Vá, Mr. Cameron, vá

Miami, Estados Unidos, dezembro/2011 – É possível, Mr. Prime Minister, que o título desta nota lhe cause surpresa. Contudo, talvez sua longa experiência no governo lhe recorde que em termos similares seu colega em igual cargo, José María Aznar, disse ao então presidente do governo espanhol, Felipe González, em um plenário do Congresso dos Deputados, que abandonasse o poder. Para compreender com rigor o sabor de tal ordem peremptória talvez seja preciso consultar seu cogovernante, Nick Clegg, com seu impecável espanhol, reforçado pela companhia de sua esposa vallisoletana (natural de Valladolid). Assim, completará fielmente o contexto do terminante decreto.

Vá, Mr. Cameron, vá. Já esgotou a paciência de todos os europeus, pelo menos os que creem minimamente na integração do continente. Repasse os livros de história de seu país e releia os discursos de seu predecessor Winston Churchill, especialmente seu discurso em Zurique, em 1946, reclamando a formação de uma Europa federal (embora não exatamente a defendida por Jean Monnet e Robert Schuman).

Reviva o esforço que fez Edward Heath, um tory conservador como você, para acelerar a entrada de seu país na então ainda Comunidade Europeia (CE). Estes esforços foram feitos para converter a guerra em algo “impensável e materialmente impossível”, como diz a “Declaração de Independência”, de 1950. Enfim, as reticências de De Gaulle para permitir a entrada do Reino Unido na CE foram vencidas pelas forças dos fatos. Mas, agora, pode-se ver que o general tinha razão. Ocupe sua cadeira vazia.

No entanto, parece que você prefere revisar as hemerotecas ou no Youtube os discursos de Margaret Thatcher, nos quais se referia depreciativamente à “F Word” (Federação). Parece que você segue a tradição de pedir o “cheque” britânico, a mordida para continuar dentro. Parece que se sente muito satisfeito em aparecer nas entrevistas à televisão apenas com a Union Jack às suas costas. Parece que lhe causar horror ver seus colegas Merkel e Sarkozy agasalhados em complementação com a insígnia de doze estrelas sobre o fundo azul. Agir assim não tem perdão de seus eleitores e lhe valeria uma bronca no Parlamento.

Tudo é consoante. Se for para o exterior de Westminster e passear sob a sombra do Big Ben, não verá uma só bandeira europeia em um edifício. Sentirá a confortante sensação de que não está na Europa: está solidamente na Grã-Bretanha. Se ler o jornal do dia comprovará que as notícias se referem à “Europa” como algo alheio. Londres lhe dará um ar de cidade cosmopolita pelo elevado grau de imigração de todo o mundo. Porém, não lhe dará a sensação de estar em Berlim, Paris, Roma ou Rotterdam.

Você e seus predecessores conseguiram a quadratura do círculo: estar dentro (mal) e fora (com armadilhas) da União Europeia (UE). Deve felicitar-se pela pobreza. Compartilhe a fórmula mágica, por favor. Como conseguir prejudicar o Acordo de Schengen, sem outro resultado que o de chatear os viajantes? Como continua rejeitando cartas de direitos fundamentais e compromissos fiscais e, ao mesmo tempo, insiste em governo no mesmo nível que o restante da União? Agora, a última façanha: sobre qual base jurídica ou básica urbanidade se atreve a repetir sistematicamente que o Reino Unido nunca estará no euro, mas exige controlar com seu veto o mecanismo regulador que disse sim a esse passo para a integração europeia?

Acredita, Mr. Cameron, que essa arrogância teria sido permitida a Espanha e Portugal quando tentavam entrar na UE há um quarto de século? Acredita que a dezena de novos membros teriam tido a mesma oportunidade de rejeitar esses passos cruciais se houvessem se expressado dessa forma em seus expedientes de renda? Em meio à crise do euro, além de distinguir-se por seu veto solitário aos avanços (mínimos e modestos) obtidos por Merkel e Sarkozy, com o beneplácito dos demais, com se permite comentar, com uma boa dose de sarcasmo, que se sente muito feliz por não estar no euro?

Vá, Mr. Cameron, vá. Convoque de uma vez o referendo que tanto teme, mas no qual votaria com um grande NÃO à Europa. Seja consequente. Deixe de nos chantagear. Vá ao balcão do hotel onde residiu relutantemente. Sorria para o recepcionista. Peça a conta e anuncie que está partindo, porque lhe dá vergonha dizer aos seus amigos que vive ali. Pague e vá. Mas pague em euros sonantes, por favor, não em esterlinas. Não tenha a ideia de tentar pagar com cartão de crédito: esgotou há tempos. Como nossa paciência. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).