Obama e América Latina, mais quatro anos

Barack Obama. Foto: casabranca2012

Bogotá, Colômbia, novembro/2012 – Barack Obama venceu com 303 votos no Colégio Eleitoral (precisava de 270) e obteve 51% do voto popular, mas o apoio a Mitt Romney (47%) também é substancial. A abstenção chegou a 40%. O jornal The New Republic comenta esta realidade: “Hoje, os Estados Unidos não são uma nação, mas duas”.

Tal é, de fato, a crua realidade que Obama enfrentará em seus próximos quatro anos na Casa Branca. Esta divisão partidária não é nova. Desde o início de seu mandato, os republicanos lançam uma virulenta campanha contra o mandatário, qualificada de racista, para fazê-lo fracassar.

O Congresso é um dos mais hostis de sua história. A divisão se solidifica, pois os republicanos mantêm até agora uma folgada maioria na Câmara de Representantes (233 contra 193). No Senado, sob controle dos democratas (54 contra 45), a diferença é de apenas nove cadeiras.

Apesar dessa brutal oposição, Obama consegue êxitos históricos: é o primeiro presidente a conseguir a criticada reforma integral da saúde; a reforma financeira pela primeira vez enquadra Wall Street e o setor financeiro, espinhos do capitalismo, e suas leis e reformas no campo da educação abrem portas para os setores estudantis mais pobres.

É uma agenda liberal, focada na defesa da classe média e dos setores mais vulneráveis. Alguém comenta: “Obama está realizando a anunciada mudança do país a partir de dentro”.

A maioria pró-Obama, especialmente os latinos (71% de seus votos asseguraram sua reeleição), comemoram sua vitória com imenso júbilo, e com grande alívio. Com Romney e Paul Ryan, seu companheiro de chapa, o país teria regressado à era conservadora e retrógrada de Bush, pois seus 200 assessores de política exterior são extremistas, neoconservadores e do Tea Party.

Romney adota os valores e as prioridades de seu partido, ultraconservador, cada dia mais reacionário e mais rígido em questões sociais. Opõe-se às medidas de Obama para melhorar as crescentes desigualdades, à sua reforma integral da saúde, anátema para o GOP e o Tea Party.

Opõe-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, aos direitos dos homossexuais e ao aborto, e não se preocupa com os desastres climáticos. Além disso, favorece uma agressiva política contra os imigrantes ilegais e qualifica as leis racistas do Arizona, voltadas contra os latinos (que os impede de trabalhar, dirigir, estudar e transitar livremente), como um modelo para a nação.

As legalizações em massa, propostas por Obama (cerca de 11 milhões) são “impensáveis”, afirma Romney. E anuncia mão dura contra o regime cubano. Seu plano econômico é regressivo, baseado em cortes de impostos  para os mais ricos (pagam tributos extraordinariamente baixos) e na  desregulação dos mercados. Tais políticas, da era Bush, conduziram ao colapso financeiro de 2008.

O tema da América Latina não apareceu nas campanhas nem nos debates presidenciais. Não foi prioridade do governo de Obama, e é evidente sua falta de interesse pela região.

Um porta-voz de sua campanha tentou provar o contrário: “Se tivesse havido um debate, se veria o profundo contraste entre as políticas dos dois candidatos”. E aponta “um recorde de seus êxitos na América Latina”: em menos de quatro anos viajou cinco vezes à região.

Entretanto, tais visitas não produzem resultados memoráveis. Vai a Trinidad e Tobago para a V Cúpula das Américas (projeto inventado por Bill Clinton em 1994), mas de tal encontro saem apenas promessas não cumpridas: não ocorre o diálogo “de igual para igual” nem melhoram as relações com Cuba.

Ao México, vai duas vezes, e com o presidente Felipe Calderón conversa sobre revisar o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) – entre Estados Unidos, Canadá e México –, que é desastroso para as maiorias camponesas e as classes trabalhadoras mexicanas. Não o fazem.

Em março de 2011, vai a três países. Em El Salvador, onde fica a base militar Comalapa, desde a era Reagan sob controle do Pentágono, os salvadorenhos o criticam por não ter proposto nada.

Vai ao Chile e ao Brasil. Com os presidentes Sebastián Piñera, de direita, e Dilma Rousseff, de esquerda, troca palavras de amizade, desejos de ampliar sua cooperação sobre segurança, uma prioridade.

Entre suas políticas negativas para o continente está, em primeiro lugar, seu errado apoio aos golpistas de Honduras. Vai na contramão do consenso, defendido por seus colegas latino-americanos, e traz funestas consequências. Legitima o novo tipo de golpe institucional para derrubar presidentes. Repete-se no Paraguai contra o presidente Fernando Lugo.

Sua associação com o corrupto governo pós-golpe de Porfirio Lobo, não reconhecido pela maioria do continente, é cada dia mais difícil de defender no Congresso.

Hillary Clinton, secretária de Estado, recebe duras críticas à política de seu governo em Honduras, aponta-se seu silêncio sobre os contínuos assassinatos seletivos de defensores de direitos humanos, jornalistas e opositores, enquanto investe US$ 24 milhões para fortalecer as instalações de suas tropas na base aérea Soto Cano. Tropas dessa base e do Comando Sul participam do golpe contra o presidente constitucional Manuel Zelaya.

Os aliados europeus celebram sua vitória, sua política é de aliança e de soluções políticas, antes de militares. Para Romney, por outro lado, o que importa é “reafirmar o poderio dos Estados Unidos”, dar apoio militar à oposição síria, manter mão dura contra o Irã e apoiar um ataque militar israelense, condenado por membros da comunidade mundial.

A resposta militar do Irã seria o início de uma guerra de proporções incalculáveis.

Sem eleições à vista, e livre do cuidadoso manejo político que deve dar aos grupos de pressão cujo apoio se traduz em votos, agora desnecessários, as lutas de Obama por sua agenda poderão ser mais agressivas e menos dependentes da cooperação bipartidária.

Prometeu conseguir a reforma integral de imigração e, talvez, normalizar as relações com Cuba, embora para levantar o embargo o Congresso tenha que modificar o enxame de leis que o sustentam.

Se nestes quatro anos Obama não se ocupar, como até agora, da América Latina, região do mundo onde é mais clara a queda da influência norte-americana, nada acontecerá.

Já não é seu principal sócio comercial, os países diversificaram suas relações com outros continentes, e sua economia, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, é favorável.

No entanto, a política hostil contra os governos progressistas da nova esquerda continua. Rafael Correa, presidente do Equador, denuncia atividades da CIA para impedir sua reeleição, como tentou contra Chávez. As eleições serão no dia 17 de fevereiro e o mandato é de quatro anos. Envolverde/IPS

* Clara Nieto é escritora e diplomata, ex-embaixadora da Colômbia junto à ONU e autora do livro Obama e a Nova Esquerda Latino-Americana.