Índia: a farmácia dos pobres está em perigo

Martin Khor.

Genebra, Suíça, junho/2012 – A Índia é famosa pelo Taj Mahal, por suas cerimônias religiosas, pelos filmes de Bollywood e por seu acelerado crescimento econômico nos anos recentes. Porém, é mais importante e menos conhecida sua contribuição na área de medicamentos genéricos de boa qualidade e baixo custo, que salvam ou prolongam milhões de vidas.

Muitas pessoas vão à Índia para comprar remédios genéricos e levar para familiares que não podem comprar os caros medicamentos originais de marca.

Há uma década, a companhia farmacêutica indiana Cipla produziu remédios genéricos contra HIV/aids ao preço de US$ 300 para um tratamento anual, enquanto os produtos de marca custavam US$ 10 mil. Atualmente, a versão genérica indiana custa ainda mais barata: menos de US$ 80.

Isso permitiu estender o fornecimento de medicamentos a muitos milhões de doentes de aids de escassos recursos. De fato, a Índia fornece 70% dos remédios contra a síndrome de imunodeficiência adquirida ao Unicef, ao Fundo Global e à Fundação William J. Clinton.

Além disso, entre 75% e 80% dos remédios (não apenas contra a aids) distribuídos pela Associação Internacional de Dispensários nos países em desenvolvimento procedem da Índia, que por isso é qualificada de “farmácia do mundo em desenvolvimento”.

Em janeiro passado, a Associação Indiana de Fabricantes de Medicamentos, que reúne 700 empresas, comemorou seu 50º aniversário e o grande crescimento da indústria, a ampla variedade de seus produtos e sua contribuição para a criação de medicamentos seguros e a preços razoáveis.

No entanto, também há fatores que podem impedir a continuidade da produção indiana de remédios acessíveis aos pobres.

Um fator básico para o êxito da indústria farmacêutica foi a decisão do governo indiano, em 1970, de excluir os medicamentos da lista de produtos necessariamente patenteáveis. Assim, foi possível que os laboratórios locais produzissem versões genéricas de caros remédios estrangeiros e em poucas décadas dominaram mais de 80% do mercado interno e exportaram medicamentos baratos em grande escala.

Um giro negativo ocorreu quando o tratado internacional sobre propriedade intelectual, conhecido como Trips, foi estabelecido em 1995 e invalidou a decisão de alguns países de excluir os medicamentos da obrigação de patentear.

Entretanto, o tratado aceitou que os países determinassem individualmente o critério para conceder uma patente a uma invenção. Além disso, deu aos governos a faculdade de expedir licenças para as companhias locais para fabricar os produtos patenteados, se não tivessem êxito em seus pedidos aos donos da patente de ceder voluntariamente a licença.

Para cumprir suas obrigações, a Índia aprovou em 2005 mudanças em sua lei de patentes de modo que seus medicamentos pudessem ser patenteados. No entanto, a nova lei também contém critérios rígidos (mudanças mínimas para um produto cuja patente expirou poderiam não dar o direito a uma nova patente) e autoriza a oposição pública à aplicação de uma patente antes que seja tomada uma decisão.

A Índia tem uma das melhores leis de patentes do mundo e graças a ela ainda possui algum espaço para produzir medicamentos genéricos. Porém, a amplitude permitida pela legislação anterior diminuiu, porque muitos novos medicamentos foram, desde 2005, patenteados por multinacionais que os vendem a preços exorbitantes.

As empresas indianas já não podem fazer suas versões genéricas destes novos medicamentos a menos que peçam licenças ao governo, e, mediante um processo muito complicado, a obtêm, ou chegam a um acordo com a multinacional dona da patente, que seria dada sob duras condições, principalmente para a exportação.

Outra preocupação é que a Índia está negociando um tratado de livre comércio com a União Europeia. Tais tratados normalmente contêm condições que impedem ou criam obstáculos à produção genérica, como a exclusividade dos dados e a extensão do prazo da patente.

Além disso, seis companhias indianas foram compradas recentemente por grandes empresas estrangeiras. Se esta tendência continuar, o mercado indiano de medicamentos poderá ser novamente controlado pelas multinacionais. É incerto se elas vão querer continuar exportando para o mundo em desenvolvimento medicamentos genéricos competindo com seus próprios produtos de marca.

Organizações internacionais como Onusida, Unitaid e Médicos Sem Fronteiras se preocupam com a possibilidade de essas tendências colocarem em perigo o papel da Índia como principal fornecedor de remédios a preço baixo para a África e outras regiões em desenvolvimento. Milhões morrerão se a Índia não puder produzir no futuro os novos remédios contra o HIV/aids. “É uma questão de vida ou morte”, disse Michel Sidibé, diretor-executivo da Onusida.

Daí a necessidade de uma estratégia que envolva o governo e as companhias farmacêuticas, que assegure que a indústria local de medicamentos continue prosperando, que produza não apenas os remédios existentes, mas também os novos, embora já estejam patenteados, e que sejam fornecidos a preços baixos não apenas na Índia. Envolverde/IPS

* Martin Khor é diretor-executivo do South Centre, com sede em Genebra.