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A indústria chega ao Nordeste pobre por mar

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Porto de Pecém em operação.
Fortaleza, Brasil, 23/8/2011 – O brasileiro Porto de Pecém recebeu um pedido para desembarcar e armazenar os componentes de uma fábrica de cimento importada da China, que foi impossível de ser aceito como chegou. É que o carregamento ocuparia 40 mil metros quadrados, quase metade da área de armazenagem do terminal.

A solicitação foi enviada há um mês, mas continua em estudo porque o diretor de Implantação e Expansão de Pecém, Hernani de Carvalho Junior, encontrou uma solução prática. Sugeriu receber os equipamentos em “pulmão”, isto é, divido em duas partes de maneira que a segunda entre no porto depois da retirada da primeira, reduzindo desta forma a metade do setor ocupado.

O pedido incomum é também emblemático do processo de industrialização que vive o Nordeste, a região mais pobre do Brasil. Boa parte desses investimentos foi atraído pela instalação de portos projetados também como complexos manufatureiros e de energia. Pecém compreende um polo industrial e energético em fase de instalação em área de 330 quilômetros quadrados em torno do Porto, no Atlântico, inaugurado em 2002, a 60 quilômetros de Fortaleza, capital do Estado do Ceará.

Foi concebido como “um instrumento” de atração de indústrias, contando com dois grandes projetos de arranque, uma usina siderúrgica e uma refinaria de petróleo. Embora, finalmente, “não tenha ocorrido nessa ordem, como aconteceu com o Porto” após modificação em seu projeto original para ser adaptado a “cargas gerais e contêineres”, explicou Carvalho.

As indústrias vão chegando. Cerca de 20 empresas de serviços, energéticas, produção de cimento e equipamentos de energia eólica já se instalaram no Complexo Industrial e Portuário de Pecém, administrado pelo governo do Ceará. A construção da siderúrgica agora está em andamento, com inauguração prevista para 2015, quando poderá produzir até três milhões de placas de aço ao ano, enquanto a Petrobras construirá uma refinaria com capacidade para processar 300 mil barris diários de combustível a partir de 2017.

A esses projetos somam-se duas centrais termoelétricas, também em construção, com total de 1.080 megawatts, quase o dobro da geração atual do Estado do Ceará. Por serem alimentadas a carvão mineral importado da Colômbia, sua localização vizinha ao Porto é estratégica. Contudo, todo esse progresso não está imune a críticas. Um flanco atacado é o estudo em que se baseou a construção do Porto.

João Alfredo Melo, vereador em Fortaleza pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), afirmou que não foi feita uma medição adequada das correntes marítimas e dos ventos, que “são muito fortes em agosto e setembro”. Como exemplo, Melo recordou que apenas iniciadas as operações do Porto um navio chinês não conseguiu atracar por causa dos ventos, “uma vergonha” que se tratou de corrigir com a construção de um quebra-mar em forma de L. O vereador acrescentou que, após a instalação do terminal, começou a erosão das praias a oeste de Pecém, fenômeno semelhante ao observado na capital cearense após a construção de outro porto, há 60 anos.

Melo também questiona os efeitos sociais causados pela abrupta queda dos empregos, quando as empresas começam a operar, depois da grande demanda gerada para construir os prédios que formam o polo. “Sem cadeias produtivas”, como será o desenvolvimento da siderurgia com um polo metal-mecânico, os empreendimentos anunciados gerarão uma limitada quantidade de postos de trabalho, afirmou.

Carvalho responde a essa preocupação dizendo que atrás da siderúrgica virá a indústria de laminados e, talvez, uma fábrica de veículos, enquanto a refinaria da Petrobras atrairá o setor petroquímico. Tampouco concorda que o Porto cause problemas ambientais. Pecém, está a “sete dias da costa da Espanha e a seis de Nova Jersey, nos Estados Unidos”, e sua profundidade de 18 metros no recém-inaugurado Terminal de Múltiplo Uso permite a atracação dos maiores navios “sem necessidade de dragagem”, tudo contribuindo para os baixos custos que atraem as empresas de transporte, afirmou Carvalho, entusiasmado.

Medições batimétricas comprovaram que, entre 1997 e 2009, não houve alterações na profundidade local, indicando ausência de sedimentação e, portanto, dispensando o trabalho de dragagem que encarece a manutenção dos portos, explicou o diretor de Pecém. Carvalho também assegurou que o Porto conta com equipamentos de última geração. Por essas razões seu movimento de cargas teve “um crescimento exponencial” nos últimos anos, confirmando sua vocação de futuro “hub”, disse o diretor, se referindo a um porto que opera como um cubo, para ser o centro de muitas rotas marítimas.

O porto de Pecém é “offshore”, como são chamados os que possuem atracadouros distantes da costa, neste caso protegidos por um quebra-mar de 1.768 metros de comprimento, unido aos armazéns em terra por pontes ferroviárias e dutos. Agora está em fase de ampliação, com a meta de receber 5,6 milhões de toneladas de carga em 2012, quase o dobro das operações em 2010.

Sua grande vantagem logística, ao se localizar três mil quilômetros mais próximo da Europa e dos Estados Unidos do que o Porto de Santos, no Estado de São Paulo, o principal porto brasileiro. Entretanto, seu objetivo principal é impulsionar o desenvolvimento do Ceará, para que também se replique em toda a região Nordeste, ao integrar o polo industrial e atividades portuárias.

As indústrias instaladas e projetadas estão separadas do Porto por seis quilômetros, espaço destinado a preservar dunas, fauna e flora naturais, em um sistema de reserva ambiental. Os projetos de estradas, uma ferrovia e os dutos, além das isenções de impostos para empresas exportadoras, asseguram as condições atraentes para os investimentos.

A isso somam-se outros fatores a favor da industrialização do Nordeste, como um mercado em expansão carente de produção local em muitas áreas, como nos casos do aço e dos derivados de petróleo, e mão de obra mais barata do que no Centro e Sul desenvolvidos do Brasil, embora com escassa capacitação. A economia do Ceará cresceu 7,9% no ano passado, ficando em terceiro lugar entre os Estados do Nordeste, superado por Pernambuco e Bahía. Essa região registra médias superiores ao crescimento nacional nos últimos anos.

Pernambuco foi o campeão nacional em 2010, com seu produto crescendo 9,3%, em grande parte devido à contribuição de outro complexo portuário e industrial, o de Suape, na região metropolitana de Recife. É o espelho no qual Pecém se mira. Suape, um superporto pioneiro concebido nos anos 1970, só amadureceu efetivamente na década passada. Agora conta com mais de cem empresas instaladas e 130 projetos em andamento, com investimentos estimados em US$ 25 bilhões e cerca de 50 mil empregados na construção.

A Petrobras constrói nessa área uma refinaria que deverá ficar pronta em 2014 e uma enorme unidade petroquímica. Também funciona um estaleiro, ao qual estão associados capitais da Coreia do Sul, que emprega 7.400 trabalhadores desde 2008, e são numerosas as indústrias de bebidas, cerâmica e alimentos já instaladas.

Pecém e Suape estarão unidos dentro de alguns anos pela ferrovia Transnordestina em construção, que avança pelo interior semiárido do Nordeste. Toda uma infraestrutura que comporá, com muitas estradas em ampliação ou sendo reformadas, um sistema de transporte para uma industrialização que está meio século atrasada com relação ao Sudeste do Brasil. Envolverde/IPS