Venezuela, referendo póstumo

Nicolás Maduro. Foto: http://www.liberdadefmpocoes.com.br/ Divulgação

 

Bogotá, Colômbia, abril/2013 – Depois de uma campanha de apenas de dez dias, uma das menores de sua história, e com o país fortemente polarizado mas em completa calma, quase 19 milhões de venezuelanos aptos a votar participaram da primeira eleição presidencial posterior à morte de Hugo Chávez (1954-2013).

Estas eleições se colocaram como um referendo póstumo do governo de Chávez. O povo deveria escolher entre a continuidade de sua Revolução Bolivariana e o modelo socialista, com Nicolás Maduro, ou dar uma virada para a direita centrista com o candidato de oposição, Henrique Capriles.

Chávez elevou Maduro, ex-motorista de ônibus, sindicalista e que foi seu ministro das relações exteriores, a vice-presidente e o colocou como seu possível sucessor. Quando foi anunciada sua morte em 5 de março, o Tribunal Constitucional, em uma controvertida decisão, o nomeou presidente interino da Venezuela (pela Constituição esse cargo seria do presidente da Assembleia Legislativa), e foram realizadas eleições no prazo de 30 dias.

Os seguidores de Chávez mantiveram viva a imagem do líder, recentemente desaparecido, ao longo da campanha. O divinizaram, o exaltaram em nível de “salvador”, e utilizaram sua voz convocando para as eleições de outubro a fim de incentivar a participação dos eleitores no dia 14.

Capriles, membro de uma proeminente família venezuelana, foi apoiado pelos de cima, pelo poderoso setor econômico e pela maioria dos meios de comunicação, rádio e televisão (70% são privados e apenas 5% estatais).

Chávez derrotou Capriles nas anteriores eleições presidenciais, de outubro, apesar de não estar em seu melhor momento. Estava ferido de morte pelo câncer, desgastado por 14 anos de controvertido governo, golpeado pela crise energética e carcerária, a elevada insegurança e a inflação, a maior da América. Ainda assim venceu com 55,1% dos votos contra 44,2%. O povo não quis a mudança.

Nas eleições do dia 14, Maduro venceu com 50,66% dos votos, segundo os dados divulgados na segunda-feira, dia 15, pelo Conselho Nacional Eleitoral. Capriles obteve 49,07%, somando quase 7,3 milhões de votos, 1,2 milhão a mais do que os obtidos em outubro.

É um avanço considerável da oposição. Mas Maduro teve apoio do povo que deu a vitória a Chávez nas 14 eleições realizadas em 13 anos, reconhecidas internacionalmente. Somente perdeu o primeiro referendo da reeleição indefinida, por escassa margem, mas ganhou a seguinte.

Maduro venceu agora por apenas 1,59% dos votos. Entretanto, assegurou a continuidade da Revolução Bolivariana, dos planos de integração regional, e oferece cumprir as metas de Chávez.

Com o governo chavista, a Venezuela é o país menos desigual do continente mais desigual do mundo, reduziu o índice de pobreza pela metade e baixou a indigência de 20% para 8,5% da população (Nacla, outubro 8, 2012), assegurou o controle da renda com petróleo, base de sua riqueza (este país é o principal exportador da América e o oitavo do mundo), e expandiu o acesso aos serviços gratuitos de saúde e educação.

Mas os desafios e dificuldades econômicas que Maduro tem pela frente são enormes. A violência criminal e a insegurança pública, um dos piores flagelos, causou 16.072 assassinatos em 2012, segundo dados oficiais. Os dois candidatos trataram deste tema em suas campanhas.

A Venezuela é o terceiro país mais violento da América Latina, depois de Honduras e El Salvador. Honduras duplica o índice de assassinatos registrado na Venezuela e suas forças de segurança contribuem para essa violência, coisa que não ocorre no país sul-americano.

A revista norte-americana New Yorker pergunta qual será o destino do chavismo sem Chávez, se Maduro poderá controlar o país que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo e uma das economias mais disfuncionais.

Para a vizinha Colômbia, a vitória de Maduro é importante para continuar com o apoio decisivo que Chávez dava às negociações de paz que o governo de Juan Manuel Santos leva adiante com as rebeldes Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Depois dos fracassos de mandatários anteriores, Santos busca acabar com cinco décadas de conflito armado interno, com saldo de dezenas de milhares de vítimas, e reconhece que os avanços obtidos se devem ao compromisso e à dedicação do falecido líder venezuelano.

Em Havana, onde ocorrem as negociações, o comandante guerrilheiro Marcos Caralcá, ao lamentar sua morte, afirmou: “Sem o apoio de Chávez não estaríamos no processo de paz, porque foram muitas as coisas que ele facilitou”.

Chávez foi mais que uma pedra no sapato de Washington. “Usou o petróleo e seu braço diplomático para se opor à sua política em todas as partes, de Cuba à Síria”, afirmou o jornal Nerw York Times.

Com sua política de integração regional contrária aos interesses dos Estados Unidos, desenvolvida com a ajuda de Luiz Inácio Lula da Silva, produziu a maior mudança geopolítica ocorrida no continente em várias décadas.

Ambos criaram a União de Nações Sul-Americanas, o Conselho Sul-Americano de Defesa, o Banco do Sul e a Comunidade de Estados da América Latina e do Caribe, mecanismos em plena vigência. A eleição de Maduro assegura sua continuação.

Quando ainda se esperava ouvir o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral sobre os resultados das eleições, as emissoras de rádio e televisão, em geral contrárias a Chávez, especularam sobre o “seguro” triunfo de Capriles.

Esses meios, com a derrota de Capriles, por escassa margem, aplaudiram a decisão do candidato de exigir a recontagem dos votos e suas enérgicas palavras contra Maduro: “Você é o perdedor”.

Os discursos de ambos foram agressivos e a tarefa presidencial se encerra com pouca opção de reconciliação interna. Mas, com uma melhora em relação a Washington: Maduro disse a Bill Richardson, ex-governador do Novo México, presente em Caracas representando a Organização dos Estados Americanos, seu interesse em melhorar suas relações, o que não significa, naturalmente, abandonar as metas de Chávez. Envolverde/IPS

* Clara Nieto é escritora e diplomata, ex-embaixadora da Colômbia junto à Organização das Nações Unidas (ONU) e autora do livro Obama e a Nova Esquerda Latino-Americana.