas ancestrais à mudança climática e à contínua redução dos preços para garantir a segurança alimentar sem sucumbir às técnicas modernas.

“Os sistemas de Koraput são sustentáveis no que diz respeito ao meio ambiente e climaticamente inteligentes. Sua importância aumentará com as alterações meteorológicas mais frequentes. Por isto, é bom que a FAO os tenha reconhecido como Sipam”, opinou Swain. Os festivais agrícolas são um meio único para promover a preservação de sementes. Chandrama Bhumia, de 41 anos, possui meio hectare, mas nunca passou fome.

“Em abril temos o Bali Yatra (festival da areia). As famílias recolhem a camada superior do solo arenoso das margens do rio em recipientes de folhas onde plantam sementes selecionadas que serão utilizadas em junho”, explicou Bhumia. Nove dias depois, quase dez mil pessoas se reúnem com suas sementes germinadas e o “dasari”, homem de medicina, avalia o estado dos brotos, descartando ou aprovando seu posterior cultivo. A feira permite trocar sementes com os que ficaram com brotos descartados. Envolverde/IPS