O sistema de patentes favorece as corporações

Genebra, Suíça, setembro/2012 (IPS/South Centre) – Uma proposta para iniciar um debate sobre a qualidade das patentes foi apresentada à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi).

A ambígua expressão “qualidade das patentes” se refere a um problema que cresce tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos: a utilização da patente para fins de monopólio por grandes corporações que prejudica os consumidores, a competição legítima e a inovação.

Na maioria dos casos, as patentes são solicitadas e concedidas para modificações parciais em tecnologias já existentes. Embora o valor intrínseco da tecnologia protegida pelas novas patentes seja baixo, elas são frequentemente usadas estrategicamente para criar ou manter posições monopólicas.

Uma investigação da Comissão Europeia sobre a indústria farmacêutica concluiu que “apresentar numerosas solicitações de patente para um mesmo medicamento é uma prática comum para retardar ou bloquear a entrada no mercado de medicamentos genéricos”.

Os litígios por patentes aumentaram quatro vezes entre 2000 e 2007, e as companhias produtoras de genéricos prevaleceram em 62% dos casos. Os governos europeus e os consumidores pagaram cerca de três bilhões de euros em excesso no mesmo período devido a abusos no exercício dos direitos de patente.

Um estudo da Ompi identificou cerca de 800 patentes de ritonavir, importante componente no tratamento contra o HIV/aids.

Para preservar uma posição monopólica depois da expiração das patentes básicas, as empresas farmacêuticas costumeiramente solicitam (e com frequência conseguem) patentes para derivados, formas de dosagem e novos usos de medicamentos existentes e, assim, reverdecem as patentes originais.

As tecnologias da informação e da comunicação também se converteram em um campo de batalha. Milhares de patentes concedidas a programas de computação e outras tecnologias são usadas para bloquear competidores ou para mantê-los fora do mercado com a ameaça de caros julgamentos. As empresas que não contam com uma ampla carteira de patentes têm dificuldades para sobreviver.

Os departamentos de patentes nos países em desenvolvimento seguem modelos similares quanto aos critérios de patenteamento. Os programas de assistência técnica, um trabalho de convencimento e a pressão dos grupos empresariais conseguem criar práticas que transformam o sistema de patentes em um convincente mecanismo de controle e exclusão do mercado a favor de seus interesses.

Essa atividade das empresas estrangeiras não implica nenhum investimento produtivo nem uma verdadeira transferência de tecnologia nos países onde buscam a proteção de suas patentes, já que os abastecem principalmente por intermédio de importações.

Neste contexto, Canadá e Grã-Bretanha apresentaram ao Comitê Permanente sobre Patentes da Ompi uma proposta para tratar a questão da qualidade das patentes que compreende três aspectos: desenvolvimento da infraestrutura técnica, intercâmbio de informação sobre a qualidade e melhoria do processo de concessão.

A proposta reconhece a existência de um problema no sistema de patentes, mas não enfrenta questões críticas, como requerimentos para o patenteado e outros conceitos do sistema de concessão de patentes.

É necessário introduzir importantes mudanças na concepção e no funcionamento do sistema, de maneira que somente recompense as contribuições genuínas para o progresso científico e tecnológico, em consonância com os objetivos nacionais de desenvolvimento. Essas mudanças incluem:

– integrar os sistemas de patentes nas políticas nacionais de desenvolvimento, incluindo o acesso a medicamentos e a tecnologias ambientais válidas;

– incrementar a capacidade disponível dos departamentos de patentes e dos tribunais para que possam examinar adequadamente as solicitações e assegurar a realização de exames substanciais;

– proporcionar incentivos aos examinadores de patentes para que considerem objetivamente as solicitações e desestimular uma predisposição para a aprovação;

– assegurar que o processo de análise da criação tenha em conta os conhecimentos de anteriores especialistas disponíveis em documentos escritos, bem como os derivados da experiência prática;

– prevenir a proliferação de patentes resultante de práticas ofensivas e defensivas que possam bloquear a competição legítima e o desenvolvimento de uma capacidade inovadora local;

– revisar as práticas que condicionam a concessão de patentes com base em presunções questionáveis ou ficções legais;

– distinguir claramente as invenções das descobertas; nos casos de materiais genéticos que sejam considerados patenteáveis, a proteção deve se limitar às funções devidamente comprovadas;

– diferenciar os setores na aplicação dos padrões de patenteamento; por exemplo, devem ser aplicados padrões mais rígidos para examinar as patentes farmacêuticas do que os exigidos em outros setores;

– fortalecer os sistemas de oposição prévios e posteriores à concessão de patentes e melhorar a transparência do sistema;

– dar mais poder às autoridades em matéria de competência para tomar medidas efetivas em casos de aquisição indevida ou abusos dos direitos de patente. Envolverde/IPS

* Carlos M. Correa é assessor especial sobre comércio e questões de propriedade intelectual do South Centre, com sede em Genebra.