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A política fica com o melhor do celeiro palestino

Tudo o que resta de uma casa demolida na aldeia de Jiftlick, no Vale do Jordão. Foto: Jillian Kestler-D’Amours/IPS
Tudo o que resta de uma casa demolida na aldeia de Jiftlick, no Vale do Jordão. Foto: Jillian Kestler-D’Amours/IPS

 

Jiftlick, Palestina, 17/9/2013 – No Vale do Rio Jordão, as exuberantes hortas e as estufas rodeadas por cercas são dos assentamentos israelenses e se beneficiam da água abundante. Já os palestinos, sem acesso às suas terras e a outros recursos, lutam para obter os cultivos mais básicos. “Para os agricultores é uma luta”, disse Ahmad Said Moahri à IPS em sua casa em Jiftlick, uma aldeia palestina do Vale do Jordão. “Às vezes perdemos dinheiro trabalhando a terra, mas não podemos partir, porque se o fizermos Israel ficará com a terra”, afirmou Moahri.

Este homem de 46 anos possui quase cinco hectares em Jiftlick. Em uma parte planta verduras (berinjela, tomate, abobrinha) e o resto aluga para outro produtor local. A agricultura lhe rende anualmente entre US$ 4.200 e US$ 5.600, e, para manter sua família, entre setembro e janeiro empacota tâmaras em uma fábrica em Massu’a, um assentamento ilegal perto de sua aldeia. “Desde que essa colônia foi criada, Israel lhe deu tudo. Para nós não há nenhum apoio governamental, mas no assentamento tem”, contou Moahri. Seu salário é de US$ 2,80 por hora e ganha entre US$ 3.400 e US$ 4 mil por ano trabalhando na fábrica.

Segundo um informe do Centro Ma’an de Desenvolvimento, em Massu’a, são destinados 180 hectares à agricultura, onde são produzidos berinjela, pimentão, abobrinha, pepino, melancia, melão e tâmara. “A localização geográfica dos assentamentos no Vale do Jordão está determinada pelo importante potencial agrícola da região. Além do mais, estas colônias se estabeleceram e mantiveram sua produção para exportar”, diz o documento.

O Vale do Jordão constitui quase 30% da Cisjordânia; 87,5% desta região corresponde à Área C, sob total controle militar de Israel. Nesta planície vivem cerca de 9.300 colonos israelenses e 65 mil palestinos. Estes últimos têm proibido o acesso a quase 95% do Vale, porque metade da terra é usada pelos assentamentos judeus e o exército israelense declarou os outros 45% como zona militar fechada, proibida aos palestinos.

O Vale do Jordão é conhecido como celeiro da Palestina, pois a maior parte das terras cultiváveis da Cisjordânia está aqui. Em um informe de 2010, o Banco Mundial indica que, se os palestinos tivessem acesso a cinco mil hectares a mais de terras e a mais recursos hídricos na área, poderiam obter renda de US$ 1 bilhão ao ano. Esse potencial econômico não passa despercebido para os dirigentes palestinos e israelenses.

Enquanto as conversações de paz entre as duas partes seguem, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) voltou a insistir que a criação de um Estado palestino é impossível se não for assegurado o controle de Jericó e do Vale do Jordão. “Estamos comprometidos a consegui-lo. Dissemos mais de uma vez”, declarou no mês passado o presidente da ANP, Mahmoud Abbas. Já o governo israelense vê o Vale como uma zona de segurança importante que o separa da Jordânia, e dá um generoso apoio econômico aos assentamentos e às suas indústrias na área.

Por seu lado, o governo da ANP fez muito pouco para apoiar os palestinos do Vale. Nunca destinou mais de 1% de seu orçamento ao setor agrícola, e entre 2001 e 2005 mais de 85% do orçamento foi para pagar salário de funcionários públicos. A contribuição da agricultura para o produto interno bruto (PIB) da Palestina caiu de 13,3%, em 1994, para 5,7%, em 2008, segundo informe da organização não governamental Al Shabaka.

“O apoio que recebemos como agricultores é menor do que precisamos. O governo não se importa com a situação agrícola. A atividade foi prejudicada porque a ANP a desatendeu. E não mudou de estratégia”, denunciou Moahri. Por sua vez, Moayyad Bsharat, dirigente da União de Comitês de Trabalho Agrícola em Jericó, apoia os agricultores palestinos na Cisjordânia e em Gaza.

Segundo os Acordos de Oslo de 1993 a ANP não pode apoiar os camponeses marginalizados que trabalham na Área C, pontuou Bsharat à IPS. “A primeira solução é acabar com os Acordos de Oslo. A solução no Vale do Jordão é 100% política. Estamos falando de direitos. Os agricultores querem ter acesso aos seus recursos naturais, terra, água, cultivos, e isto não será alcançado sem uma grande solução política”, enfatizou.

No entanto, Israel tenta forçar os palestinos a abandonarem a área, e explora os recursos e o potencial econômico da área, indicou Bsharat. “As colônias israelenses do Vale têm três milhões de tamareiras, que dão anualmente milhões de dólares ao governo israelense. Têm as uvas, as flores. Todas essas coisas são exportadas e dão grande lucro a Israel”, acrescentou. Contudo, o Moahri vê seu trabalho como uma forma de resistência. “Amo a terra e nosso lar está aqui. Por isso, não posso abandoná-la. Não há um dia que não visite, ou olhe ou me ocupe da minha terra”, afirmou. Envolverde/IPS