África-Europa: é preciso pôr fim às relações desiguais

Benjamin W. Mkapa

Genebra, Suíça, junho/2012 (IPS/South Centre) – Vivemos em um mundo que muda rapidamente. O modelo da globalização e do livre mercado é questionado. Nos perguntamos se não será o capitalismo, guiado pela mão forte do Estado, o próximo modelo a seguir. O fato é que os principais mercados de África, Estados Unidos e União Europeia (UE), estão paralisados ou afundando. Por outro lado, nossos mercados estão crescendo, junto com os das economias emergentes.

Embora as exportações possam ser um instrumento muito importante para nossa estratégia global de desenvolvimento, na verdade são apenas um pilar. A principal sustentação deve ser o incremento de nossas capacidades de produção interna, de diversificação, de industrialização e de produção agrícola.

Em seu caminho para o desenvolvimento, a África não pode continuar exportando uma reduzida série de matérias-primas e importando uma ampla variedade de bens acabados.

Em setembro de 2011, a Comissão Europeia propôs excluir 16 países africanos da Regulamentação de Acesso ao Mercado da UE 1528/2007, que permitia às nações africanas que aceitavam um Acordo de Associação Econômica (AAE) desfrutarem do acesso livre de impostos ao mercado da UE, se dessem passos para a assinatura ou ratificação.

A regulamentação proporcionava aos nossos países a cobertura necessária, enquanto continuavam negociando com a UE as questões difíceis dos impostos para exportação, do grau de liberalização e da ajuda ao desenvolvimento.

Embora as negociações não tenham terminado, a UE diz agora que se Gana, Quênia, Namíbia (que iniciaram o processo, mas não assinaram), Botsuana, Camarões, Costa do Marfim, Suazilândia e Zimbábue (que assinaram mas ainda não ratificaram) não ratificarem a AAE antes de 2014, serão eliminados da lista de países que recebem a mencionada cobertura.

Neste momento da verdade há várias opções.

1. Apenas o Quênia assina o AAE, a fim de reter suas preferências em flores e pescado. Isso destruiria a união aduaneira da Comunidade Africana do Leste (CAE), integrada também por Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi.

2. Toda a CAE assina o AAE. Neste caso, os países menos desenvolvidos (PMD), que não estão obrigados a reduzir tarifas alfandegárias nas rodadas de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC), terão que reduzi-las a zero em pelo menos 80% do comércio com a UE. Isso afetará seriamente a capacidade de industrialização regional. Como a União Europeia continua sendo um grande exportador de alimentos e subsidia seu setor agrícola com 60 bilhões de euros anuais, tiraria nossos pequenos agricultores dos mercados locais.

3. A região inteira não assina o AAE. Neste caso o Quênia perderia sua preferência em flores. Contudo, o quanto este setor é importante comparado com a abertura do mercado da CAE e da UE e de um real impedimento a uma futura industrialização?

A UE insiste na eliminação de tarifas para 80% do comércio e em outras medidas que afetariam os esforços da África para industrializar-se e melhorar a cadeia de valor agregado. Assim, a África continuaria sendo um perpétuo fornecedor de matérias-primas.

Quanto ao efeito sobre a segurança alimentar e a vida da população rural, a UE não mostra nenhuma intenção de abolir seus subsídios agrícolas, que são a principal competição desleal contra os produtores africanos de lácteos, carnes, cereais, etc.

Com relação ao efeito sobre o comércio e a integração regional, os mercados regionais proporcionam à África a melhor oportunidade para a diversificação e o desenvolvimento.

Se o AAE nos impõe liberalizar 80% do comércio, nossos mercados regionais poderão ficar nas mãos dos produtos da UE. A oportunidade de aumentar o comércio interno, a diversificação e a industrialização da África se verá significativamente reduzida.

Que interesse tem a UE no AAE? Negocia-se este acordo porque a UE quer favorecer a integração e o desenvolvimento africanos ou porque serve, antes de tudo, aos interesses europeus?

Se deixarmos de lado as opções 1 (só o Quênia assina o AAE) e a 2 (toda a CAE assina o AAE), quais alternativas restam?

Desde 2007, as exportações interafricanas ultrapassaram as exportações da região para a UE. O total das vendas da CAE para a União Europeia foi de US$ 2,5 bilhões em 2008, enquanto as exportações para a África chegaram a US$ 3,2 bilhões.

Portanto, a África deve fazer suas as conclusões do Informe da Comissão Sul: “Ao mobilizar todo seu poder latente, o Sul tem, primeiro, que garantir que suas economias sejam alimentadas e que seu crescimento não seja apenas um subproduto do crescimento do Norte. O Sul precisa expandir sua presença nos mercados do Norte, o que implica melhorar o acesso e reduzir o protecionismo”.

“Entretanto, parece claro que as economias locomotivas do Norte não impulsionarão o trem das economias do Sul a um ritmo que satisfaça seus passageiros, ou seja, o povo do Sul. O poder de locomotiva deve ser gerado ao máximo possível dentro das próprias economias do Sul”. Envolverde/IPS

* Benjamin W. Mkapa é ex-presidente da Tanzânia e presidente do South Centre em Genebra (www.southcentre.org).