Sociedade

Índia acusada de violar direitos da infância

Um centro para menores que cometem crimes em Thiruvananthapuram, no Estado indiano de Kerala. Defensores dos direitos da infância afirmam que essas instalações não têm condições físicas adequadas para reabilitar esses adolescentes. Foto: K. S. Harikrishnan/IPS
Um centro para menores que cometem crimes em Thiruvananthapuram, no Estado indiano de Kerala. Defensores dos direitos da infância afirmam que essas instalações não têm condições físicas adequadas para reabilitar esses adolescentes. Foto: K. S. Harikrishnan/IPS

Nova Délhi, Índia, 28/1/2016 – Organizações da sociedade civil e defensoras das crianças protestaram energicamente na Índia contra a nova lei de Justiça de Menores, que entrou em vigor este mês e que diminui de 18 para 16 a idade para processá-los como adultos por “crimes execráveis”. Defensores dos direitos humanos e pessoas que trabalham com crianças, denunciaram que reduzir a idade atenta contra a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Infância, ratificada pela Índia em 1992.

Segundo a legislação vigente, aprovada em 2000, os acusados menores de 18 anos não podem receber castigo superior a três anos e nem serem julgados como adultos e, por fim, tampouco podem ir para uma prisão de adultos.Embora a nova lei, votada em dezembro pela câmara alta, os considere de forma similar, estabelece uma diferença: será processada como adulto toda pessoa entre 16 e 18 anos que cometer um crime execrável, como homicídio ou violação, punidos com sete, ou mais, de prisão.

Os acalorados protestos e debates atuais aumentaram pela libertação, concedida pela Suprema Corte de Justiça, do menor dos acusados pelo caso de uma violação grupal de uma estudante de medicina, em 2012, em Nova Délhi. O rapaz estava internado em um centro de detenção de menores e acabou seu período de três anos de privação da liberdade.

Na fria noite de 16 de dezembro daquele ano, uma interna de fisioterapia foi golpeada e violada por um grupo de rapazes em um ônibus em movimento, no qual viajava com um amigo, também agredido. A jovem de 23 anos morreu 13 dias depois, em um hospital de Cingapura, para onde foi levada devido aos ferimentos internos causados por seus agressores.

O conhecido professor de direitos humanos, Pushkar Raj, ex-secretário-geral da União Popular de Liberdades Civis, disse que a medida de aprovar leis mais duras contra os menores que cometem crimes está mal proposta e não conseguirá o objetivo de reduzir o número de crimes cometidos por esse setor da população.

“Os crimes cometidos por menores aumentou bem pouco nos últimos anos na Índia, são metade dos registrados nos Estados Unidos e na Austrália. No país, representam escassos 1.500 casos para cada cem mil menores, enquanto nesses outros supera os três mil”, afirmou Raj à IPS. O Escritório Nacional de Registro de Delitos informou que houve aumento das infrações cometidas por menores, especialmente entre 16 e 18 anos, no período de 2003 a 2013.

Os dados mostram uma alta na proporção de crimes cometidos por menores de 1%, em 2003, para 1,2%, em 2013. Nesse período os acusados com idades entre 16 e 18 anos aumentaram de 54% para 66% em relação aos crimes cometidos por outros menores. Shoba Koshy, presidente da Comissão do Estado de Kerala para a Proteção dos Direitos Infantis, apontou à IPS que, independente da lógica empregada para reduzir a idade penal, a lei não é aceitável do ponto de vista da proteção da infância.

Koshy se mostrou preocupada com a possibilidade de a nova lei ser contraproducente, a menos que sejam tomadas as medidas corretas de recuperação dos implicados. “Nos comprometemos em nível nacional e internacional a proteger os direitos das crianças até os 18 anos”, destacou. Reduzindo a idade para 16 anos, o que acontecerá se um de 15 cometer um crime semelhante. Reduzirão novamente a idade?”, questionou.

Segundo Koshy, “há muitos assuntos desatendidos em relação aos menores, que precisam ser analisados. Devemos ajudar nossas crianças a crescerem e serem boas pessoas mediante sistemas que ofereçam o cuidado e a proteção que merecem na infância, como educação adequada e valores morais. O governo deve destinar mais fundos para fortalecer a infraestrutura e desenvolver mecanismos de reabilitação e reforma no contexto da Lei de Justiça de Menores”.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos também criticou a nova lei por meio de carta enviada às autoridades. Se cada rapaz de 16 anos for processado como adulto e “acabar na prisão, não haverá possibilidade de reabilitação e sairá de lá endurecido como criminoso”, diz a carta, divulgada pela imprensa local.Entretanto, no debate parlamentar, a ministra de Desenvolvimento de Mulheres e Crianças, Maneka Gandhi, pontuou que a nova lei dispõe que toda pessoa acusada entre 16 e 18 anos permaneça em um centro para adolescentes até os 21, independente da sentença.

Um estudo concluiu que as causas dos crimes praticados por menores eram principalmente uma combinação de diversas variáveis individuais e ambientais, de fatores de risco individual, negligência e desatenção dos pais, influência dos colegas, carências socioeconômicas, pressão familiar e falta de uma socialização adequada.A pesquisa Fatores Subjacentesà Delinquência de Menores e Programas Positivos de Desenvolvimento Juvenil foi elaborada em 2013 por Kavita Sahney, do Departamento de Ciências Sociais e Humanidades, do Instituto Nacional de Tecnologia de Rourkela, no Estado de Odisha.

Mulheres ativistas e integrantes do parlamento consideram que anova lei não oferece nenhuma segurança diante das agressões, bem como não protege os menores envolvidos em episódios violentos. T. N. Seema, máxima dirigente do Partido Comunista da Índia (marxista) e integrante da câmara alta do parlamento, se mostrou profundamente preocupada pela intromissão do governo em um assunto de direitos da infância. “A maioria dos lares para menores criminosos não tem um bom clima, nem instalações físicas suficientes para alojar a todos. Nesse contexto, como podemos reformá-los?”, perguntou em conversa com a IPS.

A ativista T. P. Lakshmi, de Nagarkovil, no Estado de Tamil Nadu, ressaltou que o governo cedeu às “pressões táticas” de um grupo de mulheres que pretende “tirar proveito do caso de violação grupal de 2012. É lamentável que um ou dois casos de violação determinem o destino de todos os menores que cometem delitos no país”, enfatizou. Envolverde/IPS