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Agricultura haitiana sob risco permanente

A erosão dos solos no Haiti é evidente por todos os lados. Foto: Patricia Grogg/IPS

Porto Príncipe, Haiti, 16/4/2013 – No Haiti, ao contrário de muitos outros países, um aguaceiro comum pode causar inundações devastadoras devido à falta de mecanismos naturais de contenção e absorção das chuvas. Este e outros eventos meteorológicos cada vez mais frequentes impõem desafios à segurança alimentar do país.

Estes riscos de origem natural, pelos quais a mudança climática tem grande responsabilidade, figuram entre os desafios maiores no desenvolvimento de uma agricultura sustentável, admitiu Philippe Mathieu, ex-ministro da Agricultura e atual assessor do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organização das Nações Unidas (ONU).

O especialista considera necessário se antecipar e ajudar os camponeses a disporem de variedades mais resistentes e sistemas de produção resistentes à mudança climática, bem como para enfrentar problemas como secas e tempestades tropicais. “Também devemos trabalhar com a comunidade, capacitá-la para prevenir os problemas”, disse à IPS.

Wilson Sanon, educador popular e funcionário da Plataforma Haitiana para a Defesa de um Desenvolvimento Alternativo, coincidiu com Mathieu neste ponto. “Para se adaptar à uma mudança climática, que pode agravar os problemas do setor agrícola, é necessário formar os produtores em boas práticas agroecológicas e realizar intercâmbios de experiências em níveis local, regional e internacional”, indicou à IPS.

Entretanto, Sanon também considera que seu país exige formação de técnicos, reforma agrária, acesso a créditos em condições favoráveis e capacitação para os camponeses, centros de conservação e transporte de grãos e de outros produtos, mercado seguro e aumento de 30% a 35% nas tarifas aduaneiras para proteger a produção nacional da invasão de importados a preço baixo.

“É preciso fortalecer as capacidades dos camponeses. É uma mescla: nas grandes áreas fiscais pode-se fazer agricultura intensiva, enquanto se incentiva os produtores de pequena escala a serem mais eficientes, combinando cultivos para consumo próprio e para vender ou exportar”, segundo Mathieu.

Um informe da Oxfam América indica que o setor agrícola do Haiti retrocedeu 4% entre 2000 e 2010 devido à erosão do solo, aos investimentos insuficientes em matéria de irrigação e de insumos agrícolas, e pelo impacto crescente das mudanças climáticas. O corte indiscriminado de árvores realizado nos últimos 50 anos é causador direto da degradação de aproximadamente dois terços das terras cultiváveis. Não há floresta nem raízes nas montanhas, e quando chove a terra desliza. O governo espera elevar de 2% para 5% a massa florestal nos próximos três anos.

Para enfrentar o desafio de desenvolver o setor agrícola em condições tão adversas, Mathieu considerou que o “mais importante” é levar adiante programas que incluam a preocupação ambiental, incluída a reconstrução dos solos e a atenção com a produtividade. “Não se produz o suficiente para o consumo do país”, alertou Mathieu. Segundo seus dados, 55% dos alimentos consumidos pela população local são importados, uma direta consequência da política de abertura de fronteiras e liberalização do mercado aplicada desde 1983 pelo então ditador Jean-Claude Duvalier (1971-1986).

Vigente até hoje, essa política neoliberal se traduziu em uma queda na produção nacional e na renda da agricultura, segundo várias fontes ouvidas pela IPS. Para elevar a produção, Mathieu recomendou cultivos favoráveis para a época de menor perigo de tempestades e furacões, de junho a novembro, e a introdução de variantes de sementes e tecnologias nas pequenas propriedades que ajudem a mitigar os riscos, como irrigação por gotejamento e cultivo no inverno, entre outras.

Em sua opinião, os maiores esforços devem se focar em produzir mais em todas as cadeias, começar com aquelas em que se aprecia um “certo nível de competitividade”, como, por exemplo, com tubérculos como mandioca e batata-doce, e depois integrar a produção em um sistema que ajude a proteger o meio ambiente, “principalmente” os sistemas agroflorestais.

“Pelo meu ponto de vista, o primeiro a se fazer é aumentar o rendimento e, ao mesmo tempo, desenvolver uma agricultura que proteja o entorno. Assegurado isso, um desafio maior aponta para dar valor agregado aos produtos, cujo benefício deve chegar aos camponeses”, apontou Mathieu, resumidamente.

O especialista diz que estão em marcha alguns esforços nesse sentido, com experiências que caminham bem, mas alerta que é preciso integrá-las em uma política estatal clara, que não existe. “O Ministério da Agricultura tem documentos sobre política agrícola, embora no terreno não haja nada concreto”, destacou.

Mathieu também observou que é necessário aumentar na população a percepção do perigo que significa a mudança climática para um país extremamente vulnerável a eventos meteorológicos extremos e elevados níveis de pobreza. “As pessoas estão mal preparadas para enfrentar desastres que podem ser maiores no futuro”, alertou. Nesse sentido, considerou que a educação ambiental deve estar focada para a mudança climática e os desafios que impõe.

“Quando as pessoas devem enfrentar tantos desafios para sobreviverem diariamente, é difícil falar-lhes de desafios que terão que enfrentar dentro de 50 anos, como o aumento do nível do mar. Alertar e se antecipar ao que virá cabe, então, à parte organizada da sociedade e também ao Estado”, ressaltou Mathieu. Envolverde/IPS