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Acabemos com a guerra às drogas, pedem prêmios Nobel de Economia

Jovem fumando diamba (maconha) na capital de Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS
Jovem fumando diamba (maconha) na capital de Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS

 

Nações Unidas, 7/5/2014 – Cinco ganhadores do prêmio Nobel de Economia, entre outros especialistas, afirmam que a guerra às drogas é um grande fracasso, uma enorme carga financeira e uma violação dos direitos humanos básicos, em um informe que será divulgado hoje pela London School of Economics (LSE). “A implantação de uma estratégia mundial de guerra às drogas militarizada e de observância legal produziu enormes consequências negativas e danos colaterais”, conclui o grupo de especialistas da LSE que redigiu o informe sobre a economia das políticas antidrogas

Esse grupo é integrado por 13 acadêmicos, apoiados por sete personalidades, entre elas cinco economistas ganhadores do Nobel, o ex-secretário de Estado norte-americano, George Shultz e o atual vice-primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Nick Clegg. Durante anos, a oposição à proibição das drogas foi associada a setores marginalizados, como os próprios usuários ou os familiares de condenados pela posse de quantidades mínimas de substâncias ilegais.

Agora, os economistas, as mais improváveis vítimas da guerra às drogas, mas atores vitais para seu desarmamento, dão sua contribuição. “O informe da LSE articula em muitos sentidos o que se disse antes, que estamos desperdiçando enormes recursos financeiros e humanos em nome de um modelo falido”, afirmou Kasia Malinowska Sempruch, diretora do Programa Mundial de Políticas sobre Drogas da Open Society Foundations.

Essa organização, do magnata, investidor e filantropo George Soros, busca promover a adoção de políticas públicas que respeitem a democracia e os direitos humanos. “A questão da economia” das políticas antidrogas “nunca foi calibrada com a força que se faz hoje”, destacou Malinowska à IPS. Cada vez mais países estão expressando seu descontentamento com as políticas proibitivas que lhes impuseram potências como os Estados Unidos, até agora o maior mercado de drogas ilegais.

Em 2012, um comunicado dos chefes de Estado da Colômbia, Guatemala e do México solicitou ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a revisão “urgente” das políticas antidrogas. No ano passado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) publicou um informe que pedia a flexibilização dessas políticas e que se levasse em conta a possibilidade de sua despenalização.

Na Assembleia Geral da ONU de 2013, o presidente da Guatemala, Otto Pérez Molina, qualificou de “visionária “ a legalização da produção e do consumo de maconha adotada pelo Uruguai, e, com diferentes alcances, os Estados de Washington e Colorado, nos Estados Unidos. Em dezembro de 2013, vazou um documento interno contendo recomendações dos Estados membros da ONU, que revelava a disposição de muitos países em expressar sua inquietação particularmente.

O informe da LSE sustenta que as medidas de intervenção não conseguem nem mesmo seus objetivos mais elementares. “A evidência mostra que os preços das drogas baixaram enquanto sua pureza aumentou”, afirmam seus autores. Os US$ 100 bilhões de dólares gastos a cada ano em todo o mundo na aplicação de medidas legais e policiais relacionadas com as drogas se desperdiçam em sua maior parte e geram custos maiores para o futuro.

Um estudo da ONU, mencionado por esse documento, determina que cada dólar gasto em terapias de substituição de opiáceos, como a metadona, “pode produzir um retorno entre US$ 4 e US$ 7 por redução da delinquência, dos custos judiciais e dos furtos relacionados com as drogas”. Quando se contabiliza os custos de cuidados de saúde, “a economia total pode superar os custos na proporção de 12 para um”. Mas, quando se favorece a proibição, o consumo de drogas pode provocar crises sanitárias.

A Rússia, um dos poucos países que proíbe a metadona, tem uma taxa de vírus HIV – causador da aids – que duplica com juros a da maioria dos países da Europa ocidental. No ano passado, o governo russo registrou 55 mil novos casos de HIV, dos quais 58% em usuários de drogas intravenosas. Na recém-anexada Crimeia, as autoridades anunciaram que cancelarão as terapias de substituição de opiáceos.

As leis draconianas contra as drogas podem ter um efeito punitivo para toda a força de trabalho de um país. Em 2000, o governo da Polônia penalizou a posse de quantidades menores de drogas ilícitas. Nos dez anos posteriores, mais de cem mil poloneses passaram a ter antecedentes penais por esse motivo, e agora não podem conseguir empregos no setor público.

Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos o negócio das prisões privadas e das empresas de defesa se beneficiou em grande parte graças ao investimento na aplicação das leis antidrogas e em alojar os presos condenados por esses crimes. Entre 1979 e 2009 a população carcerária norte-americana cresceu 480%, chegando a 2,2 milhões de pessoas. Vinte por cento delas e a metade das que estão em prisões federais cumprem pena por crimes relacionados às drogas.

Informes como o da LSE preparam o cenário para 2015, quando a Assembleia Geral da ONU realizará uma sessão especial dedicada ao futuro das políticas antidrogas. Em 2013, pela primeira vez, a maioria dos norte-americanos se mostrou a favor da legalização da maconha. Mas, nos Estados Unidos e no resto do mundo, as leis estão atrás da evolução dos costumes.

Apesar das vitórias legislativas no Uruguai, em Portugal e alguns Estados norte-americanos, a grande maioria dos 230 milhões de consumidores de drogas em todo o mundo vive em países que gerenciam essas substâncias de acordo com dois rigorosos tratados da ONU: a Convenção Única sobre Entorpecentes (1961) e o Convênio sobre Substâncias Psicotrópicas (1971).

Porém, há países que preferem ignorar a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, órgão de supervisão da ONU com poderes praticamente judiciais, se ao se desconhecer as convenções consegue-se benefícios.

“As convenções são apenas um reflexo do que os Estados veem nelas”, afirmou John Collins, coordenador do Projeto Ideias de Política Internacional de Drogas, da LSE. Os países “estão percebendo que as convenções são muito mais flexíveis do que se interpretara antes”, apontou à IPS. “Estamos chegando a um ponto de inflexão”, acrescentou.

Há cerca de duas décadas a adesão aos convênios implicava poucas consequências políticas para os Estados membros, e menos ainda para aqueles, como os Estados Unidos, que as redigiam nos bastidores. Mas eliminar suas inumeráveis ramificações nos acordos comerciais e no direito internacional exigirá muito mais do que o uso da caneta. Muitos países pequenos que se veem prejudicados pela guerra contra as drogas preferem arriscar seu capital político em temas menos problemáticos.

“A Assembleia Geral de 2016 será um grande sucesso”, destacou Collins. “Mas creio que devemos argumentar com mais intensidade para que a ONU deixe de atuar como um capanga nesse assunto. “O mais importante é que o que estão fazendo os Estados membros nos âmbitos nacional e regional. Vamos ver como reagem à regulamentação da maconha”, acrescentou. Envolverde/IPS