Internacional

A igualdade continua sendo um sonho para as mulheres do Nepal

Uma mulher assiste a uma reunião de um grupo de apoio a familiares de desaparecidos na cidade nepalesa de Biratnagar. Foto: Amantha Perera/IPS
Uma mulher assiste a uma reunião de um grupo de apoio a familiares de desaparecidos na cidade nepalesa de Biratnagar. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Katmandu, Nepal, 10/4/2015 – Desde que acorda até ir dormir, a principal preocupação de Kali Sunar, uma mulher de 25 anos de Dumpada, uma aldeia no oeste do Nepal, é como poderá atender as necessidades básicas de sua família. Sua pequena propriedade produz alimentos suficientes apenas para sua família de seis pessoas para três meses ao ano.

Seu marido e seu irmão viajam à vizinha Índia para trabalhar como operários, como fazem milhares nesse país de 27,5 milhões de habitantes. “O dinheiro que enviam não é suficiente porque mais da metade é gasta em viagens de ida e volta. Se pudesse conseguir algum tipo de trabalho, seria um grande alívio”, contou Sunar à IPS.

Cerca de 23 milhões de nepaleses, ou 85% da população, vivem em zonas rurais, dos quais 7,4 milhões são mulheres em idade reprodutiva. Muitas não receberam educação formal, o que explica a taxa de alfabetização feminina de 57,4%, em comparação com a masculina, de 75%.

Especialistas garantem que, enquanto não alcançarem a igualdade com os homens, as mulheres, como Sunar, permanecerão presas em suas vidas de pobreza. O Nepal assinou vários tratados internacionais que prometem a paridade de gênero, mas muitas dessas promessas se limitam ao papel em que estão escritas.

Por exemplo, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, que o Nepal ratificou em 1991, estabelece que os Estados partes devem adotar todas as medidas necessárias para evitar a exclusão das mulheres ou a violação contra elas. Lamentavelmente, essa não é a realidade nesse país sem saída para o mar.

Para a iniciativa Hackaton pela Violência Contra a Mulher, que nasceu em um encontro de programadores de informática realizado em Katmandu em 2013, a violência de gênero é a principal causa de morte entre as mulheres nepalesas de 19 a 44 anos, mais do que a guerra, o câncer ou os acidentes automobilísticos.

A organização afirma que “22% das mulheres entre 15 e 49 anos sofreram violência física ao menos uma vez a partir dos 15 anos, 43% das mulheres sofreram assédio sexual no local de trabalho e entre cinco mil e 12 mil meninas e mulheres são vítimas do tráfico de pessoas a cada ano. Aproximadamente 75% destas últimas são menores de 18 anos e a maioria é vendida para prostituição forçada.

Kali Sunar, de 25 anos, colhe em sua pequena propriedade apenas o suficiente para alimentar sua família de seis pessoas durante três meses ao ano. Foto: Renu Kshetry/IPS
Kali Sunar, de 25 anos, colhe em sua pequena propriedade apenas o suficiente para alimentar sua família de seis pessoas durante três meses ao ano. Foto: Renu Kshetry/IPS

Os ativistas pelos direitos humanos afirmam que o país também burla sistematicamente seu compromisso com a erradicação da discriminação de gênero no local de trabalho, em matéria jurídica e em numerosos âmbitos cívicos, econômicos e sociais.

A Constituição provisória de 2007, redigida para facilitar a transição da monarquia para república federal, tomou medidas para que as mulheres, e outros grupos da população marginalizados, participassem ativamente da política segundo o princípio de representação proporcional. Na eleição de 2008 para a Assembleia Constituinte, as mulheres conquistaram 33% das cadeiras no parlamento de 601 membros. Mas esse número caiu para 30% nas eleições de 2013, e as mulheres só ocuparam 11,53% dos cargos no gabinete ministerial.

Um informe da organização não governamental Saathi, que fez um acompanhamento da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que exige das partes em conflito que respeitem os direitos das mulheres, concluiu que a participação feminina no poder judicial nepalês é apenas de 2,3%. O mesmo informe indica que há 5,6% de mulheres na Suprema Corte, 3,7% nos tribunais de apelação, nenhuma nos tribunais especiais e 0,89% nos tribunais distritais.

A representação feminina nos organismos de segurança é ainda mais preocupante, segundo um estudo de 2012. O exército tem apenas 1,6% de mulheres, a força policial armada 3,7% e a policia comum 5,7%. Só no setor da saúde as mulheres chegam a se aproximar de seus colegas masculinos, onde ocupam 4.887 dos 13.936 postos, ou cerca de 36% do total. Mas mesmo esse número é baixo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa de mortalidade materna do Nepal chega a 190 mulheres para cada cem mil nascidos vivos. Apenas 15% das mulheres têm acesso a centros de saúde. E dados do Escritório Central de Estatísticas mostram que as mulheres são proprietárias da terra ou da moradia em apenas 19,71% dos lares.

Apesar de a Organização Internacional do Trabalho indicar que a taxa de participação feminina do Nepal é superior à de seus vizinhos do sul da Ásia, com 80%, em comparação a 36% de Bangladesh, 27% da Índia, 32% do Sri Lanka e 24% do Paquistão, as mulheres que trabalham estão agoniadas pelas atitudes sociais imperantes, que lhes impõem o trabalho doméstico, além de seu emprego formal. “Isto dificulta às mulheres desempenharem em seu âmbito escolhido e ter um impacto”, destacou Mahalaxmi Aryal.

Usha Kala Rai, destacada ativista feminista e política, reconhece que o país tem muitos fundamentos jurídicos para remediar os problemas das mulheres, mas afirmou que raramente são utilizados. “Nos falta por completo a vontade política e o compromisso de aplicar essas disposições legais”, afirmou essa ativista que no passado integrou a Assembleia Constituinte e é dirigente do governante Partido Comunista do Nepal (Unificado Marxista Leninista).

Rai cobra um número maior de mulheres em postos de tomada de decisões, mas reconhece que as que chegam a ocupá-los costumam proceder da classe superior, com o privilégio de ter recebido uma boa educação, e por isso não representam necessariamente as nepalesas do restante do espectro socioeconômico.

Rai é favorável a um sistema de representação proporcional em todos os órgãos do Estado, com uma participação feminina baseada nos 52% de mulheres na população do país. “As mulheres dirigentes têm de se elevar acima das linhas do partido se realmente querem incidir”, ressaltou. Envolverde/IPS