Arquivo

A UE se protege das economias emergentes

Berlim, Alemanha, 2/10/2012 – Durante muitos anos, a União Europeia (UE), como bloco, e seus Estados, de forma individual, estiveram entre os mais fortes defensores do livre comércio, apresentando-o como receita para o crescimento econômico e o bem-estar em todo o mundo. Contudo, como a bancarrota financeira internacional em 2007 desatou uma grave crise de dívida soberana e uma queda econômica na maioria dos países europeus, hoje as instituições, os governos e representantes de alguns setores industrializados da UE pedem a adoção de medidas protecionistas, especialmente contra países emergentes que surgem como competidores, como Brasil, Coreia do Sul, China e Índia.

Esta mudança drástica do bloco em sua postura diante do comércio internacional ficou evidente neste verão boreal, quando fabricantes alemães de painéis solares e o governo esquerdista de François Hollande na França exortaram a UE a adotar proteções contra a competição chinesa e a suspender um Tratado de Livre Comércio (TLC) com a Coreia do Sul. O ministro francês de Recuperação Produtiva, Arnaud Montebourg, denunciou em agosto o “inaceitável dumping (práticas de comércio desleal) por parte de fabricantes de automóveis coreanos, como Hyundai e Kia”. Segundo Montebourg, “a Europa pode abrir seus mercados, mas deve se render” aos competidores econômicos desleais.

A evolução das atuais tendências industriais sugere que a Europa estaria efetivamente em atraso econômico. A legendária montadora francesa Peugeot acumulou perdas de 1,2 bilhão de euros (US$ 1,545 bilhão) entre julho de 2011 e junho de 2012, e anunciou demissões de mais de oito mil trabalhadores na França e em países do leste europeu. Enquanto isso, os fabricantes sul-coreanos aumentaram substancialmente suas exportações para a Europa. Segundo dados divulgados no dia 29 de agosto pela Comissão Europeia, órgão executivo da UE, as exportações da Hyundai para a França cresceram 48% no primeiro semestre de 2012. No mesmo período, as vendas europeias de automóveis para a Coreia do Sul caíram 13%.

Porém, estes números por si só não são suficientes para justificar os chamados europeus ao protecionismo. Segundo a Hyundai, bem mais de metade dos 400 mil automóveis vendidos na Europa, entre janeiro e julho deste ano, foram, de fato, fabricados em países da UE, como a República Checa. Além disso, o TLC habilitou apenas uma queda marginal das tarifas alfandegárias sobre carros pequenos sul-coreanos, de 10%, antes do acordo, para 8,3%, a partir de julho de 2011, e a 6,6% desde julho passado.

Entretanto, como outros atores industriais franceses – desde fabricantes de barcos e trens de alta velocidade até construtores de centrais nucleares – perderam licitações para competidores sul-coreanos, estes últimos passaram a ser para a UE a encarnação de um rival forte e supostamente desleal. Segundo o último informe de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, o desempenho econômico da Coreia do Sul em 2011 superou o da França. Mas esse país asiático não é a única ameaça.

Vinte e seis produtores europeus, liderados pelos fabricantes de painéis solares, que estão à beira da bancarrota devido a uma forte presença chinesa no mercado, exortaram a União Europeia a adotar medidas antidumping contra competidores chineses. Argumentaram que Pequim concede aos seus industriais subsídios ilegais que lhes permitem fixar preços abaixo dos custos de produção.

Essas práticas, segundo o grupo EU ProSun, que representa a maioria das empresas europeias da indústria solar, “são distorções injustas” do comércio internacional. A Organização Mundial do Comércio permite que os governos atuem contra o dumping quando há um prejuízo genuíno à indústria nacional. Em 2011 a Europa foi o destino de 60% das exportações chinesas de painéis solares. No dia 6 de setembro, a UE anunciou que responderia ao pedido da EU ProSun lançando uma investigação oficial sobre os subsídios e as práticas comerciais de Pequim.

A UE também desenvolveu um novo conceito de comércio internacional que, segundo especialistas em economia e analistas, claramente inclui novas medidas protecionistas. Estas, provavelmente, afetarão países emergentes como Índia, Brasil e África do Sul, que formam o bloco Ibas, bem como China, Coreia do Sul e Vietnã. Em uma análise divulgada em julho, intitulada A Próxima Década de Política Comercial da UE: Confrontando Desafios Globais?, o Instituto de Desenvolvimento em Ultramar (ODI), com sede em Londres, alertou: “Há grande preocupação de que a UE esteja avançando para o protecionismo”.

O ODI colocou sob mira as propostas sobre comércio internacional aprovadas em maio passado pela Comissão Europeia. Essa nova agenda, que se espera esteja em vigor a partir de janeiro de 2014, prevê uma reforma do Sistema Generalizado de Preferências (SGP), que orientou as políticas comerciais do bloco com os países do Sul em desenvolvimento desde 1971. Pelas novas disposições, vários dos grandes países em desenvolvimento seriam excluídos do SGP, que lhes concede franquias e reduções alfandegárias.

Além disso, o SGP reformado estabeleceria novos padrões ambientais, trabalhistas e sociais a serem respeitados pelas nações do Sul para comercializar com a UE. O informe do ODI alerta que o número de países aptos para o comércio preferencial com o bloco europeu cairá dos atuais 175 para cerca de 80 num futuro próximo.

Dirk Willem te Velde, chefe do Grupo sobre Desenvolvimento Econômico Internacional do ODI, expressou seu temor de que “a UE retorne ao protecionismo, especialmente em sua relação com os chamados países Brics” (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Acrescentou que “a reforma do SGP provavelmente imporá mais barreiras ao comércio sobre uma gama de produtos e países se estes não estiverem beneficiados por um TLC recíproco com a UE”.

Christopher Stevens, coautor do estudo, disse que o novo regime de SGP excluiria os chamados países de renda média e alta das preferências, inclusive atingindo produtos dessas nações que não competem com a UE. O bloco europeu justifica essa mudança dizendo que essas nações “estão suficientemente bem integradas à economia mundial e, portanto, não necessitam do SGP”, acrescentou, ressaltando que isto, supostamente, “aliviará a pressão sobre os países em desenvolvimento menos competitivos e focará as preferências nos que mais necessitam”.

No entanto, isto não resiste a uma simples análise, prosseguiu Stevens. Os países de renda média e alta não são representantes das nações emergentes competitivas, escreveu em seu informe, incluindo exemplos da discriminação que entrará em vigor após a reforma. “Sob o novo regime, a China continuará dentro do SGP, mas Cuba será excluída. Indonésia e Tailândia permanecerão, mas Gabão e Namíbia não”, destacou. Envolverde/IPS