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A Terra precisa de advogados contra “ecocídios”

Aarhus, Dinamarca, 17/6/2011 – As imagens da imensa mancha negra de petróleo que cobriu o Golfo do México percorreram o mundo como testemunho de um dos maiores desastres ambientais da história. Outras, como as da “Grande Mancha de Lixo do Pacífico” – uma gigante pilha de dejetos que flutua no Norte deste oceano –, as das incontáveis árvores cortadas na Amazônia ou das areias de alcatrão do Canadá, não tiveram tanta repercussão, mas também atestam o preço que tem a ambição humana.

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Bancos de areia nas Ilhas Chandeleur.
Para impedir desastres semelhantes e exigir justiça em nível mundial, a advogada e ativista Polly Higgins, radicada em Londres, apresentou, em abril de 2010, uma proposta legal à Organização das Nações Unidas (ONU) para considerar os danos ambientais graves como crime contra a paz, chamando-os de “ecocídios”. O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado em 2002 para julgar casos contra quatro tipos de crime contra a paz: genocídio, crimes de guerra, de agressão e contra a humanidade.

“As legislações nacionais ambientais não são suficientes”, disse Higgins. “Temos um enorme dano e destruição ocorrendo diariamente, e se agrava, não diminui”, acrescentou. Sua proposta define “ecocídio” como “a vasta destruição, dano ou perda de ecossistemas de um determinado território, seja por causa humana ou outras, em tal nível que o gozo pacífico de seus habitantes seja severamente reduzido”.

Higgins afirmou que, na verdade, ela vê o planeta Terra como “um cliente que realmente necessita de um bom advogado”. E, “reconhecer o ecocídio significaria uma expansão de nosso círculo de preocupação. Já não seria apenas o dano de humano para humano, mas de humano para toda a comunidade da Terra”, destacou.

A advogada também explicou que existe um círculo vicioso nas relações da humanidade com a natureza: a exploração intensiva dos recursos esgota e degrada os ecossistemas, o que gera conflitos entre as pessoas, às vezes armados. A guerra, por sua vez, provoca danos em grande escala no meio ambiente. A deterioração ambiental maciça durante tempos de guerra já é proibida.

O artigo sobre “crimes de guerra” no Estatuto de Roma, que deu origem ao TPI, proíbe “o dano de longo prazo e severo do meio ambiente” em certas condições. A convenção sobre a proibição de utilizar técnicas de modificação ambiental com fins militares ou outros fins hostis proíbe o uso do meio ambiente como arma nos conflitos armados. A proposta de Higgins busca estender essas proibições para tempos de paz. Embora haja diferentes caminhos para um caso ser levado ao TPI, ela acredita que os “ecocídios” provavelmente se basearão em informação apresentada por organizações não governamentais e comunidades locais.

A proposta é que o TPI castigue os responsáveis por “ecocídios” e ordene a restauração do dano em lugar do pagamento de multas, pena comum nas legislações ambientais de muitos países. Várias corporações conscientes das sanções financeiras simplesmente incluem as multas em seu orçamento de despesa, alertou Higgins.

“Sem dúvida, há uma brecha na lei internacional” em matéria ambiental, afirmou, por sua vez, David Hunter, professor associado de direito na American University, que destaca, particularmente, a vulnerabilidade dos países do Sul em desenvolvimento que enfrentam significativos problemas ambientais, mas carecem de fortes sistemas legais para vencê-los. “É necessário algo assim, que se expanda o direito penal internacional e sejam cobertos os problemas ambientais atrozes. Creio que é uma boa ideia. Agora, se receberá apoio e quanto tempo durará esse apoio é outro tema”.

Hunter explicou que os crimes julgados pelo TPI são atos deliberados. A destruição ambiental, por outro lado, é resultado da negligência. Além disso, estas ações, como no caso da extração de areias de alcatrão no Canadá, devem ser consideradas ilegais em nível local.

Alguns veem a proposta contra o “ecodídio” como outra tentativa de “destruir a prosperidade, criminalizando as necessárias atividades econômicas”. Foi o que disse Wesley J. Smith, do Centro sobre Excepcionalismo Humano do Instituto de Descobrimento. Em um artigo publicado em maio de 2010 pelo neoconservador The Weekly Standard, Smith disse que “equiparar a extração de recursos e/ou a contaminação com o genocídio trivializa os verdadeiros males como a matança de Ruanda, os campos de extermínio do Camboja, os Gulag (campos de trabalhos forçados na União Soviética), e eleva os sistemas ambientais indefinidos ao status moral de populações humanas”,

Contudo, Higgins disse que esperava mais oposição além da que já recebeu. “Em certa medida, estou na mira”, afirmou com um sorriso. Para ser reconhecida, a proposta de “ecocídio” deve ser aprovada por pelo menos dois terços dos votos na ONU e adotada por todos os Estados-membros. Entretanto, a proposta da advogada vai além de dissuadir atividades potencialmente destrutivas e castigar os responsáveis.

“Precisamos criar anistia, dar um período de transição onde possamos ajudar as companhias a serem limpas, com soluções verdes, porque necessitamos da atividade das grandes corporações. Não se trata de julgar ninguém”, afirmou Higgins. “Pois, de fato, somos todos cúmplices. A energia que chega na minha casa, por mais que eu queira que procedesse de energias renováveis, não o é. Se dirijo meu carro estou usando combustível fóssil”, acrescentou. Envolverde/IPS