Internacional

Cuba e a União Europeia, o começo do degelo

CubaMiami, Estados Unidos, abril/2015 – A visita a Cuba, entre os dias 23 e 25 de março, de Federica Mogherini, alta representante de Assuntos Exteriores e Política de Segurança da União Europeia (UE), cuja viagem será seguida pela do presidente francês, François Hollande, no dia 11 de maio, acelerou a agenda nas relações entre Havana e o bloco europeu.

O anúncio de normalização das relações entre Cuba e Estados Unidos contextualizou a própria aproximação entre UE e Havana, enquanto as duas partes negociavam um Acordo de Cooperação. Depois de anos de enfrentamento, a UE e o governo de Cuba pesaram a possível eliminação da Posição Comum imposta por Bruxelas ao regime castrista em 1996.

Se para Washington a persistência de um regime de rígida disciplina marxista merecia a imposição de condições para o fim do embargo, para a UE se recomendava a manutenção da chamada “implicação construtiva”: os Estados membros mantinham sua relação com Cuba segundo seus vínculos históricos especiais, interesses econômicos e diversas visões sobre direitos humanos.

Depois de superar um enfrentamento, Bruxelas decidiu, em 2014, colocar em marcha um programa pragmático que desembocou em um Acordo de Cooperação semelhante ao que a UE tem como instituição com todos os países e blocos da América Latina e do Caribe.

Predominantemente, a relação entre UE e Cuba ficava reduzida às iniciativas da Espanha, tanto quando liderava o processo de exigências impostas a Havana (especialmente em momentos álgidos dos governos do direitista Partido Popular), como quando, pelo contrário, se priorizava uma estratégia de incentivo (com o Partido Socialista Operário Espanhol no comando).

Vozes sarcásticas chegaram a qualificar o processo com um “tema hispano-espanhol”. Nesse contexto, diversos Estados europeus jogavam seu próprio papel impelidos por suas conveniências, sem que o panorama essencial variasse ostensivamente. Cuba evitava jogar no contexto amplo comunitário, optando por uma tática individual. Entretanto, o mundo estava mudando e se desvalorizou o valor real da relação europeia-cubana.

Havia chegado, portanto, o momento para Bruxelas aproveitar as circunstâncias e abrir as negociações com Cuba com vistas à implantação de uma agenda aberta que incluiria o desmantelamento da Posição Comum. Após alguns intercâmbios discretos, as duas partes resolveram se sentar à mesa. Cuba surpreendia ao abrir um processo sem que a Posição Comum fosse eliminada, como havia sido sua firme exigência tradicional.

Nesse contexto, a Espanha, em delicada situação interna, precisava estabilizar outras frentes. A consolidação de sua relação com a América Latina passava por contemporizar as reclamações e expectativas de suas diferentes famílias ideológicas. Além disso, o voto do bloco latino-americano para sua candidatura no Conselho de Segurança aconselhava Madri a ter extrema prudência.

Na nova etapa fica difícil prever o papel espanhol na transição cubana, mas, em princípio, deve-se considerar que o potencial é notável, não só pelo peso da história e a vigência do fator da “relação especial”.

Agora, porém, convém também ter em conta que a inserção dos Estados Unidos na própria identidade nacional de Cuba não se reduziu à imposição dos aspectos hegemônicos, mas sim que uma boa dose do “american way of life” se fez consubstancial da essência cubana.

O “inimigo” não eram os Estados Unidos de per si, mas sua política concreta de assédio. A facilidade com que os exilados cubanos em diferentes épocas e de distinta procedência social se encaixavam na sociedade norte-americana demonstrava a naturalidade dessa curiosa relação. A normalização das relações ajudará a reforçar esse vínculo.

Os interesses europeus farão bem se levarem em conta esse aspecto, já que o renascimento da relação natural entre Cuba e Estados Unidos representará um imponente competidor para que a relativa vantagem que os europeus conseguiram até agora não se veja diminuída ostensivamente.

Nesse contexto, a competência que o poder econômico e político dos Estados Unidos em Cuba representa para as renovadas operações europeias dependerá em grande medida da natureza e intensidade da reinserção de Washington.

A UE poderá manter sua relativa vantagem se a atividade norte-americana estiver condicionada pelas próprias autoridades cubanas ou pelas restrições impostas pela sobrevivência do embargo, embora este esteja enfraquecido.

Mas convém recordar que as atividades europeias em Cuba continuarão limitadas, tanto na trama institucional da UE como na agenda técnica dos Estados membros enquanto subsistir o embargo norte-americano.

Os condicionamentos de comércio e investimentos seguem impactando a plena liberdade de movimentos de companhias europeias em suas operações na própria Cuba e também em suas alianças no resto do mundo com interesses norte-americanos.

Em consequência, inclusive com uma relação razoavelmente aberta, as possibilidades reais da vantagem europeia estarão sujeitas a uma ampla especulação, quando não a uma possível redução, sobretudo no terreno comercial e no de investimentos.

O fator essencial dessa incerteza é o legado de mais de meio século da ausência de relações que não são “normais” e que no futuro desejam ser. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]