Proteção social para recuperar a pobreza e a fome

Jomo Kwame Sundaram. Crédito: FAO/Alessia Pierdomenico

Roma, Itália, junho/2013 – O crescente consenso, impulso e compromisso para erradicar a fome mundial podem parecer abertamente ambiciosos em vista do lento progresso obtido nas últimas décadas em reduzir a quantidade de famintos no planeta.

No final, terem baixado os preços dos alimentos na segunda metade do século 20, graças a uma produção maior, não foi suficiente para eliminar a pobreza e a fome no mundo.

Nas décadas de 1960 e 1970, vários governos investiram muito para aumentar a produção agrícola, especialmente a alimentar. Na segunda metade do século 20, a produtividade agrícola cresceu rapidamente. A intensa competição de preços barateou os alimentos, e os consumidores se beneficiaram mais dos ganhos derivados da produção, ajudando, assim, a reduzir a pobreza.

Enquanto isso, nas últimas décadas, os agronegócios transnacionais enriqueceram graças às inovações na produção agrícola, ao crédito, ao processamento e às cadeias de valor em matéria de mercado.

Mais recentemente, os preços dos alimentos voltaram a subir, em parte porque os investimentos públicos diminuíram nas últimas décadas, o aumento da produtividade foi mais lento nos últimos dez anos e houve recentes aumentos na demanda de cultivos alimentares.

Entretanto, o recente aumento dos preços está associado não só com mudanças significativas na oferta e na demanda, mas também com as políticas e os subsídios dos biocombustíveis, além de existir uma especulação muito maior com as matérias-primas.

No caso improvável de os preços dos alimentos voltarem a baixar depois das altas registradas desde 2006, estes produtos de tornariam mais acessíveis, ao mesmo tempo em que reduziriam a renda dos agricultores e o incentivo para produzir mais alimentos, o que poderia determinar nova carestia.

Redistribuição fiscal

Os países pobres estão duplamente em desvantagem, devido às suas limitadas capacidades de arrecadação de impostos, pois só podem cobrar baixos tributos sobre baixa renda. Além de existirem algumas taxações um tanto excessivas sobre os pequenos agricultores, as transferências de recursos das zonas urbanas para as rurais, por meio do sistema fiscal ou outros acordos, são muito modestas.

O gasto dos governos para aumentar a produção agrícola, a produtividade e a renda também está moldado por considerações políticas, especialmente pelo desejo de garantir o apoio político em zonas rurais. Porém, com poucas notáveis exceções, o gasto governamental em agricultura raramente está inclinado para os pobres.

Embora os impostos agrícolas geralmente sejam proporcionais à terra que se possui ou à produção que gera, esses investimentos públicos tendem a beneficiar os que estão em uma posição relativamente mais acomodada, já que boa parte do gasto rural beneficia mais os grandes produtores do que os pequenos produtores, arrendatários ou parceiros.

Isto é, em geral, o que ocorre também quando se melhora a infraestrutura rural ou os serviços sociais, entre eles a saúde e a educação, bem como o apoio agrícola, sob a forma de fertilizantes subsidiados ou outros insumos, tipicamente distribuídos segundo a quantidade de terra que se possui.

Entretanto, os pobres podem ter se beneficiado até agora, já que a crescente maré de uma produção maior parece levar todos os barcos igualmente.

Proteção social necessária

Atualmente, se produz comida suficiente para alimentar todos no mundo. O problema é que a maioria dos famintos não pode se dar o luxo de se alimentar de maneira adequada, por carecer dos meios para fazê-lo. Assim, a única maneira de reduzir a fome no curto prazo é potencializar a renda dos pobres.

Mais de três quartos dos cerca de 1,2 bilhão de pobres do mundo – segundo o critério “um dólar por dia” – vive em zonas rurais. Por isto, reduzir a pobreza exigirá renda rural significativamente mais alta, especialmente para os pobres. Como a maior parte da renda rural está relacionada com a agricultura, aumentar a produtividade pode ajudar a elevá-la.

Entretanto, para concretizar o compromisso de que “ninguém fique para trás” em vista da prolongada paralisia econômica mundial, maior subemprego e desemprego dos próximos anos, a única maneira de erradicar a fome logo será estabelecendo um piso de proteção social.

A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 2011, a recomendação de estabelecer um piso de proteção social, o que implica que os meios para fazê-lo estão disponíveis.

Historicamente, a proteção social se desenvolveu em relação ao emprego assalariado do setor formal urbano. Contudo, nos países em desenvolvimento, o aprovisionamento social rural frequentemente envolve o que se conhece pelo termo inglês workfare, ou prestações sociais condicionadas, em lugar do estado de bem-estar, como ocorre com a Lei Nacional de Garantia do Emprego Rural da Índia.

O enfoque distinto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em relação às transferências de efetivo – o que acelera a transição “da proteção à produção” – ajuda a garantir meios mais sustentáveis para superar a fome e a pobreza, cimentando o caminho para conseguir o Desafio de Fome Zero. Envolverde/IPS

* Jomo Kwame Sundaram é diretor-geral adjunto do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Social na FAO.