Mudança climática afetará seus planos de viagem... e o de milhões de espécies

Uma tartaruga nas águas coralinas do Parque Nacional de Komodo, na Indonésia. Crédito: Cortesia da WilAid
Uma tartaruga nas águas coralinas do Parque Nacional de Komodo, na Indonésia. Crédito: Cortesia da WilAid

 

San José, Costa Rica, abril/2014 – Há poucas experiências mais frustrantes do que quando o mau tempo provoca atrasos em nossos planos de viagem. Segundo o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), isso pode ser algo com que teremos que nos acostumar no futuro.

Mas os humanos não são os únicos viajantes globais, e para milhões de animais que migram em todo o mundo, viajar não será apenas mais frustrante, podendo se converter em uma questão de sobrevivência.

No final de março, o IPCC divulgou o quinto informe de avaliação dos impactos, da adaptação e vulnerabilidade diante da mudança climática. Com esse documento, fica claro que viajar será um desafio no futuro.

Se houver mudança de um único grau centígrado na temperatura média global se prevê que fenômenos meteorológicos extremos como ondas de calor, tempestades e inundações costeiras serão mais frequentes. E isso significa mais atrasos nas viagens, mais viajantes retidos e maior risco generalizado vinculado à mobilidade humana.

A notícia fica pior se o destino inclui praias ou arrecifes de coral.

Quanto mais gelo derrete nas regiões polares, mais e mais o nível dos oceanos do mundo sobe. As regiões costeiras e as zonas baixas podem ficar submersas, sofrer inundações, erosão da costa e de praias e a água salgada pode contaminar o fornecimento de água potável.

No mar, os corais normalmente coloridos estão ficando brancos, ou “embranquecendo”, em resposta ao estresse causado pelas alterações da água. O dióxido de carbono (CO2), um gás-estufa, está se dissolvendo nos oceanos do mundo, tornando-os mais ácidos.

Essas mudanças são problemáticas para as comunidades humanas, mas os seres humanos não são os únicos viajantes globais afetados pela mudança climática. Ninguém sabe melhor disso do que a Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias (CMS).

Bradnee Chambers. Crédito: Cortesia de Francisco Rilla/CMS
Bradnee Chambers. Crédito: Cortesia de Francisco Rilla/CMS

As espécies migratórias enfrentam muitos dos mesmos desafios que os seres humanos: têm que escolher quando viajar, que rota seguir, onde comer e descansar, e quanto tempo devem permanecer antes de regressar à casa. Essas opções, que são aparentemente triviais para os seres humanos, são decisões de vida ou morte para elas.

As espécies migratórias são símbolos únicos de nosso patrimônio natural compartilhado, e suas migrações frequentemente incluem continentes inteiros. Com invernos mais quentes e úmidos, as aves migratórias da Europa serão obrigadas a viajar antes para zonas de procriação, ou, então, enfrentar a redução da população, áreas de distribuição menores e, o pior resultado possível: a extinção.

A borboleta monarca realiza uma impressionante migração que inclui múltiplas gerações, percorrendo longas distâncias através da América do Norte. A mudança climática está transformando os hábitat de invernada atuais dessa borboleta na América Central, fazendo com que sejam mais propensa ao congelamento e à umidade, com o resultado de níveis de mortalidade catastróficos.

As graves secas ameaçam algumas das maiores migrações no mundo, de milhares de gnus e outros animais que viajam através das planícies do Serengueti, na África.

Nos oceanos, a espécie aquática maior do planeta, o tubarão-baleia, também está ameaçada. As alterações na temperatura global e a química do oceano podem causar redução no número dessa espécie no futuro.

À luz dessas preocupações, a CMS realizou entre 9 e 11 deste mês um painel com representantes de governos e cientistas na localidade costarriquenha de Guácimo.

A reunião da CMS é um passo para um programa de trabalho sobre a mudança climática e as espécies migratórias, abordando a necessidade de monitoramento, conservação e estratégias de adaptação que se adequem às necessidades únicas dos animais migratórios para enfrentarem as alterações do clima.

Os resultados do painel serão apresentados na décima-primeira reunião da Conferência das Partes da CMS, que acontecerá de 4 a 9 de novembro em Quito, no Equador.

O professor Colin Galbraith, conselheiro científico da CMS para mudança climática afirmou que “o painel confirmou que a mudança climática é uma das ameaças mais importantes para as espécies migratórias e os ecossistemas dos quais dependem”.

“Os participantes destacaram a necessidade de ação internacional urgente para fazer frente às complexas ameaças causadas pela mudança climática. É alentador ver delegados de todo o mundo trabalhando juntos para estabelecer um programa de trabalho para que os países da CMS combatam os efeitos da mudança climática nos animais migratórios”, acrescentou.

A perspectiva de ter de passar mais tempo ainda sentado nos aeroportos é, sem dúvida, frustrante para os pobres viajantes cansados, mas é insignificante em comparação com as probabilidades cada vez piores quanto às situações que enfrentarão as espécies migratórias em sua luta pela sobrevivência. A mudança climática é um problema complexo e difícil.

Os planos para reduzir nosso impacto sobre o clima são importantes e também o são os planos para mitigar o dano que já causamos. Esperamos que, por meio da cooperação e do esforço ativo, possamos conservar para as futuras gerações a beleza das viagens e a dos animais que viajam.

* Bradnee Chambers é secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas sobre Conservação das Espécies Migratórias de Animais Silvestres.