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A cultura é o novo cenário de resistência tunisiana

Um chamado à liberdade na Tunísia. Foto: Lassad Ben Achour/IPS

 

Túnis, Tunísia, 18/4/2013 – De um lado aparece Ela, uma jovem tunisiana vestida de negro dos pés à cabeça, de outro um grupo de estudantes com trajes típicos e a bandeira nacional nos ombros dançando Harlem Shake, a dança procedente dos Estados Unidos que se tornou viral nos últimos meses. Todos representam a batalha cultural que acontece na Tunísia.

A jovem, de quem se vê apenas os olhos sob o niqab, protestou sem sucesso durante cinco meses contra a proibição de usar essa tradicional vestimenta islâmica na universidade. Ela representa o desejo dos conservadores e ultrarreligiosos salafistas de conformidade, enquanto os “bailarinos manifestantes”, usando chilaba (túnica com capuz) e kufiyya (lenço), simbolizam a nova geração nascida após a revolta de 2011.

Uma mescla de gente diversa e colorida que afirma que a cultura se tornou a nova frente de luta em defesa da democracia na Tunísia pós-revolucionária. Os defensores da laicidade afirmam que o crescimento do islamismo após o fim do regime de Zine el Abidine Ben Ali, em janeiro de 2011, representa uma erosão dos êxitos obtidos após a revolta popular que o tirou do poder.

O rapper conhecido como Weld The 15 foi condenado, há pouco tempo, a dois anos de prisão por sua música Bulicia Kleb (Os Policiais São Cães), que recebeu 650 mil visitas no site de vídeos YouTube. A atriz principal e o diretor do curta foram condenados a seis meses. “A polícia costuma usar a lei antidrogas para prender cantores, especialmente rappers, pelo consumo de maconha”, disse à IPS o jovem cineasta Adnen Meddeb, que filmou a revolta popular na capital.

Ussama Buajila e Chahine Berriche, dois artistas de rua do grupo Zwelwa (Os Pobres), foram detidos no dia 3 de novembro de 2012 por grafitarem paredes na cidade industrial de Gabes. O grafite leva o título de “As pessoas querem direitos para os pobres”. A sentença foi dada no dia 10 deste mês, e cada um foi condenado a pagar multa de US$ 50 por “grafitar em propriedade estatal” e limpar as paredes. Zwelwa denunciou o processo por considerá-lo um “julgamento político que nos recorda os métodos do regime de Ben Ali”.

O Ministério do Interior se tornou um dos lugares preferidos para expressar a resistência e onde, todas as quartas-feiras, um grupo de ativistas protesta pela morte de Chokri Belaïd, líder da opositora coalizão esquerdista Frente Popular, assassinado em 6 de fevereiro. “Toda quarta-feira nos sentamos aqui para pressionar o Ministério a responder a pergunta ‘quem matou Belaïd’”, disse à IPS o pintor Amor Ghadamsi, secretário-geral do Sindicato de Artistas Tunisianos.

O assassinato de Belaïd foi “o incidente mais grave em um clima de crescente violência, e sacudiu o país”, pontuou Ghadamsi. “Antes disso, as pessoas não se davam conta do alcance do problema que enfrentávamos. Agora queremos que as autoridades tunisianas investiguem e encontrem os responsáveis”, destacou.

O grupo realizou a manifestação desta semana em protesto pela destruição por um grupo de salafistas de uma estátua que haviam feito em homenagem a Belaïd e colocado do lado de fora da casa do líder assassinado. “A cultura é nosso meio de resistência agora”, indicou Ghadamsi, em relação ao amplo uso de grafite e a proliferação do rap politizado com letras sobre a revolução.

A decisão de protestar diante de prédios públicos simboliza a crescente desconfiança com o governante partido islâmico Ennahda, que venceu as primeiras eleições neste país após o fim do regime de Ben Ali, em outubro de 2011, com uma plataforma secular. Mas sua administração é criticada por permitir que grupos religiosos extremistas operem impunimente.

Uma das organizações extremistas é a Liga para a Proteção da Revolução (LPR), à qual são atribuídos fortes vínculos com o governo, e que teve vários enfrentamentos com a oposição e membros da União Geral Tunisiana do Trabalho (UGTT), o principal sindicato do país. Membros da LPR assumiram o golpe mortal sofrido por Lotfi Nakbu, líder do partido Nidaa Tunes, na cidade de Tataouine, em outubro de 2012, e também a destruição da estátua de Balaïd.

“Essa gente age em nome do Ennahad e seu pessoal, ex-presos contratados pelo Ennahda, que comprou suas consciências”, afirmou Jilani Hammami, porta-voz do Partido dos Trabalhadores, em uma entrevista feita no mês de janeiro pelo Tunísia Livre. O governo nega as acusações, mas muitos criticam que a LPR nunca foi processada por seus crimes. A UGT por várias vezes pediu sua dissolução, sem êxito. Diante da atitude das autoridades, muitos cidadãos consideram que não há outra opção a não ser realizar protestos criativos e não violentos.

Sua férrea aliada durante a revolta popular, a internet, ressurgiu como uma ferramenta crucial nesta guerra cultural, cujo começo ativistas situam em 25 de março de 2012, quando um grupo de salafistas atacou artistas que comemoravam o Dia Mundial do Teatro, na avenida Burguiba, centro de Túnis. Testemunhas disseram à IPS que a polícia assistiu a tudo.

Danças como Harlem Shake, originada nos Estados Unidos na década de 1980 e revivida nos últimos tempos, entre outros vídeos, se tornaram virais e, inclusive, às vezes, atraíram a atenção dos meios de comunicação de massa. Jovens tunisianos ocuparam em várias oportunidades a avenida Burguiba para comemorar os enfrentamentos desatados pela atual resistência cultural, interrompendo o trânsito sentando no meio da rua lendo livros, em uma atitude de desafio às forças de segurança.

Com o mesmo espírito, um grupo chamado Solução Artística criou o movimento Dançarei, Apesar de Tudo. Dirigidos por Bahri ben Yahmed, os dançarinos atuam em todos os espaços públicos possíveis: diante do teatro nacional, nos jardins de Belvedere, na Praça Kasbah, e também em bairros pobres da periferia. Frequentemente, espectadores e transeuntes se unem aos bailarinos criando um tipo de protesto espontâneo que se viu no início da revolta popular. “Dançar não é apenas um protesto não violento, o corpo em si mesmo é uma expressão de libertação e bem-estar”, opinou a escritora Jamila Ben Mustafa. Envolverde/IPS