Arquivo

Agricultura jordaniana encurralada

Abu Waleed diz que a mudança climática trouxe mais calor, pestes e enfermidades. Foto: Elizabeth Whitman/IPS
Abu Waleed diz que a mudança climática trouxe mais calor, pestes e enfermidades. Foto: Elizabeth Whitman/IPS

 

Amã, Jordânia, 7/11/2013 – Abu Waleed não sabe por onde começar a enumerar seus problemas. Os insetos comem a menta que planta no norte da Jordânia. O poço de água secou, por isso tem que bombeá-la de um local que fica a meio quilômetro de distância. E, como se não bastasse, gastou US$ 225 em sementes de espinafre que mal germinaram.

O desenvolvimento industrial, o manejo incorreto dos recursos e a mudança climática convergiram para criar uma tempestade perfeita de problemas para a pequena comunidade de agricultores da bacia do rio Zarqa, a leste de Amã, prejudicando a produção e o sustento e, definitivamente, a segurança alimentar da Jordânia. O governo, entidades não governamentais locais e agências da Organização das Nações Unidas (ONU) tentam mitigar os efeitos da mudança climática, mas Abu Waleed e outros agricultores dizem que não é suficiente.

Há quem diga que, embora o aquecimento global esteja exacerbando problemas existentes na Jordânia, o mais importante não é enfrentar a mudança climática, mas observar um uso cuidadoso dos escassos recursos naturais do país, que é um dos mais secos do mundo: dispõe de aproximadamente 145 metros cúbicos (m3) de água por pessoa por ano (a linha de escassez absoluta é de 500 m3). A média anual de chuvas é de 111 milímetros.

As principais áreas agrícolas, como as que são regadas com chuva, estão diminuindo, em parte pela urbanização e pelo avanço da construção. Entre 1975 e 2007, as áreas dedicadas ao cultivo de grãos tiveram redução de 65%, e as destinadas a verduras de 91%, segundo pesquisa feita por Awni Taimeh, da Universidade da Jordânia.

Nos últimos anos os agricultores da área onde vive Abu Waleed notaram mudanças meteorológicas. Além de menos chuvas, aumentaram as temperaturas, e essas duas alterações deram lugar a mais pragas e insetos. O governo deve ajudar na adaptação a esses efeitos, reclamam os agricultores. Algumas autoridades também admitem que é preciso fazer mais.

Hussein Badarin, do Ministério do Meio Ambiente, trabalha em políticas sobre mudança climática há quase duas décadas. “Não há coordenação suficiente” entre as pessoas e instituições que atuam na matéria, reconheceu à IPS. Por exemplo, um ministério pode precisar de dados que um pesquisador compilou, mas nenhum dos dois sabe que o outro existe.

O que resta do rio Zarqa parece um lixão inundado. Garrafas de plástico, pratos e sacos de lixo flutuam sobre uma superfície verde, sem mencionar o que há por baixo. A água está tão contaminada que os agricultores não podem usá-la. Para regar, bombeiam água do subsolo, explicou Suheib Jamaiseh, coordenadora local da Organização de Mulheres Árabes, sócia de um projeto administrado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) para fortalecer a capacidade das comunidades da bacia para se adaptar à mudança climática.

Entretanto, os aquíferos de onde se tira água estão se esgotando a um ritmo duas vezes maior do que a recarga, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) na Jordânia. Uma avaliação realizada como parte do projeto da UICN mostra que o bombeamento ilegal da camada freática, a escassez de chuvas e as altas temperaturas afetarão diretamente “os níveis da água subterrânea e a qualidade da produção hídrica e do solo”. “Pestes, mato, uso de produtos químicos e irrigação, tudo aumentou”, diz o informe. Os impactos da mudança climática também reduziram a área produtiva, sua qualidade e o rendimento.

Abu Yazan, um agricultor de voz suave de Ruseifa, na bacia do Zarqa, instalou um sistema de irrigação por gotejamento que é mais eficiente e aumenta a produção. Ele estima que uma área de dois mil metros quadrados com esse tipo de irrigação produz três toneladas de cenouras, enquanto o rendimento cai pela metade com técnicas convencionais.

Yazan tem que filtrar a água bombeada antes de usá-la. “Nunca havíamos usado bombas elétricas como esta”, disse, mostrando uma que joga água dentro de um depósito. O governo central ou a municipalidade deveriam vir a cada temporada e ajudar a limpar a área para que a água esteja mais limpa, afirmou. “O problema maior é a água”, disse, por sua vez, Abu Waleed, o agricultor do vizinho Jirbet al Hadeed. Não só a quantidade é insuficiente, mas seu grau de acidez é excessivo, ressaltou. “Não se nota no sabor, mas se percebe ao cultivar”, acrescentou.

Enquanto percorremos sua plantação de hortaliças, Waleed aponta o alho com o qual experimenta sua resistência ao calor, pois certas plantas reagiram mal. Há 50 anos, as plantas de alho cresciam tão altas que “não se podia caminhar”, recordou. Agora, mal chegam à nossa cintura. Em outra parte retira do solo um rabanete do tamanho de seu dedo mindinho. Os insetos comem as folhas dessas plantas, que então morrem, explicou.

Walled disse que os bichos e as pestes “aparecem com o calor” e arruínam as plantas e a produção. Ele ainda não encontrou uma maneira para erradicar com sucesso os insetos, mesmo usando pesticidas. “O Ministério da Agricultura tem de fazer algo”, ressaltou. Além do impacto direto da mudança climática sobre a agricultura praticada por produtores como Yazan e Waleed está o problema da segurança alimentar.

Apenas 5% da terra da Jordânia é arável, segundo a primeira Política Nacional sobre Mudança Climática, divulgada este ano. Contudo, mesmo essa pequena superfície se encolhe pela urbanização, construção e as chuvas minguantes. E, portanto, cai a autossuficiência jordaniana de certos alimentos. Os tomates e pepinos bastam para cobrir o consumo interno, mas é preciso importar trigo, arroz e cevada. Em 2005, nesse país se plantava 4,6% do trigo que se consumia. Em 2011, essa proporção caiu para apenas 1,8%, segundo o Departamento de Estatística. Envolverde/IPS