Mundo islâmico: a união faz a força

Genebra, Suíça, e Alfaz, Espanha, setembro/2011 – Antes do Islã, a Arábia viveu durante séculos várias formas de chauvinismo (asabiya): o chauvinismo árabe, o tribalismo ou o dos clãs dentro das tribos, o que levou a muitas guerras. Porém, no ano 610, o Profeta Maomé, aos 40 anos, recebeu os primeiros versos do Alcorão, cujo conteúdo desafiava a ordem social e política tradicional. As diversas formas de asabiya cederam desde então diante da irmandade entre homens e mulheres em uma comunidade de valores, a Umma, palavra derivada de umm (que significa mãe), preconizada no Alcorão.

Os árabes se comprometeram com entusiasmo com esta nova ordem social baseada em uma religião onde se estabelece que “não há diferenças entre um árabe e um não árabe ou entre um branco e um negro, exceto pelo grau de piedade que tenha”. Toda distinção baseada em raça, grupo étnico, cor, gênero, etc., desapareceu a favor da unidade, da liberdade, da justiça e, sobretudo, do rahma (amor verdadeiro).

A Umma foi guiada pelo Profeta e dirigida depois de sua morte pelos “Corretamente Guiados Sucessores”. No entanto, somente 30 anos depois da morte de Maomé os valores que ensinara foram violados e se voltou à asabiya.

Assim começou a queda da sociedade muçulmana. Embora o Califato tenha se mantido formalmente, a Umma se dividiu em inúmeros segmentos político-militares baseados na repressão e na corrupção. A autocracia e a cleptocracia se converteram na regra. Isto abriu as portas à agressão externa e, no Século 19, vastos territórios foram colonizados. Em 1924, o Califato Otomano foi desmantelado.

Após a independência, as elites políticas importaram o modelo secular de Não Estado. Nasceu, então, o asabiya baseado na nação, por exemplo, o arabismo, o “turanismo” (Turquia) e o “persianismo”, que por sua vez provocaram naturalmente o surgimento de asabiya em determinadas minorias, por exemplo, o “curdismo” e o “bereberismo”.

A primeira das organizações regionais surgidas dentro da Umma foi a Liga dos Estados Árabes, fundada em 1945 – sete meses antes da criação da Organização das Nações Unidas (ONU) –, que atualmente conta com 22 Estados-membros. Seus propósitos declarados são os de “impulsionar o crescimento econômico na região, resolver disputas entre seus membros e coordenar objetivos políticos”. Entretanto, transcorridos 66 anos desde sua fundação, não trouxe nem a paz nem a prosperidade ao mundo árabe. Sua ação foi sempre prejudicada pela asabiya de seus membros e por contraditórias metas, bem como pela interferência e influência estrangeira. O único organismo operacional da Liga é o Conselho de Ministros do Interior, que coordena suas políticas repressivas.

Em uma conferência em Rabat, no Marrocos, em setembro de 1969, foi fundada a Organização da Conferência Islâmica com o propósito de salvaguardar os interesses da Umma, o que constituiu uma reação política diante do incêndio premeditado cometido por Denis Michael Rohan dentro mesquita al-Aqsa de Jerusalém no dia 21 de agosto daquele ano. Em junho de 2011, os Estados-membros acordaram trocar o nome, que passou a ser Organização para a Cooperação Islâmica (OIC). Com seus 57 Estados-membros espalhados pelos quatro continentes, a OIC é a segunda maior organização governamental internacional depois da ONU.

Com maior liberdade e prosperidade, os 1,6 bilhão de muçulmanos promoveriam a integração econômica e inclusive política. Apesar da oposição das potências imperialistas e neocolonialistas, isso deveria conduzir à Organização da Comunidade Islâmica, um modelo de Umma do Século 21. A Comunidade Islâmica não será chauvinista nem construída sobre o antagonismo com outros, pelo contrário, será um espaço aberto, baseado na unidade islâmica e na cooperação para a paz e a prosperidade de toda a humanidade.

A Organização da Comunidade Islâmica pode institucionalizar uma visão de um Islã pacífico? A União Europeia (UE) também está construída sobre a visão de uma Europa com as guerras entre seus Estados não só descartadas como também “impensáveis”.

A nova OIC de cooperação proporá um desafio à ONU. Das cinco potências com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, quatro são cristãs (Estados Unidos, evangélico; Grã-Bretanha, anglicana; França, católica secular; e Rússia, ortodoxa), e um, a China, taoísta, confucionista-budista. Contudo, a OIC tem mais população do que qualquer desses Estados, incluindo a China.

Isto não é apenas totalmente injusto – considerando que as fronteiras que fragmentam a comunidade islâmica foram principalmente criadas por aquelas potências ocidentais –, mas também faz com que as resoluções do Conselho de Segurança contra países muçulmanos sejam ilegítimas. Um poder de veto muçulmano podia ter salvo muitas vidas, ter evitado muitas políticas imprudentes dos Estados Unidos e do Ocidente e aberto a possibilidade de uma ONU mais equilibrada e com maior ação regional. Um Conselho de Segurança reformado poderia acolher a OIC, bem com a UE em lugar de dois de seus membros. A ideia de coletividades de Estados está consagrada na Carta das Nações Unidas para a defesa, a fim de facilitar uma transição do mundo de 1945 para o mundo atual.

No entanto, melhor ainda seria uma “União para a Paz”, uma organização democrática com representantes eleitos diretamente, para acabar com a sabotagem das potências que vivem no passado. Envolverde/IPS

* Abbas Aroua é professor-adjunto na Faculdade de Medicina de Lausanne e diretor do Centro de Estudos sobre os Conflitos e a Paz da Fundação Córdoba em Genebra. Johan Galtung é o fundador da Transcend, organização que promove a paz, o desenvolvimento e o meio ambiente, e é autor de “50 Year – 100 Peace and Conflicti Perspectives” (www.trancend.org/tup).