Clima

América Central é vulnerável ao clima

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Em sua contribuição nacional, a Costa Rica estima que o setor mais afetado pela vulnerabilidade climática é a infraestrutura viária. Esta estrada, que liga São José com a costa do Caribe e atravessa a cordilheira montanhosa central, fecha várias vezes ao ano por deslizamentos e bloqueios. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

 

Diego Arguedas Ortiz, da IPS –

São José, Costa Rica, 30/10/2015 – Durante décadas, os países da América Central sofreram o pesado impacto que os fenômenos climáticos extremos, como secas ou furacões, exercem sobre seu istmo. Agora, seis dessas nações querem que todo o planeta reconheça sua vulnerabilidade ao clima.

Uma iniciativa nascida da sociedade civil centro-americana quer que o novo tratado universal e vinculante oficialize que a região é especialmente vulnerável à mudança climática, uma distinção que atualmente é dada aos pequenos Estados insulares e aos chamados países menos adiantados.

Nas negociações climáticas realizadas na cidade alemã de Bonn entre, 19 e 23 deste mês, a proposta encontrou o caminho até o rascunho do esperado Acordo de Paris e, se for aprovada, o istmo centro-americano poderia ter prioridade na destinação de financiamento climático para medidas de adaptação, algo crucial para a região.

“Nós, da sociedade civil – e me atreveria a dizer que dos governos –, estamos apresentando essa demanda porque pode facilitar ao istmo o acesso a janelas de financiamento, tecnologia e fortalecimento de capacidades”, pontuou Tania Guillén, oficial de mudança climática do nicaraguense Centro Humboldt.

A especialista apontou à IPS que “essas contribuições devem beneficiar as comunidades vulneráveis” do istmo, mas agora a prioridade é dada aos pequenos Estados insulares em desenvolvimento (Sids) e aos países menos adiantados (LDC).

As discussões semânticas ganham importância capital um mês antes de começar, na capital francesa, a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC). Isso porque serão parte das bases em que forem assentadas as diretrizes jurídicas do acordo que deve aprovado na cúpula de Paris, entre 30 de novembro e 11 de dezembro.

Os 48 milhões de centro-americanos vivem no cinturão da América, o istmo localizado entre o Oceano Pacífico e o Mar do Caribe, que é percorrido em quase toda sua extensão por uma longa cadeia montanhosa e um árido Corredor Seco. Quase metade de seus habitantes (23 milhões, ou 48%) está abaixo da linha da pobreza, segundo dados oficiais de países da região.

A vulnerabilidade climática – o conjunto de condições que tornam uma sociedade ou um ecossistema mais propenso a ser afetado por fenômenos climáticos extremos – está há anos na agenda centro-americana, onde a desastrosa passagem do furacão Mitch, em 1998, obrigou a se repensar a gestão do risco. Como parte desse processo, em 2009 nasceu o Fórum Centro-América Vulnerável, Unida pela Vida, uma organização da sociedade civil do istmo que desde então defende essa declaração.

No último ano, os impactos climáticos acrescentaram perdas humanas e materiais em todo o istmo, desde o catastrófico deslizamento de Cambray, na Guatemala, até o aumento do nível do mar que ameaça a comarca Guna Yala, no Panamá.

O mais geograficamente estendido desses impactos foi a seca associada ao fenômeno atmosférico El Niño Oscilação Sul (Enos), que complicou as condições agrícolas do chamado Corredor Seco Centro-Americano. Trata-se de uma faixa árida de floresta seca, com predominância da agricultura familiar de subsistência, e onde a precipitação caiu entre 40% e 60% na estação úmida de 2014.

A América Central lança na atmosfera apenas 0,6% das emissões mundiais de gases-estufa, o que faz com que as ações de mitigação da área percam urgência frente às de redução de suas vulnerabilidades climáticas. A proposta de que a região seja reconhecida como especialmente vulnerável priorizaria o istmo como receptor de financiamento e tecnologia para adaptação climática. Mas terá um duro caminho nas negociações, entorpecido por outros países do Sul em desenvolvimento e inclusive por alguns do próprio istmo.

As tensões começaram dentro do próprio Sistema Centro-Americano de Integração Econômica (Sica), que teve três reuniões durante a sessão de outubro das negociações climáticas em Bonn, mas não conseguiu consenso sobre a iniciativa por causa da oposição interna de Belize.

“Deve-se mencionar que Belize e República Dominicana (integrantes do Sica) são países Sids, por isso para evitar problemas com este grupo de negociação não aderiram à proposta”, explicou Guillén. A seu ver, “o pior é com Belize, porque República Dominicana tem outras condições” (por não ficar no istmo) e ser geograficamente uma nação insular caribenha. Embora Belize seja um país continental, nas negociações climáticas somou-se aos Sids.

O chefe da delegação do governo da Guatemala nas negociações climáticas, Edwin Castellanos, confirmou à IPS que não houve consenso interno. Por isso, “a proposta foi feita por El Salvador, por ter a presidência do Sica, mas não o fez em nome do grupo, porque um país membro não apoiou a moção”, afirmou. A proposta também foi subscrita por Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá.

Além disso, Castellanos apontou que também há outros países que buscam figurar na lista de mais vulneráveis e esse foi um tema tratado dentro do poderoso grupo de negociação do Grupo dos 77 mais China, conhecido como G-77+China, que engloba os países do Sul em desenvolvimento.

“Quando a América Central fez essa proposta, o Nepal seguiu com outra semelhante para países montanhosos. O problema é que se inicia uma lista que pode ser interminável e já inclui os LDC, as ilhas e, mais recentemente, a África”, pontuou o negociador. Castellanos reconheceu que a proposta nasceu da sociedade civil centro-americana, e mencionou em particular o Fórum Sociedade Civil do México e da América Central, rumo à COP 21, realizado na Cidade do México, entre 7 e 9 deste mês.

A costa-riquenha Alejandra Granados, participante do Fórum, disse à IPS que a iniciativa foi apresentada pela guatemalteca Alejandra Sobenes, do Instituto de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, e “cada organização a enviou aos negociadores de seus respectivos países”, antes da reunião em Bonn.

Os países centro-americanos que já apresentaram à CMNUCC suas contribuições previstas e determinadas em nível nacional (INDC) concordaram em incluir componentes de adaptação que os governos se comprometerem a cumprir. El Salvador e Nicarágua ainda não apresentaram seus INDC, o conjunto de medidas com que cada país vai colaborar para conter a elevação da temperatura do planeta.

Segundo Granados, que lidera a organização CO2.cr, se for reconhecida a vulnerabilidade centro-americana, os países do istmo deverão trabalhar fortemente com as comunidades locais para melhorar seus planos de adaptação anteriores a 2020, quando começaria a vigorar o novo tratado.

“Esse reconhecimento não é um fim em si mesmo, é uma grande responsabilidade que a região assume, porque é como se em nível internacional se voltasse os olhos para a região e dissesse: bem, o que esperam para fazer algo? Vocês queriam esse reconhecimento, agora assumam sua responsabilidade por adotar ações”, concluiu a ativista costa-riquenha. Envolverde/IPS