Contra os casamentos precoces no Sudão do Sul

Integrante da tribo mundari em Terekeka, Sudão do Sul, onde muitas famílias consideram o matrimônio infantil uma maneira legítima de ter acesso a riquezas, como o gado, mediante o pagamento de dotes. Foto: Jared Ferrie/IPS

Nairóbi, Quênia, junho/2013 – Akech B. gostava de estudar e sonhava ser enfermeira. Contudo, quando completou 14 anos, o tio que a criava a obrigou a deixar a escola para se casar com um homem que, segundo ela, era velho e de cabelo branco, e que para tê-la pagou 75 vacas.

O homem já era casado com outra mulher, com a qual tinha vários filhos.

Akech tentou resistir ao casamento, mantendo seu sonho de estudar enfermagem. Mas, seu tio lhe disse: “As meninas nascem para que a gente possa comer. Tudo o que quero é receber meu dote”.

Seus primos homens bateram nela com força e a obrigaram a ir com eles à casa do homem em questão.

Mas Akech fugiu e se escondeu na casa de uma amiga. Seu tio a encontrou e mandou prendê-la, dizendo aos policiais que havia fugido do marido e precisava que lhe dessem uma lição.

A jovem passou uma noite atrás das grades. Quando seus primos foram buscá-la, lhe deram uma surra tão violenta que praticamente não conseguia andar. Depois a levaram de volta a seu marido. Então, Akech sentiu que não tinha opção a não ser ficar.

Ouvi histórias como a de Akech mais de uma vez, de mulheres e meninas que entrevistei entre março e outubro de 2012 no Sudão do Sul, país em que o casamento infantil é um problema de proporções endêmicas.

Quase a metade de todas as jovens entre 15 e 19 anos está casada nesse país africano, segundo um estudo do governo. Algumas têm apenas 12 anos quando contraem matrimônio. As que tentam resistir a essas uniões forçadas podem sofrer consequências brutais por parte de suas próprias famílias.

A organização Human Rights Watch documentou casos de adolescentes cruelmente golpeadas, humilhadas verbalmente e ameaçadas com maldições, ou levadas à polícia para obrigá-las a casar. Algumas foram mantidas em cativeiro e inclusive assassinadas por suas famílias.

Muitas comunidades sul-sudanesas consideram que o casamento infantil é para o bem das meninas e de suas famílias. É visto como uma maneira importante de as famílias terem acesso a riquezas por meio da prática tradicional de transferir gado, dinheiro ou outros presentes mediante o pagamento de dotes. Também é visto como uma forma de proteger as jovens das relações sexuais antes de se casarem e da gravidez indesejada.

Para algumas meninas, o casamento também pode ser a única maneira de escaparem da pobreza ou da violência que sofrem em suas casas.

Porém, a realidade está longe disso. Aquelas que se casam jovens são expulsas das escolas, onde lhes negam a educação que precisam para se sustentarem e também às suas famílias.

Estudos de saúde reprodutiva mostram que as jovens enfrentam maiores riscos na gravidez e no parto do que as mais velhas. Isto inclui trabalho de parto obstruído e potencialmente mortal pelo fato de suas pélvis serem menores e seus corpos imaturos, problemas exacerbados pelos limitados serviços de saúde pré e pós-natal no Sudão do Sul.

Os casamentos precoces também criam um entorno que aumenta a vulnerabilidade das meninas casadas aos abusos físicos, sexuais, psicológicos e econômicos.

Isto ocorre porque estas uniões limitam seus conhecimentos e habilidades, seus recursos, suas redes de apoio social e sua autonomia, deixando-as com pouco poder em relação ao que ostentam seu marido ou a família dele.

Cada vez há mais consciência de que o casamento infantil é um sério problema de direitos humanos no Sudão do Sul. O governo tomou algumas medidas para abordá-lo, aprovando leis que incluem importantes proteções para meninas e mulheres nesse sentido.

Também há esforços para melhorar o acesso das meninas a educação, por exemplo, mediante um sistema alternativo de ensino que permita às jovens continuarem na escola mesmo grávidas, bem como as mães e indivíduos em geral que não tiveram acesso a uma educação formal ou que abandonaram os estudos.

No entanto, estas medidas são insuficientes, e frequentemente esbarram em uma variedade de problemas e limitações. Há brechas e conflitos nas leis criadas para proteger mulheres e meninas de casamentos precoces e forçados.

A má compreensão das disposições que essas leis contêm, que se exacerba pela falta de uma adequada formação, pela má coordenação entre os ministérios responsáveis por proteger a infância dos abusos, e pela falta de uma clara delegação de responsabilidades perante autoridades específicas, perpetua os matrimônios precoces e a violência contra as meninas que resistem a eles.

Há em curso várias pequenas iniciativas, implantadas ou financiadas por organizações locais e internacionais, doadores e o governo, que abordam aspectos do casamento infantil. Porém, estes esforços são esporádicos, descoordenados e de alcance limitado.

Em razão destas falhas, muitas mulheres continuam lidando com esse problema, frequentemente de consequências devastadoras e de longa duração.

Por ocasião do Dia da Criança Africana, celebrado no dia 16 deste mês, o Sudão do Sul deveria adotar medidas imediatas e de longo prazo para proteger as menores desta prática prejudicial e garantir o cumprimento de seus direitos humanos.

Apenas um enfoque exaustivo, que deveria ser exposto em um plano de ação nacional, ajudará a garantir um avanço significativo por parte do governo, de suas agências e dos sócios para o desenvolvimento para acabar com o casamento infantil.

Esse enfoque deveria incluir reformas legais e iniciativas programáticas que abordem as causas e consequências do matrimônio precoce, bem como a proteção para mulheres e meninas que buscam um ressarcimento por intermédio do sistema judicial.

É importante que o Sudão do Sul adote estas medidas, porque o casamento infantil limita o avanço social, educativo, sanitário, de segurança e econômico de mulheres e crianças, de suas famílias e de suas comunidades. É provável que não combater este flagelo tenha sérias implicações para o futuro desenvolvimento do país. Envolverde/IPS

* Agnes Odhiambo é investigadora da África para as mulheres na organização Human Rights Watch.